quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O que os olhos não veem

Eu posso ter muitos defeitos. Mas se tem uma coisa que eu banco é ser fiel ao meu marido. Disso eu faço questão de ressaltar. Pois hoje em dia, a coisa está virada numa promiscuidade infernal! Um horror!
Eu amo o meu marido e ele me basta. Estamos juntos há mais de 15 anos e nunca houve nada que pudesse denegrir ou manchar a reputação de nosso casamento impecável.
Bem, houve aquele episódio do ano passado. Mas aquilo nem conta...
É, confesso que teve um teor, digamos (por assim dizer), sexual, mas nem dá pra classificar como sexo mesmo. Então, não conta como traição.
Eu sei que sou fiel ao meu marido e ele me basta. E isso serve de parâmetro para qualquer um. Ponto.
É que... aquele episódio foi uma situação muito particular. Enfim...
Bem, eu vou relatar, só a caráter de curiosidade, que é pra comprovar a minha idoneidade.
Certa vez, no ano passado, meu marido foi para uma convenção empresarial em Santiago do Chile, representando o seu escritório. Ele ficaria fora por duas semanas (mais ou menos) e já na partida dele eu fiquei morrendo de saudades. Sério, juro! Eu sou louca por aquele homem!
No dia seguinte à sua partida, eu estava bem tranquila na minha casa, lânguida, lendo a Marie Claire que falava das tendências da estação (turquesa, roxo e cereja), quando subitamente a campainha toca. Me deu um pouquinho da aflição, pra falar a verdade, pois (pensei comigo mesma) quem será a esta hora da tarde? Um pregador cristão em busca de arrebanhar novos fiéis? Uma criança faminta precisando de um prato de comida? Não me furtei em atender, caso fosse uma situação emergencial.
Eis que me surpreendo! Em plena porta de minha casa estava Eduardo Moscovis (sim, aquele galã de novela!) com uma expressão muito pesarosa em seu rosto. Ele acabara de passar numa clínica ali perto onde pegou os resultados de uns exames e descobriu que teria, no máximo, uma semana de vida. Então resolveu bater na primeira porta que encontrasse e solicitar (caridosamente) um pouco de sexo por compaixão, a fim de que pudesse encontrar algum alento nos seus últimos dias de sua existência.
Eu fiquei aturdida com tal proposta. Afinal, eu sempre fui uma esposa fiel e dedicada ao meu casamento. Mas pensando um pouco, eu me dei conta de que aquilo era um sinal. Sim! A alinhamento de casualidades do instigante balé do destino fez com que aquela figura notória, em seu momento tão dramático de vida, batesse na minha porta. Em busca de um instante de misericórdia.
Então eu topei. Por uma questão de compaixão (deixo bem claro).
Gente, foi o onze de setembro! (Não ficou pedra sobre pedra...) Aquele moreno desatinado me possuiu de tal forma como jamais possuira qualquer outra mulher. Foi uma tarde em que me entreguei à total volúpia... Claro que, em prol de um objetivo magnânimo de oferecer paz a uma pobre alma sem esperança. Sabe aquela experiência que mistura agonia e êxtase? Uau...
Quando eu achei que tinha dado por finalizada a minha missão, aconteceu um imprevisto.
No calor da emoção, de precisar oferecer amparo ao pobre galã desacreditado, eu esqueci a porta da sala aberta. Quando me levanto, ainda desnuda e sôfrega de uma tarde de sexo desenfreado, percebo Vlademir, o melhor amigo de meu marido na porta, com uma expressão atônita diante dos acontecimentos. Foi então que as coisas fugiram (um pouquinho) do controle.
Enfim, antes que eu pudesse esclarecer qualquer coisa ao Vlad, ele me largou essa:
- Se você dá pro primeiro babaca que aparece quando o seu marido sai, você também pode dar pra mim. Se não der, eu te entrego, sua vadia.
Diante de tal ameaça sórdida eu não tive escolha. Afinal, não era apenas a minha reputação que estava em jogo. A preocupação maior era com os sentimentos do meu adorado marido. Eu não suportaria vê-lo tendo que carregar sobre seus ombros tamanha decepção. Na qualidade de melhor esposa possível (e impossível!), eu tinha que tomar uma atitude. Então, pensando um pouco (enquanto me despedia do Du), resolvi ceder à chantagem repulsiva deste inseto que se diz o melhor amigo do meu marido. Tudo pela felicidade do meu casamento!
Gente, foi o onze! Eu acho que este homem estava a fim de mim há muito tempo. Pois me possuiu de tal forma como jamais possuira outra mulher. Entramos noite adentro num frenesi maluco de sexo sujo advindo da chantagem mais baixa que existia. Impressionante o que uma mulher não faz para salvar o seu casamento...
O bastardo do Vlad foi embora quando estava ameaçando amanhecer. Aproveitei o que sobrava da noite para descansar um pouco e me recuperar de aventura tão bizarra. Mais tarde quando eu acordo. Encontro uma carta misteriosa na porta de minha casa. O conteúdo dizia: “Eu tenho fotos. Aguarde tratativas. Priscila”
Priscila é nossa vizinha lésbica (traços nórdicos, beleza exótica) que sempre me tratou de forma muito estranha. Eu sempre suspeitei que ela tinha uma queda por mim, e isso se comprovou com a missiva fatal que ela me destinara naquele dia. Provavelmente aquela pervertida ficava me vigiando noite e dia alimentando fantasias sórdidas a meu respeito. Eu fiquei aflita, pois a coisa estava começando a sair (mesmo) do controle. Até onde eu iria para preservar a reputação de meu casamento imaculado?
Então eu pensei. Se ele tem o costume de me fotografar, deve ser uma desequilibrada obsessiva ou algo do gênero. Talvez até mesmo uma psicopata! Vá saber... O entendimento da dimensão do problema me faz ir correndo até a sua casa. Resolvi dar a ela o que queria para arrebatar de vez a sua sanha e acalmar os seus desejos obcecados. Olha, me senti uma heroína!
Foi o onze! Entrei na casa dela e a beijei sofregamente como se, no final das contas, eu mesma fosse a condenada à morte. Priscila me possuiu de tal forma como jamais possuira outra mulher. Foi um dia de luxúria desenfreada que culminou na extinção da pira de uma mulher indecente.
Eu só não esperava que a minha vizinha estivesse conectada na internet e com a webcam funcionando para o site nastyladies.com. Um dos tarados que ficam se tocando ao assistir os vídeos é o Ripa Seca (atendente da casa de carnes) que, por sinal, também é um dos dirigentes da torcida organizada do Corinthians.
Bem, trocando em miúdos, eu tive que transar com toda a torcida organizada, a conselho tutelar da região, a associação de pais e mestres, a Infantaria, a Maçonaria e uns representantes meio esquisitinhos (tipo meio verdinhos) da Área 51. Meu Deus, foi o onze! Todos eles me possuiram de tal forma como jamais possuiram outra mulher.
Depois que eu consegui silenciar a cidade toda com o meu corpo (tudo em prol da manutenção do meu casamento), faltava apenas um dia para o meu marido voltar de sua viagem. Tomei um bom banho. Fiz um café bem reforçado, que era pra esperar o meu queridão inteira. Lavou tá novo, né? E eu estava morrendo de saudades...
Gente, eu acho que tive sucesso, sabe. Pois dali em diante, tudo seguiu como deveria ser. O meu casamento andou sem maiores problemas.
É por isso que eu digo e repito. Posso ter algumas falhas aqui e ali. Mas nunca poderão me acusar de infidelidade. Tudo o que fiz até hoje foi em prol de manter a harmonia do meu lar. Ao lado do meu adorado marido.

domingo, 27 de setembro de 2009

Agá minúsculo

Agora não tem mais volta. Chegamos num ponto onde é preciso repensar o papel do homem na sociedade. Por uma questão de sobrevivência. Do próprio homem.
Com base em estatísticas alarmantes, o Ministério da Saúde lançou uma campanha nacional em prol da saúde do representante do sexo masculino. Os dados são cruéis: de cada três mortes, duas são de homens. E mais! Homens vivem, em média, sete anos a menos que as mulheres. Se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Porque você é homem.
Bem, muitos podem pensar: estas malditas mulheres são tão ordinárias que fazem de tudo pra derrubar seus adversários na guerra dos sexos. Mas antes se tratasse meramente de uma picuinha sexista o motivo deste assustador machocídio. A bem da verdade, a culpa é do próprio homem e suas atitudes. Mellhor dizendo: a culpa é da testosterona.
Sim, isso mesmo... Homem morre mais por quê?
Morre porque é filho-da-puta mesmo! Adora bancar o valentão. Tem que provar que pode mais custe o que custar. Precisa deixar claro que ninguém manda nele. Acha que levar vantagem em tudo é bacana. Fica mexendo com todas as mulheres, inclusive com as que deveria deixar quietas. Aí, já viu...
Com homem é assim: tudo termina em confusão, briga, alta velocidade, intransigência e excesso de confiança. Só pode dar merda mesmo.
No fim, quem tem culhão entrou pra lista das espécies em extinção. É o fim da Era do Falo. Ninguém fala mais nada! Se dá bem quem escuta, observa, pensa e depois age. É a Era do Bom-Senso. Talvez antigamente, quando a sociedade não era nem um pouco sofisticada, as coisas poderiam se resolver no muque. Mas era uma época em que todo mundo batia as botas cedo, então a expectativa era mais de morte do que de vida. Vivemos outros tempos, com todos os avanços sociais e tecnológicos que se pode imaginar. E, hoje, bancar o fodalhão é assinar o atestado de óbito.
Mas não adianta o Ministério da Saúde lançar uma campanha dizendo aos homens para beber menos e irem mais ao médico. Primeiro que eles fazem o que bem entendem. E usam a bebida como aditivo de valentia. Segundo que eles só são corajosos até a página dez. Morrem de medo de sentir dor, de tomar remédio, de ir ao médico e encarar diagnósticos preocupantes. É nestas horas que as mulheres dão um baile nos homens.
Uma campanha deste porte, para funcionar, teria que minar o alicerce do bofismo suicida. Sim! Ser machão não está com nada! O mote ideal da campanha seria: VIRE GAY E VIVA!
Pensem comigo: gays tem um estilo de vida muito mais tranqüilo, são pacíficos, cultos, disciplinados em relação à saúde e esbanjam cordialidade. Aposto que, numa contagem de homens com maior longevidade e qualidade de vida, é fácil encontrar muitos homossexuais encabeçando a lista.
E tem mais! Não existe briga em boate gay. As competições no meio não colocam em risco a integridade dos meninos. O maior atrito que rola é de ver quem tem a camisa mais descolada ou o bronzeado mais perfeito. Sem falar que eles tem um estilo de vida baseado nos ideais de sustentabilidade. Perfeito para os dias atuais onde as coisas andam meio fervidas. Aliás, ferveção para os gays é fazer amor e não a guerra. Sem falar que é uma opção econômica. Porque não casam e tem uma penca de filhos. E todo mundo sabe que filho é um gasto que começa com fralda e termina com universidade particular. Tudo é uma questão de números.
Bem, para aqueles bam-bam-bans que estão confusos, frustrados por terem se dedicado a uma vida de marra, tentando provar quem é mais caralhudo, e que agora se sentem perdidos, aqui vão algumas dicas de como abrir mão deste modo de vida tão nocivo. É muito fácil e não dói nada. Só precisa perder o senso do ridículo e lembrar que ridículo mesmo é morrer cedo.
Dica número 1: esqueça o rock e adote a dance music. Sim, está comprovado que guitarras distorcidas elevam o pico de testosterona nos homens, fazendo-os beber mais, ficarem mais agressivos, enfim... Disso pro caixão é um pulo. Traga a dance music para a sua vida. É um estilo inofensivo, totalmente “hands up in the air”! Sem falar que rebolar ajuda a queimar calorias e controlar o colesterol. Diga não a Metallica, Rage Against the Machine e Guns’n’Roses. Diga sim a Village People, Cher, Que Fim Levou o Robin, Locomia e perceba como soltar a franga numa pista de dança produzirá endorfinas essenciais para a sua qualidade de vida.
Dica número 2: ser gay é ser colorido. Estudos indicam que a psicodinâmica das cores é um fator decisivo na qualidade de vida dos seres humanos. Então, pensem: o que vai ser dos homens que só usam preto, bege, cinza e azul-marinho? Uma vida apática, sem estímulo e sem sentimentos positivos. É claro que mudar isso pode ser complicado, até porque existe todo um impacto social. O famoso “dar na pinta”. Mas trata-se de um processo que pode ser feito de forma gradativa. Por exemplo: se você já usa vermelho, pode migrar para o cereja, que é uma cor-de-burro-quando-foge, que ninguém sabe se é vermelho ou rosa. Fica aquela dúvida pairando no ar. Daí pro pink é um salto. Você tem um arco-íris à sua disposição! Um mundo mais colorido é um mundo que vive mais. Bege é de morrer!
Dica número 3: adote gestos afetuosos. Nada de soquinho no braço, nada de levantar o dedo médio e, o mais importante, nada de ficar coçando o saco de 15 em 15 minutos. Experimente abraçar, beijar, afagar! Sim, existe uma energia em você que precisa ser liberada. Mas pra que liberá-la numa queda de braço? A gente já sabe que produzir testosterona é pedir pra subir no telhado. Então vamos direcionar esta energia para algo positivo. Comece com um laboratório lúdico de Uva, Pêra, Maçã ou Salada Mista e depois é só correr (literalmente) pro abraço.
Dica número 4: reveja seu repertório de assuntos. Futebol é um veneno para os homens. Só termina em tragédia. Esta coisa de competição esportiva é uma viagem sem escalas pra cova. Estude astrologia, cabala e faça um workshop de dieta com alimentos orgânicos. Assim a conversa fica mais zen, o homem fica mais harmonizado com o ambiente e garante aí mais uns anos de vida!
Bom, poderia enumerar uma série de outras dicas. Mas essencialmente é isso. Seja mais mole. Nada de bancar o durão. Não está em jogo o que você gosta. Não importa se o seu negócio é piroca, perereca, pororoca ou pururuca. O importante só é a atitude cor-de-rosa. Bem fresco mesmo. Porque em dias de aquecimento global, só o frescor salva!
Agora, se você, homem, não abrir mão do seu machismo-alfa nato, tudo bem. Só não diga que não foi avisado, pois quem prefere bancar o comedor vai acabar comendo grama pela raiz logo, logo.

domingo, 13 de setembro de 2009

A vida vale a pena

Eu sou ex-presidiário. E fiquei preso por 33 anos. O meu crime foi ter nascido. Sim, a vida vale a pena. A pena máxima.
Mas eu não estou totalmente livre. Estou em liberdade condicional. Consegui por bom comportamento. Meus movimentos são monitorados pelo sistema o tempo todo. Qualquer passo em falso e eu volto para a prisão. Para mais 33 anos. Mas por mim tudo bem. A vida aqui fora não é muito diferente do que lá no presídio. Eu vivi a minha vida inteira preso dentro de um espaço confinado, imaginando como seria o mundo lá fora. E eu imaginava um lugar cheio de aventuras, de possibilidades, de alegrias e de diversão. Mas chegando aqui fora, eu pude perceber que as coisas são bem diferentes.
Aqui fora é um lugar que tem mais grades que a prisão. E gente mais perigosa também. Pior, gente perigosa com o aval para agir ao seu bel-prazer. Por conta deste impasse artificialmente implantado, as pessoas passaram a não confiar mais umas nas outras. O preconceito se tornou uma arma de defesa para se preservar num mundo onde você não sabe o que pode esperar do próximo. E todas as pessoas que se permitem, que baixam a guarda, que se desnudam diante do constrangimento instaurado, são tachadas de malucas. E também são isoladas de alguma forma.
Entre malvados, medrosos e malucos, o resultado da soma tem mais dígitos que o planetinha gostaria de suportar. Outras espécies de seres vivos estão tendo que dar licença de sua existência para que os seres humanos possam se multiplicar descontroladamente.
É uma guerra perdida. E qualquer um que nasça nos dias de hoje, seja rico ou seja pobre, está cometendo um crime de guerra.
Em vista de um mundo que está indo pro buraco, com uma humanidade saturada que consome todos os recursos do planeta indiscriminadamente, só existe uma atitude digna a ser tomada: castrar-se. Você vai colocar um filho no mundo pra quê? Pra fazê-lo competir com outros milhares por uma oportunidade cada vez mais inexistente? Pra deixá-lo a mercê de toda sorte de violência que já se tornou uma divindade cultuada com toda a onipresença e onipotência típica de um deus? Pra torná-lo uma triste estimativa numa civilização que caminha para o colapso?
Deixe seu coração de lado e use só a cabeça. Pensar em ter filhos é um equívoco neste mundo. Decidir tê-los é um erro. Tê-los é um crime. Um crime contra o Planeta Terra.
Pode parecer a coisa mais fofa montar um álbum de fotos com os primeiros passos, o primeiro dente, o primeiro aniversário. Mas Gaia, a Mãe-Terra só olha e diz: porra, mais um!
E ele já vai nascer preso. O mundo se tornou uma grande prisão. A liberdade é só uma grande fantasia fomentada pelos espetáculos de fantasia que existem para aliviar a dor.
De qualquer forma, você pode decidir alimentar esta fantasia. Okay, okay... Afinal, você é só um ser humano. Cheio de sonhos, blá blá blá... Mas se você resolver seguir seu coração... Se você resolver tomar esta atitude egoísta e cometer o crime de ter um filho... O problema é todo seu. Vai fundo. Vai lá parir um filhote. Vai lá enchê-lo de esperanças. Mas saiba que, a partir deste momento, você é um criminoso.
E, uma vez criminoso, jamais poderá apontar o dedo. Seja para quem for e seja para o que for. Jamais poderá julgar qualquer um. Não poderá criticar as pessoas que baixam músicas e filmes de forma ilegal da internet. Nem os que buscam alento num cigarro de maconha. Tampouco os promíscuos que se perdem nas sombras da noite em busca de algum alívio para a alma. Porque são todos meros criminosos. Iguais a você.
Todos nós, por sermos usuários de oxigênio, somos criminosos em liberdade condicional. A não ser que você seja maluco. Daí é outra história... Eu estou entrando com um recurso para atestar minha maluquice. Se o tribunal aceitar a alegação de insanidade temporária no momento da concepção, possivelmente serei encaminhado para um hospício, onde encontrarei muito mais gente maluca como eu. Pelo menos, assim, a vida será mais divertida.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ritual Pagão

- Bom dia, senhor! Seja Bem-vindo ao Supermercado Pão-de-Mel! O senhor fez boas compras?
- Bom dia.
- O senhor fez boas compras?
- Sim, eu fiz.
- O senhor encontrou tudo o que procurava?
- Como?
- O senhor encontrou tudo o que procurava?
- Tudo o que eu procurava?
- Sim, senhor. O senhor encontrou tudo o que procurava?
- Tudo o que eu procurava? Tudo mesmo? Aqui neste mercado?
- Sim, senhor.
- Tipo, tudo tudo mesmo?
- O senhor encontrou tudo o que procurava?
- Não, eu não encontrei.
- Não, senhor?
- Não...
- E o senhor pode dizer o que não encontrou para que eu possa colocar na lista de pedidos?
- Um futuro melhor.
- Perdão, senhor?
- Olha, criança... Eu procuro muita coisa na vida. Um sentido, um caminho, uma esperança de que o futuro poderá ser melhor. Vamos concordar que é difícil de encontrar tudo isso num mercado.
- Desculpa, senhor. Não entendi.
- Podemos seguir em frente, por favor?
- Sim, senhor. O senhor possui o cartão fidelidade Pão-de-Mel?
- Olha... Eu sou fiel ao meu companheiro, aos meus amigos, à minha família, aos meus ideais, aos meus projetos de vida e a mim mesmo. Agora, sinceramente, não vejo o porquê de ser fiel a um supermercado.
- É porque o senhor, desta forma, pode concorrer a prêmios especiais nas campanhas do Supermercado Pão-de-Mel.
- E eu devo ser premiado por fazer compras num supermercado? Não seria interessante me premiar por ser um cidadão honesto? Ou por ter alcançado um invejável número de conquistas? Ou por tentar ser um consistente modelo de comportamento exemplar onde as futuras gerações possam se espelhar? PORQUE EU NÃO RECEBO UM CARTÃO FIDELIDADE SOLIDARIEDADE? OU UM CARTÃO FIDELIDADE INTEGRIDADE MORAL? HEIN? HEIN? HEIN?
- Hã, senhor...
- O QUÊ???
- O senhor vai pagar como?
- NO CARTÃO!!!!
- Sim, senhor. Crédito ou débito, senhor?
- O QUE QUE FOI?
- O que que foi o quê, senhor?
- O que está querendo insinuar com esta pergunta?
- Que pergunta, senhor?
- Ah, não se faça de desentendido, vai. “Crédito ou débito”, “crédito ou débito”...
- Esta pergunta é uma formalidade, senhor.
- Formalidade... Sei... Pois eu vou te dizer o estrago que acontece a uma pessoa desavisada quando esta pergunta ardilosa é proferida. Você tem sua mente devastada por um trauma irreversível. Você sai do supermercado sem perspectivas, sem horizontes...
- Perdão, senhor?
- Mas é só você prestar atenção! CRÉDITO ou DÉBITO? E se eu resolver pagar no débito? Isso significa que eu não tenho crédito? Pode ser que eu tenha, afinal, a omissão do crédito não significa que ele não exista. Mas a dúvida fica implícita: “ele vai pagar no débito, porque provavelmente não tem crédito”. Você percebe o quão devastador é para a alma de um ser humano perder o crédito? Ser um desacreditado, desprovido da cumplicidade alheia, sem conseguir estabelecer relações de confiança com seus semelhantes? Isso significa, obviamente, que a pessoa está em débito com a sociedade. E viver em débito, para alguém que procura sempre crescer, dar o seu melhor, é um peso impossível de carregar. NÃO, NÃO, NÃO! NÃO ME FAÇA ESTA PERGUNTA!
- Hã, posso fazer outra pergunta então, senhor?
- O que você quer saber agora?
- CPF na nota, senhor?
- Como assim?
- O senhor quer o CPF na nota? É uma campanha do governo, senhor.
- RÁ!!! ERA SÓ O QUE ME FALTAVA!!! PEDINDO DOCUMENTO PARA AVERIGUAÇÕES. Você está insinuando que eu não sou quem eu digo que eu sou?
- Mas o senhor não disse quem você é, senhor. Eu apenas preciso perguntar isso, senhor.
- Precisa perguntar, é? Realmente não confia na minha palavra. E aí só pode sobrar pra mim! Que fico aqui fazendo papel de BOBO! DE OTÁRIO! QUE NÃO TEM CRÉDITO! QUE VIVE EM DÉBITO! QUE NÃO TEM IDENTIDADE! QUE NÃO TEM UM NOME, UMA CARA, UMA ALMA DIGNA DE PIEDADE! Olha só, por favor, me prive da experiência da humilhação pública diante desta platéia de aturdidos com esta cena tão dantesca.
- Isto não é uma platéia, senhor. É a fila esperando para ser atendida.
- Claro, claro. “A fila anda”. É fácil para você me jogar isso na cara. Me tratando com o desprezo que eu mereço, não é? Como se eu fosse um destes ordinários sonsos que entram na fila do caixa rápido que permite até dez itens com um carrinho com mais de vinte produtos. E ainda tem a cara de pau, quando chamada a atenção, de dizer que o filho que acompanha vai pagar junto. Fui nivelado pelo chão, não é? Sou menos que nada pra você.
- Na verdade, senhor, “menos que nada” não. O correto são R$43,50.
- Okay, okay. Já percebi que não tenho como ganhar este embate. Você venceu. Tem troco pra R$50,00?
- Sim, senhor. Obrigado, Senhor! O Supermercado Pão-de-Mel agradece a preferência!

domingo, 9 de agosto de 2009

Viver e não ter a vergonha de ser feliz

Estamos ao vivo do Planeta Terra para mais uma Homenagem de Coração aos Heróis da Resistência. Sejam bem-vindos a este evento que procura dar relevância a todos aqueles que merecem destaque pelas suas atitudes. Que tentam seguir em frente apesar de tudo e todos, mesmo que o resto do mundo insista em puxar para trás. Eu sou o seu mestre de cerimônias, mas não farei cerimônia para convidar a todos nesta ovação a tudo aquilo que realmente importa! Então, sem mais delongas, vamos começar!

UMA SALVA DE PALMAS A TODOS AQUELES QUE SÃO ESPONTÂNEOS!!! Parabéns a todos aqueles que dizem o que sentem. Que são sinceros e transparentes. Que fazem da franqueza o seu diferencial num mundo de mentiras. Que sustentam um discurso pertinente baseado em suas próprias vivências (e não pego emprestado de alguém próximo). Que simplesmente não conseguem ser cínicos num mundo onde o cinismo já apodreceu várias engrenagens dos relacionamentos humanos. Que, mesmo tachados de inconvenientes, sustentam suas convicções com clareza e sinceridade, pois sua honestidade sempre fala mais alto.

UMA SALVA DE PALMAS A TODOS AQUELES QUE SE DIVERTEM GENUINAMENTE!!! Parabéns a todos aqueles que dançam, com um sorriso no rosto, toda vez que toca aquela música que fez parte de sua história (e não simplesmente a música da moda que toca nas rádios). Que se encontram com os amigos e dão risadas gostosas. Que são apontados como malucos ou esquisitos, mas que não abre mão de pintar o mundo com cores fortes. Que não tem receio de suar, amassar a roupa, se sujar e ficar sem fôlego, porque, mesmo diante de um mundo com expectativas tão ingratas, não matou a sua criança interior para suprir uma demanda de comportamento embrutecido pelos desafios da vida.

UMA SALVA DE PALMAS A TODOS AQUELES QUE AMAM!!! Parabéns a todos aqueles que tem um coração em plena atividade afetiva. Que estendem a mão, que abraçam, que beijam e que gozam ardentemente. A todos aqueles que se permitem amar, desejar e serem desejados, morrer de saudades, se iludir e desiludir. Que adoram presentear (mais do que serem presenteados). Que se entregam de corpo e alma, pois não estão disponíveis para joguinhos afetivos que mascaram intenções egoístas. E que choram saudosamente ao perceber que sua vida foi marcada por várias paixões e amores inesquecíveis.

UMA SALVA DE PALMAS A TODOS AQUELES QUE SEGUEM EM FRENTE!!! Parabéns a todos aqueles que tem coragem de enfrentar a vida. Que enxergam desafios no lugar de problemas e lições no lugar de erros. Que não são reféns de seus medos e são avessos a recalques. A todos aqueles que, quando caem, se levantam, sacodem a poeira e dão a volta por cima. Que reconhecem suas fraquezas, mas não se deixam enfraquecer. Que tem uma genuína vocação para ser feliz e se comprometer em alcançar o sucesso de seus projetos. Que são verdadeiramente humildes para reconhecer a sua pequeneza diante do mundo e lutar para dar o seu melhor, sem desistir diante de qualquer obstáculo.

É isso mesmo, pessoal. Vamos parar de aplaudir celebridades vazias, dirigentes corruptos e autoridades desumanas. Vamos parar de aplaudir covardes, hipócritas e chantagistas emocionais. Está na hora de sermos menos moralistas e mais éticos. Vamos ovacionar quem realmente faz a diferença. E encerramos por hoje a cerimônia de Homenagem de Coração aos Heróis da Resistência. Mas os aplausos não podem parar. Nossos heróis vão precisar do eco de suas palmas para continuar se inspirando. E continuar olhando pra cima enquanto o resto da humanidade segue ladeira abaixo.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Xadrez é o último grito

Meu nome é Gládis Ferreira. E sou decoradora. Mas não pensem vocês que sou uma decoradora qualquer. Eu trabalho com um diferencial que me destacou no mercado de decoração e arquitetura: sou especialista em grades.
Todo mundo sabe que, hoje em dia, a gente não vive mais em casas e apartamentos. Nada disso. Moramos em jaulas, gaiolas e prisões. A grade é um item de necessidade básica na construção ou reforma de um lar. É mais importante que um vaso sanitário. Isso mesmo! Afinal, você até se vira com um penico. Mas e a janela aberta? Quem garante a noite de sono sem uma gradezinha bem instalada? E não adianta morar no décimo terceiro andar. Os saqueadores estão cada vez mais criativos para invadir os nossos lares. Até rapel esta gentalha anda aprendendo para dar um jeito de surrupiar os bens dos outros.
Mas eu não tenho do que reclamar, viu? Graças à bandidagem, eu fiquei rica. E claro que eles não estariam por aí, impunes, roubando, vandalizando e surrupiando o trabalho suado da vida alheia se não fosse por alguns eficientes colaboradores. O primeiro deles, claro, é a televisão, que incentiva de forma categórica a prática de violência gratuita. Gente, é muito simples: a televisão é um alvará para tudo aquilo que ela expõe. Por exemplo: dois rapazes se beijando, em declarada demonstração homoafetiva, não pode e nem aparece na TV. Então ninguém faz isso na rua, porque se a televisão disse que não pode, então é melhor ter muita vergonha disso. Agora, o vandalismo estúpido promovido por torcidas de futebol descontroladas, que aparece nos telejornais dia sim e dia também, é um atestado de encorajamento para o jovenzinho da periferia, que tem a cabeça fraca e carente de boas idéias. Graças à televisão, uma massa pavorosa de torcedores de futebol acaba torcendo para que o seu time perca, só para ter motivo de sair destruindo tudo e espancando transeuntes pelo caminho (e quem sabe aparecer na telinha!). Aproveitando esta dinâmica, pensando nos gays que precisam se esconder para namorar e fugir destas “torcidas organizadas”, eu tenho o Kit Diversidade: um lindo conjunto de grades para janelas nas cores do arco-íris com entalhe de nuvenzinhas. Um arraso!!!
Na seqüência, temos o poder público, que, ainda bem, não faz a menor menção de legalizar o uso de uma série de drogas bobas, dessas mais fracas que cigarro e álcool. Assim, acaba enriquecendo ainda mais a indústria do tráfico. Desta forma, os traficantes compram mais e mais armas e promovem disputas de território. Nas ruas, é claro! Disputas estas que só não invadem as casas das temerosas famílias, porque o meu Kit Caged Family é um sucesso de vendas! Grades que cercam toda a residência e mantém as guerrilhas urbanas lá na calçada, onde fica a terra de ninguém.
Por fim, temos a santa Igreja. Louvada seja! Que condena o uso de preservativos e combate com afinco o planejamento familiar. Promovendo o sexo culpado e desenfreado em comunidades sem estrutura e, assim, culminando no descontrolado aumento populacional. Com isso, vem a falta de oportunidade, a frustração fomentada pela publicidade (que só agracia a fatia rica da sociedade) e, tcha-na-nãããmmm!, temos uma verdadeira indústria da violência produzindo meliantes a todo vapor. Aleluia, senhor! Em homenagem à Igreja, eu vendo o Kit Amém, com grades trabalhadas em rococó perfeitas para combinar com o altar de santos de sua casa.
Pois, é, minha gente, mesmo com o mercado fervilhando de oportunidades, eu não virei uma especialista em grades decorativas da noite pro dia. Se não fosse o apoio de minha família, talvez eu nunca estivesse neste ramo. Como foram todos presos em algum momento, eu era obrigada a visitá-los na prisão. E a minha convivência com as grades começou a se tornar cada vez mais forte. Era uma questão de tempo até vir o insight!
Começou com o meu marido. Coitado... Trabalhando dia após dia na sua empresa. Batalhando o pão nosso de cada dia. E o governo despejando impostos e mais impostos. As cobranças eram tantas que chegou num ponto em que ele estava pagando pra trabalhar. Como muitos, resolveu sonegar. Até que, certo dia, a malha fina o pegou e ele foi preso. Mas eu não desisti dele. Estive com ele, mesmo ele estando atrás das grades.
Depois foi meu filho. Como todo jovem da sua idade, consome tudo o que a MTV e o canal Multishow oferecem como cultura. E hoje em dia, o que se entende por cultura, como todos sabem, nada mais é do que a glamourização da vulgaridade. O menino escutou tanto hip hop americano, mas ficou tão bitolado nesta onda, que não deu outra: começou a seguir a cartilha dos seus ídolos e passou a molestar garotas e praticar algumas contravenções. Foi preso deprendando orelhões públicos. Eu, como mãe, não podia deixar de ser solidária. E lá estavam as grades entre mim e meu filho.
Ainda teve a minha irmã, que sofreu uma overdose de expectativas sociais. Graças à Revista Nova e ao Programa Saia Justa, ela entrou numas de que tinha que ser mulher, empresária, amiga, mãe, esposa, sexualmente realizada, engajada e antenada com uma centena de assuntos que não fariam a menor diferença na vida dela. Este estilo de vida promovido pela mídia especializada acabou criando um buraco na alma da minha irmã. Uma sensação de vazio, de impotência diante de tantas expectativas cruéis e instransponíveis para uma pessoa normal. Disso para as drogas foi um pulo. Começou inocente, com água de melissa, passou para outros calmantes e antidepressivos. Acabou conhecendo um pessoal do balaco-baco, que dava umas festinhas do arromba. Numa dessas deu uma batida policial. E o resto dá pra imaginar. Lá estava eu solidarizando com a minha irmã no xadrez. Afinal, família é família.
Mas o que mais me incomodava em ter que ir na prisão, nem era a vergonha de ter um familiar preso. Afinal, o crime está mais que instituído na sociedade. Ninguém mais se surpreende com delitos. É atriz de Hollywood roubando roupas, rabino roubando gravatas. E por aí vai. O que me incomodava realmente eram aquelas grades horrorosas da prisão. Foi aí que tive a ideia de redefinir a estética das grades e reintroduzí-las no mercado enquanto conceito de proteção fashion, agregando valores de design, consumo direcionado e, claro, lucrando muito com isso.
Então, pessoal, por favor. Tenham medo. Mas muito medo! E fiquem atrás das grades com estilo! Basta me chamar!

domingo, 24 de maio de 2009

Tem gente!

- AAAAAAAAAAAAAAHHH!
- Meu deus! Calma! Por que este escândalo?
- Porque você é um homem!
- Okay, isto é fato. E?
- E eu sou uma mulher!
- Segundo fato. E?
- “E?”, “E? ”, “E? ”... E ACONTECE QUE ESTAMOS NUM BANHEIRO FEMININO!!!!!
- Eu sei.
- “Eu sei”... “Eu sei”... SEU CARA-DA-PAU! SEU TARADO! SEGURANÇA! SEGURANÇA!
- Calma, minha senhora! Deixe-me explicar, por favor. Não há necessidade de levarmos isso às últimas conseqüências.
- Como não, seu pervertido? Como você se atreve?
- Existe uma explicação.
- Então explique-se! Agora!
- A minha presença aqui é uma questão de coerência.
- Coerência?
- Sim. Pelo fato de eu ser homossexual, resolvi remodelar meus princípios éticos e morais para usufruir de um convívio social mais coerente. Em vista disso, não fazia o menor sentido eu freqüentar o ambiente do toalete masculino. Assim eu evito constrangimentos e não exponho rapazes que não pretendem dividir sua intimidade comigo.
- Hã?
- Veja bem. Eu sou homossexual. Certo?
- Hã, gay?
- Isso, mesmo: gay.
- Não me parece.
- O que está em discussão não é o que parecemos. E sim o que somos.
- M-mas isto está errado, de qualquer forma.
- Errado são os gays que camuflam sua orientação e circulam pelo banheiro masculino praticando sórdidos movimentos de voyeurismo. Eu não posso compactuar com isso. Eu tenho fortes convicções em respeitar a intimidade alheia.
- Mas, já que mencionou a intimidade alheia, e se você me pegasse, sei lá, de calcinha na mão, por exemplo.
- Mas aí não tem importância, porque eu sou gay.
- Mas eu não sou.
- E?
- E se eu te pegasse com a cueca na mão? Afinal você não me parece gay e...
- E?
- Peraí, peraí, peraí...
- O que foi?
- ENTENDI TUDO.
- Entendeu o quê?
- Isto é um golpe!
- Golpe?
- SIM! O golpe do rapaz que se faz de gay para se aproximar das mulheres em ambientes femininos e atacar quando elas estiverem mais vulneráveis!
- Me sinto obrigado a discordar....
- Nem vem, não, seu salafrário. Tarado, cara-de-pau e malandro! É isso que você é. Um heterossexual disfarçado!
- Minha senhora, eu já afirmei...
- E quem me garante? Afinal, você não tem cara de gay.
- E posso saber que cara tem um gay?
- A sua é que não é.
- E qual seria?
- Ah, você sabe.
- Se eu soubesse, não perguntava.
- Ah, você sabe. Tipo assim...
- Tipo?
- Tipo... Hã... Falando miado. Desfilando ao invés de caminhar... Estas coisas.
- A senhora tem uma visão estigmatizada. Orientação sexual não é uma fórmula. Cada uma tem a sua e por isso que se chama diversidade.
- Sei.. “estigmatizado”... “Orientação”... “Diversidade”... Falando difícil pra me tontear. Como você é baixo, seu SACANA!!!!
- Minha senhora, por favor não se exalte! Eu já disse que sou homossexual.
- Ah é? Então prova!
- Como assim provar???
- Prova, ué... Não é gay? Então prova.
- Partindo do pressuposto que eu sou homem...
- Perfeito.
-... E você é mulher...
- Continua.
- ... E que não há mais ninguém aqui neste banheiro...
- Fato.
-... Posso saber como eu vou provar que sou homossexual nestas circunstâncias???
- Tentando ganhar tempo, não é?
- Meu deus. Por que eu fui entrar aqui...
- Já sei. Eu vou tirar minha roupa. Ficar nua. Se você se excitar eu consigo desmascará-lo!
- Minha senhora, eu não acho que seja uma boa ideia.
- A-há! Recuando, então... Te peguei.
- Não é isso! É que com toda esta algazarra, a gente vai acabar chamando a atenção dos seguranças. Vai ser pior pra nós dois assim.
- Não me venha com nhe-nhe-nhé. Tira esta calça!
- Tirar a calça????
- Você está escondendo uma ereção! TIRA ESTA CALÇA AGORA! QUE EU VOU PROVAR QUE VOCÊ NÃO É GAY.
- MAS O QUE É ISSO, PELO AMOR DE DEUS, SUA LOUCA, MANTENHA A COMPOSTURA!
- VAMOS, TIRA ESTA CALÇA!
- MEU DEUS, ME LARGA! TIRA A MÃO DAÍ!
- TIRA!! TIRA TUDO, SEU SAFADO! MOSTRA QUE VOCÊ É HOMEM. ME MOSTRA AGORA, SEU... SEU...
- SOCORRO!!
- A-HÁ....
- A-há o quê???
- Eu senti!
- Sentiu o quê?
- Senti uma coisa dura! Senti que você é homem!
- Pois eu já adianto que a única coisa dura que você sentiu foi o meu celular no bolso. Pode tirar o seu cavalinho da chuva.
- Celular, é?
- Sim, celular.
- Então mostra o celular. Agora!
- Olha... Vamos parar com isso. Eu não lhe devo satisfações. Isso já foi longe demais!
- RÀ! Eu sabia. Não existe celular. Só existe a sua luxúria! O seu desejo de macho pervertido que invade banheiros femininos com esta lenga-lenga de orientação sexual só para se aproveitar de mulheres indefesas e carentes como eu.
- Olha, minha senhora... Eu acho que... Peraí. Você disse “carente”?
- Sim, seu safado! Te peguei agora! Entra aqui que eu vou lhe mostrar com quantos dedos se puxa uma descarga.
- Peraí, minha senhora. Isto é um grande mal-entendido. Peraí. Um minuto! Deixa eu explicar! Minha senhora, me larga! SOCORRO!!!!

sábado, 16 de maio de 2009

Brilho eterno de um demente sem lembranças

Agradeço a presença de todos, aqui hoje, no workshop A SOBREVIDA DA FAMA. Este encontro é patrocinado pela FOREVER STAR - Assessoria para Celebridades Ameaçadas de Rebaixamento.
Todos sabemos que vida de celebridade não é fácil, não é mesmo? Então, como se manter em evidência na mídia sem uma daquelas malditas razões que os intelectualoides julgam serem imprescindíveis? Tais como inteligência, relevante trabalho social, opinião, atitude, talento... Essas besteiras de gente que não trepa, não é mesmo? Sim, meus caros, porque vocês trepam! E muito! Afinal todos sabemos que sexo é a senha para o estrelato.
Bem, dando continuidade ao assunto, hoje em dia, com a crise suína e a gripe mundial, não está fácil brilhar por brilhar. A cada dia que passa, mais e mais celebridades surgem do nada. Você vira pra um lado e puft!!! Um reality show aqui... Vira pro outro e tchan!!!! Uma eleição de mulher-fruta ali...
Gente, assim não dá. As editoras não dão conta de colocar tanta revista de fofoca nas bancas. São hectares e mais hectares de floresta processados em papel só para nos trazer toda semana informações importantíssimas a respeito de celebridades entediadas com o seu próprio egocentrismo. E neste mercado saturado, só os melhores vão se dar bem. Melhor no quê propriamente eu não sei, porque ninguém sabe fazer nada mesmo, não é mesmo?
Mas o assunto aqui é sério. Com esse boom de estrelas instantâneas, se faz necessário ralar muito... Mas ralar MUITO o joelhinho no carpete para garantir o seu centímetro quadrado na página nove. E é por isso que vocês estão aqui hoje. Para conseguir um diferencial e economizar band-aid.
Portanto vamos logo dar as dicas preciosas de como conseguir matéria de capa destes semanários tão disputados. Então anotem, que vamos começar.
Dica número 1 - TÁTICA DA MUDANÇA DE VOLTAGEM: Não tem erro, basta anunciar que você está em NOVA FASE que logo, logo vai chover oferta de exposição na mídia. Você nem precisa mendigar ponta em novela de TV para estar em uma nova fase por assim dizer. Pode ser uma nova fase na vida, de espiritualidade, evolução pessoal ou qualquer crocodilagem do gênero. O povo adora isto, não é mesmo?
Dica número 2 – DIVULGANDO O CASAMENTO SECRETO: Sim, celebridade casando e descasando é bunda. Perdeu a graça há muito tempo. Este exibicionismo descontrolado de pessoas que casam só pra aparecer já era. A nova onda agora é o casamento secreto. Você marca o casamento e encontra um canal para fazer vazar a informação para a mídia, mas sem dar na vista que é a velha manobra de casar para aparecer. Você casa, aparece na mídia com “fotos que vazaram”, mas faz a linha “ai, não era pra aparecer”. Pega superbem! O povo ama bisbilhotar!
Dica número 3 – ONIPRESENÇA VIP: Você tem que estar em todos, mas eu disse TODOS os camarotes VIPs, seja de show de rock, de micareta, de encenação da Paixão de Cristo. Tá valendo tudo. Garanta seus contatos e lute com unhas e dente pelo seu lugar. E se tiver dois eventos no mesmo dia, vá nos dois, nem que seja pra garantir uma fotinho. O importante é registrar presença, não é mesmo?
Dica número 4 – MALTRATANDO PAPARAZZI: Os paparazzi são profissionais talhados para fomentar a bisbilhotice. Então se você estiver muito disponível, esqueça, porque será invisível para eles. Para tanto, recomendamos uma oficina de teatro para trabalhar suas expressões faciais. Assim que você avistar um fotógrafo, esboce pavor, nojo, raiva. Eles virão correndo! Para garantir que as fotos sejam registradas, faça ameaças. Qualquer tipo de ameaça! Processo, agressão física, assédio moral... Gente, a ameaça é o fator crucial para que sua foto caia na mesa de um editor de revista de fofoca. Tiro e queda! Publicidade garantida.
Pois então, meus queridos, se nenhuma destas dicas funcionar, sempre resta as manobras desesperadas: beijo lésbico (o gay a TV ainda não liberou), rasgar foto do papa, fazer um pornô evangélico ou desmaiar de coma alcoólico em premiação televisiva. Mas o problema é que manobra desesperada estigmatiza. Se bem que está tudo certo, pois o importante é ser sempre lembrado, não é mesmo? Mais uma vez agradecemos a presença. Até a próxima!

sábado, 28 de março de 2009

Manobras radicais

Sabe qual é a vantagem de ser um fundamentalista? Ninguém contesta o terreno pantanoso da fé. Em nome de Deus, pode-se fazer qualquer coisa que nada acontece. Até olham meio de cara feia. Mas atacar divindades é um tabu que só os corajosamente burros demais fazem.
Por isso, religião é o maior barato! Podemos cometer barbaridades mortais em nome de uma abstração superior institucionalizada. A lei é clara: pior que matar em nome de um deus é blasfemá-lo! Sendo assim, viva o fundamentalismo religioso! Por isso eu sou radical. E sou livre.
Ah, mas não pensem vocês que sou um desses muçulmanos ortodoxos, ou japoneses kamikases, tampouco estes radicais cristãos que estão comendo o Brasil pelas beiradas. Como radical livre, eu sou apenas um extremista que tem o corpo deste escritor como base de atuação. E olhando dentro deste cara... Misericórdia!!! Vou fazer de tudo para ele perecer diante do fogo divino. Nem que eu tenha que destruir célula por célula! E ajuda não vai me faltar para tanto. Cada tragada de oxigênio que esta carcaça pecadora inala, mais e mais companheiros radicais vão surgindo nesta luta pela ordem moral. É o sopro de Deus trazendo mais fiéis à causa!
E trabalharemos com a certeza de que este corpo, este antro de luxúria e devassidão, deve cair. Nem que para isso nós nos sacrifiquemos nesta missão.
Deus nos deu o poder de combinar moléculas para destruir e envelhecer células, tecidos e órgãos e não vou me abster de cumprir o meu papel no contexto geral. Tudo pela palavra!
Vocês não tem noção do que este autor de crônicas faz em seu interior. A começar pelas fronteiras com o ambiente externo. Olhos que captam material indecente... Ouvidos que escutam músicas malditas... Nariz, língua e pele mancomunados em experiências de obscenidade que eu não teria coragem de descrever aqui... Tudo para causar sensações vergonhosas que deveriam ser obliteradas!
Pode demorar um pouco, mas, com a ajuda de meus companheiros radicais, este corpo vai ficar surdo, cego e perder todos os outros sentidos!
Só que estamos falando de peixe pequeno. Todas estas informações estrangeiras são trazidas, porque o grandão que está por cima, o cérebro, curte uns “baratos”.
Aquela orgia de sinapses elétricas sempre correndo atrás de uma fuga da realidade, nunca satisfeito em apenas coordenar as funções motoras. Sempre conspirando, confabulando, criando possibilidades que são antinaturais. Nossa campanha vai bombardear aquela enfadonha massa cinzenta com a implacável senilidade que ela merece! Só a palavra salva!
O coração, então nem se fala. Aquele hiperativo que adora criar uma agitação geral. Muito emocional, difícil de doutrinar. Ainda mais este aqui, que o dono é chegado em fortes emoções. Nunca saberá seguir os preceitos da obediência total ao divino, como é o irrevogavelmente certo. Nossos seguidores radicais já estão trabalhando numa bela insuficiência cardíaca que poderá mostrar resultados promissores em alguns anos. Vamos derrubar este herege! Pela palavra!
Desagradável mesmo é ter que falar das vísceras. O que este cara coloca pra dentro não está no gibi. Ou no cardápio, sei lá. A acidez do estômago é tanta que se espalha pelo resto do corpo. Este tipo de humor não é tolerável pela congregação. Estamos trabalhando numa úlcera que irá dizimar este receptáculo azedo de uma vez por todas. Isso sem falar no que sobra para os intestinos. Aquela fábrica de gases e dejetos que só tem por missão poluir o ambiente. Não há certificado de qualidade que resista! Quando terminarmos com o nosso levante, este aparelho digestivo do inferno vai conseguir processar só um mingau de aveia. E olhe lá.
E mesmo quem parece um santinho, que fica na sua, tem culpa no cartório. O esqueleto, por exemplo. Tão na dele, escondidinho... Não gosta de chamar a atenção. Pois ele tem responsabilidade por tudo o que acontece, sim! É ele que sustenta toda esta esbórnia e fica impassível a tudo o que acontece. Ele terá que responder por sua submissão diante de tantos horrores. E a osteoporose vai ser a nossa resposta!
Sem falar dos músculos, que só se importam com vaidade. Este rapaz, que se diz culto, não perde a oportunidade de frequentar academia para deixar tudo tinindo, transformando o corpo numa vitrine para o turismo sexual. Como se o corpo já não tivesse a moral flácida o suficiente. E é justamente a flacidez muscular que virá como resposta dos céus!
Por falar em sexo, tem aquele apêndice desossado lá embaixo, que este pretenso cronista insiste em manipular. É o movimento mais ultrajante de todos os casos de excesso contra o bom comportamento biológico que podemos anotar desde então. Isto sim merece todas as censuras possíveis e imagináveis. Nós, os radicais livres, não descansaremos enquanto não deflagrarmos a incontinência urinária, a impotência e toda a sorte de castigos que um totem da malícia arcana merece receber. Viva a palavra!
Sim, é com orgulho que digo: sou um radical livre. Livre de qualquer punição, porque tenho a verdadeira moral divina ao meu lado. E é com orgulho que constato que ninguém mais além de mim tem seus excessos livre de qualquer restrição. Só o fundamentalismo tem o aval da sociedade. E graças a ela, posso afirmar que é um privilégio depredar a vida em nome da palavra. Não descansarei enquanto não levar todo este corpo errante para um banquete de vermes, sete palmos abaixo do chão, onde prestará contas com o Grande Criador. Este é o destino que ele merece. E não há força que possa impedir um ato pela fé. Que a palavra esteja com todos. Amém.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O chamado da natureza

- Uau! Nem acredito que finalmente cheguei aqui!
- É, nosso acesso é bem complicado. Faz parte da proposta do lugar. Deixa mais reservado, longe dos olhares curiosos. Mas seja bem-vindo à Biboca do Sacocu.
- Sempre tive a maior curiosidade de conhecer esta praia. Adoro praticar naturismo, e a Biboca é sempre tão comentada nos fóruns de Internet.
- Espero que aprecie sua estada. Meu nome é Virgínia e sou a superintendente de assuntos administrativos do clube de naturismo de Biboca do Sacocu. Como já foi informado, aqui nós praticamos o naturismo ortodoxo profetizado pelo evolucionista eslavo-saxão Ely Andrews. O senhor conhece a teoria deste intrigante pensador?
- Hã, li por cima, na verdade.
- Bem, então podemos começar. Me passe suas roupas que guardarei num armário da sede.
- Okay, aqui está. Até mais, vou curtir uma praia.
- Ei, calma lá.
- O que foi?
- Me passe tudo. Inclusive as sandálias, o óculos escuros e o boné.
- Mas a areia é quente e o sol está a pino. Preciso me proteger.
- Caro senhor, devo lembrá-lo que Biboca do Sacocu tem como rígida filosofia em seguir os preceitos do naturismo ortodoxo ditados pelo evolucionista eslavo-saxão Ely Andrews.
- E?
- E isso quer dizer que o naturismo aqui é, de fato, seguir as leis da natureza. Você conhece algum tamanduá que usa óculos escuros?
- Hmmm, não.
- E alguma capivara de Havaianas, o senhor já viu?
- Não, dona Virgínia.
- Então vai passando tudo.
- Bem, pelo menos um filtro solar eu devo passar, né. Sabe como é, sol forte... Buraco na camada de ozônio...
- Esqueça. O naturismo ortodoxo de...
- Tá, eu sei, eu sei. Do escravo saxão...
- Pois então. Conhece algum orangotango que fez propaganda da Coppertone mostrando a bundinha branca enquanto um cachorro puxava a sua tanguinha?
- Não, Dona Virgínia.
- Tente entender que, se você ficar usufruindo destes artifícios e acessórios, não vai estar fazendo nada mais que um nudismozinho leviano. Desses que usam erroneamente o termo naturismo com a finalidade distorcida de exibir a genitália. Em Biboca do Sacocu não funciona assim. Naturismo é natureza. Aqui você é um animal despido de qualquer traço de opressão criado pelos efeitos colaterais da civilização.
- Tudo bem, eu entendo... É, está certo.
- Tenho certeza de que será uma jornada de auto-conhecimento estimulante.
- É, tem razão. Vai ser uma experiência diferente. Mas então, bateu uma sede. Onde tem um bar?
- Bar?
- É. Pra pegar uma cervejinha esperta.
- Se você tem sede, terá que se embrenhar naquela mata e saciá-la numa nascente ao pé da colina.
- Mas como? E se eu não achar? Eu estou com sede agora!
- O senhor já viu algum hipopótamo fazendo happy hour com os amigos?
- N-não, mas...
- Então, siga seus instintos. Se sentir fome, a mata conta com pequenos roedores, lagartos e insetos. Se der sorte, encontra umas bananas.
- Hã... Bem... Acho que não estou com fome no momento.
- E tem mais uma coisa sobre o naturismo ortodoxo profetizado pelo evolucionista eslavo-saxão Ely Andrews.
- E o que seria?
- O sexo livre.
- Sexo livre????
- Sim, o chamado da natureza. O instinto de preservação. Ou o senhor já viu um casal de tigres discutindo relação?
- Hã....
- Já viu um casal de coelhos fazendo planejamento familiar?
- Hã....
- Já viu um Cocker Spaniel fazer voto de castidade?
- Bem... Não....
- Então... CALE ESSA BOCA E ME POSSUA!
- Dona Virgíniaaaaaaa!!!!!!......

sábado, 17 de janeiro de 2009

A vida é uma droga

Este é o primeiro comunicado oficial da FARPA à população geral. Eu, como representante maior da FARPA (Facção Responsável pela Restituição do Asseio), comunico que tomamos o poder do país em prol do bom comportamento moral que alicerçará a nova sociedade. Boicotamos o Exército, fizemos o Legislativo correr atrás do próprio rabo, chantageamos o Judiciário e chutamos o traseiro daquele presidente bunda-mole que não serve pra coisa nenhuma. Estamos no poder e temos uma missão urgente: acabar com os dependentes químicos.
Não. Não queremos acabar com as drogas. Não podemos condenar seres inanimados, seja pedra ou seja pó, por qualquer ação. Os motivos são óbvios. Só um imbecil acusaria algo sem vida por disseminar os males da humanidade. Vamos cortar o mal pela raiz mesmo e acabar com os dependentes químicos.
E será de forma radical. Já fuzilamos todos os maconheiros que existem. E qualquer um que escute reggae já foi junto. Só por garantia. E os usuários de cocaína, heroína e ecstasy pensaram que estavam de fora? Só por serem mais elitizados e tal... Pois eu garanto que eles já foram todos mandados para a fábrica de sabão neste momento.
Vamos matar todos.
E como nossa missão pretende esterilizar a sociedade deste comportamento de depender de alguma substância, não daremos arrego a ninguém. Se colocou algo químico no corpo, seja só pra sentir uma sensaçãozinha boba, e, por conta disso, prejudicar a saúde física e mental, não tem erro.
Vamos matar todos.
Os fumantes podem dar a sua última tragada. Não adiantou as autoridades sanitárias advertirem sobre os malefícios do cigarro. Os potrinhos do mundo de Marlboro insistem em passar adiante esta bituca de câncer pela população. Não precisamos deste mau exemplo na nova sociedade que estamos formando.
Vamos matar todos.
E os alcoólatras? Este veneno sedutor que encharca a cultura nacional está com os dias contados. E não adianta lei seca, não. Já estamos queimando todos os bares, alambiques e plantações de cana do país. Não seremos condescendentes com os bêbados.
Vamos matar todos.
E não é só a canabis e a cana que são as plantas do mal, não. Tem o café também. Sim, a cafeína vicia e já foram comprovados cientificamente os seus malefícios. Este lobo em pele de cordeiro está deixando um rastro de gastrite e taquicardia nos usuários compulsivos de café, chocolate e Coca-Cola.
Vamos matar todos.
E isto serve pra taurina também. Se Red Bull te dá asas é melhor voar, porque seremos implacáveis na perseguição.
Vamos matar todos.
E a gordura trans, então? Enforcamos todos os gerentes de McDonalds que tanto molestaram as minhocas para fazerem hambúrgueres recheados de gordura. As pessoas se viciaram em batata frita apenas para alastrar o mal do colesterol e do ataque cardíaco nesta sociedade esturricada. Glutões, gulosos e quem tem olho-grande, preparem-se:
Vamos matar todos.
Nossa cruzada não fará vista grossa para nada! Será tão refinada quanto o maldito açúcar. Sim, porque as bombas de sacarose com os quais os adictos se entopem não contribuem em nada para a saúde e ainda por cima provocam diabetes, disfunções alimentares e causam sim, dependência. Não adianta vir com a desculpa esfarrapada de que é criança. Aliás, tem bala pra todo mundo.
Vamos matar todos.
Por fim, temos ainda o oxigênio. Sim, este vil gás que as pessoas inalam constantemente, alegando não conseguir viver sem. Pois estudos confirmam que o oxigênio é responsável pala oxidação das células, do aumento de radicais livres e, por fim, é o principal responsável pelo envelhecimento do corpo humano. Respirar é condenar o corpo. Sendo assim, vamos matar todos os usuários de oxigênio. E como eu sou um homem de princípios rígidos, tanto que eu fui eleito representante maior da FARPA, não posso receber tratamento especial. Não admito concessões. Confesso que sou usuário de oxigênio e não consigo largar. Então, para servir de exemplo, pegarei esta arma e me matarei. Tudo pelo bom comportamento moral da nova sociedade.
BANG!!!!!

domingo, 4 de janeiro de 2009

Buquê de pererecas

(Postado originalmente em 01/12/2008)

Ninguém me escuta! As flores devem ser censuradas imediatamente! Todos ficam inebriados pela sua aparente beleza e perfume, utilizando-as como recurso em momentos de carinho, afeto e romantismo. É tudo um grande engodo!
Vocês esqueceram para que servem as flores? Acham que é para enfeitar a casa? Presentear mãe, namorada, esposa? Céus! Quanta ingenuidade! Acordem para a realidade agora! Tentaram lhes dizer isso na sexta série, só que vocês não deram ouvidos! E agora estão todos presos numa rede de intrigas tramada pela natureza!
Pessoal, as flores são órgãos sexuais!!! São os pênis e as vaginas das plantas! Pinto e perereca, bilau e perseguida, cobra e aranha! Não tem muita diferença das nossas vergonhas, não. E tudo exposto a olho nu, na maior cara-de-pau!
As plantas precisam procriar e, como instinto de sobrevivência não é assunto de mesa redonda, a natureza cria mecanismos diabólicos de desejo, sedução e luxúria. Vocês conhecem bem esta história. Por isso, claro, que sexo é um perigo muito mais mortal para humanidade do que a violência, com o qual somos plenamente permissivos.
Gente, o que são aquelas cores? E aqueles perfumes? Cada pérfida pétala se oferecendo ao encontro carnal (quero dizer, vegetal). É pura sacanagem das angiospermas! E tudo na nossa cara! As plantas querem enfiar o seu androceu no gineceu da colega. Este troca-troca de pólen é uma orgia desvairada. E as desqualificadas ainda posam de sonsas. Alegam que é tudo ao sabor do vento, vejam só. Isso quando não tem uma abelha ou beija-flor cutucando as partes num vai-e-vem frenético. Isso só pode terminar em gametogênese mesmo. Um horror.
Vejo crianças com menos de seis anos andando com flores nas mãos! Entende a gravidade do absurdo? Onde estão as autoridades competentes para investigar estes casos de atentado violento ao puder com menores? Que pais são estes que não cuidam de seus filhos de forma adequada, dentro dos moldes da moral e da religião?
E por falar em religião, faça-me o favor, né. O que são as igrejas, capelas e sinagogas? Não são os redutos da castidade? Mas que, para celebrar casamentos, ficam recheadas de piroquinhas e bucetinhas, em arranjos coloridos que impregnam o altar de devassidão.
E as moças direitas, eu espero sinceramente que descartem o pretendente que chegar com um buquê de presente. Se alguém lhe oferecer flores, isto é IMPULSIVIDADE!
Os boêmios, que não são flores que se cheirem (aliás, nenhuma é) dizem que as rosas não falam. Ainda bem! Por que se falassem, ia ser a maior pornografia!
Portanto, aqui fica o meu recado: fiquem longe das floriculturas. Não passam de sex-shops que, de forma velada, pretendem promover o sexo entre as pessoas.
Sexo! Sexo! SEXO!!!!!!!!!
As flores são sexo! Sexo que invade nossos jardins, nossa casa. Que esfregam na nossa cara! É por isso que a humanidade não vai pra frente! Eu, sinceramente, acho que a existência das flores é coisa do capeta.
Deixo aqui meu último apelo: vão assistir ao Jornal Nacional, onde dificilmente aparecerão flores. Quando muito uma guerrinha boba do outro lado do mundo. Afinal, sangue é sangue. Nada demais. Só uma coisinha vermelha que corre nas nossas veias pra nos manter vivos. Mas flores, cuidado! Elas podem te conduzir para o inferno. Se quiserem ter contato com o mundo vegetal, só se for grama e samambaia.

Macacões me mordam

(Postado originalmente em 16/11/2008)

- Oi, em que posso ajudá-lo?
- Só estou dando uma olhada.
- Okay, fique à vontade.
- Obrigado.
- Olha, temos estas camisetas customizadas que são o último o grito.
- Desculpe, mas eu disse que estava só dando uma olhada.
- Claro, fique à vontade. Qualquer coisa é só chamar.
- Mais uma vez, obrigado.
- Não está precisando de uma underwear? Meias, carteira, bolsa, mochila... Olha esta mochila. É lindissíma! Eu acho ela maravilhosa!
- Então, enquanto você compra ela para você mesmo, eu continuo dando uma olhada.
- Eh eh eh, você é espirituoso.
- E você é um espírito... que me assombra.
- Ai, que barato! Adoro gente engraçada.
- Posso continuar dando uma olhada?
- Claro! Aqui temos umas ofertas superespeciais da liquidação da estação passada. Qual o seu número? Vou lá buscar para você experimentar.
- Co-como? Eu não escolhi nada para experimentar.
- Ai, que indecisão. Mas não se preocupe. Eu estou aqui para ajudar você. O que você prefere? Esta camiseta tabaco-hortelã ou esta regata blueberry-cítrico?
- Olha, com licença, mas eu vou embora desta loja. Não estou gostando deste assédio. Você está passando dos limites para garantir a sua comissão.
- Calma, calma. Sente-se aqui. Quer um café? Uma água, refrigerante, suco? Escolher uma roupa nova é um passo muito importante. Eu percebo o seu nervosismo.
- E-eu não estou nervoso, okay?
- Relaxa! Eu entendo o que você está passando.
- En-entende?
- Claro! Olha... Quando você entrou por aquela porta, eu li os sinais.
- Sinais?
- Sim, você tem uma vontade. Um desejo. Que está escondido lá dentro de você.
- Lá dentro?
- Sim, sim, claro. Não tenha medo. Liberte este desejo. Fale de seus anseios. Coloque pra fora!
- Na verdade, eu...
- Sim, continue. Vamos lá, você consegue.
- Eu queria....
- Só mais um pouco, vamos lá.
- Eu sempre quis ter um macacão.
- Ma-macacão???
- É... Um macacão jeans. Básico, para usar com camisetas.
- Olha, eu não vou estar tendo, viu. Mas temos estas calças skinny maravilhosas. O último grito.
- Não preciso de calça. Quero um macacão.
- Qual o seu número? 40, 42? Você vai vestir bem uma skinny! Tem um corpo legal!
- Agora chega, viu! Você me pentelhou o tempo todo que entrei na loja, testou os limites da minha paciência, tomou o meu precioso tempo, me fez confessar desejos impronunciáveis inadequados a uma loja metida à besta como esta e, por fim, resolve promover em mim uma lavagem cerebral! Eu não quero calça skinny! Não quero camiseta beterraba-com-jiló! Não quero alargadores de lóbulos de orelha! Não quero o perfume da Paris Hilton! Não quero o remix da Rihanna! Não quero o número 1 com coca e fritas média! Afinal, você tem a porra do macacão?
- Hããã... Não.
- Então passar bem. Esta loja não é o meu número.

O suplício da jaca

(Postado originalmente em 03/11/2008)

Querido diário,
sábado eu enfiei o pé na jaca repetida e contundentemente que a coitada ficou irreconhecível para o exame de corpo e delito. Eu estava feliz e precisava extravasar esta emoção. Não deu outra! Caí na noite e fui dançar numa boate gls badalada, pois era o ambiente ideal para comemorar a nova fase de minha vida. Todo mundo sabe que, teoricamente, é o lugar mais divertido na noite da cidade grande. Drag queens, house music, luzes coloridas e muita alegria!
Chegando lá decidi ultrapassar todos os limites do bom senso: no total foram TRÊS LATINHAS de Smirnoff Ice. Nossa, fiquei muito louco! Dancei a noite toda! Cantava junto com as músicas. O que gerou um certo clima, pois o público habitué ficava me olhando de canto de olho como se eu fosse a coisa mais alienígena da face da Terra. A teoria de que boate gay é um ambiente libertário caiu por terra naquele momento. Puxa, quando esta gente desaprendeu a se divertir? Será que vão se entregar assim tão fácil à diretriz evolutiva de que seremos todos esguios, albinos, sem pêlos, com uma cabeçona enorme e, o pior de tudo, sem emoções? Bem, Darwin que me desculpe, mas eu estava mesmo disposto a curtir à moda antiga.
A festa rolou sem maiores surpresas... Pra mim, né, porque para o resto do povo eu fui a surpresa! Mas, como arroubo de espontaneidade não é crime, eles que fiquem no seu canto, chocados, enquanto eu me divirto.
Depois de esvaziar a terceira latinha do drink, eu precisava ir urgente no banheiro esvaziar também outra coisa. Só que foi um momento de pânico: a fila era enorme e modorrenta. E nem todo mundo foi ali para fazer número um ou dois. É o tal do número três: três pessoas entram juntas no reservado para fazer experiências lisérgicas. Olha, nada contra, viu, mas sejam mais rápidos nesta brincadeira. As bexigas alheias não são muito compreensivas e pacientes. Sinceramente, eu sou a favor da descriminalização do número três só para poder desenterditar banheiro de boate. É um horror ficar apertado esperando terminar festinha particular no reservado!
Bom, depois de resolver a questão fisiológica, resolvi circular no ambiente para ver se achava algum amigo. Não tinha. Ou, se tivesse, ele provavelmente preferiu se omitir diante do meu estado, digamos, surpreendente. De qualquer forma, acredito não ter cometido nenhuma grosseria. Sou do tipo bêbado lúcido, e não amnésico.
E nesta volta que eu dei, me deparei com algumas situações comuns de casa noturna de público alternativo. O que me provocou alguns questionamentos. Por exemplo: namorada de DJ que fica grudada na canela do cara e olhando pro povo na pista como se fosse uma praga de gafanhotos querendo abocanhar a sua espiga de milho. Ah, por favor, é até compreensível que o DJ, por ser a estrela da noite, receba cantadas. Mas se você não confia no rapaz com quem se relaciona, nem perca suas noites de sono (literalmente) fazendo cara feia para quem não quer vê-la. Vá procurar, então, um cantor de churrascaria para namorar (a não ser que velhinhas de cabelo lilás também representem um perigo em potencial). Outra coisa é a tal da dark room, a sala com zero de iluminação onde tudo pode acontecer. Mas eu me pergunto: por que os adeptos do sexo casual só conseguem praticar sua libertinagem no breu total? O que aconteceu com os idos tempos do Studio 54, onde Bianca Jagger entrava na pista nua montada num cavalo branco?
É estranho que os homossexuais, hippies e outros lunáticos tenham lutado tanto pela expressão do amor livre apenas para repetir alguns comportamentos viciosos da cultura judaico-cristã como culpa, vergonha, cinismo e soberba. O famoso carão. A obsessão com a estética apático-chic é tanta que conseguiram vingar o modismo absurdo de usar óculos de sol em plena madrugada. Como se a boate não fosse um lugar escuro o suficiente. Não sei como Herchcovitch ainda não lançou uma linha de bengalas para esta gente.
Mas enfim, deixa eles, desfilando impassíveis com a suas calças Diesel falsificadas, que a minha diversão é legítima. Voltei para casa quando já estava amanhecendo. Feliz por me permitir curtir cada momento da noite e já imaginando a ressaca de mais tarde quando acordasse. Já me prometendo não beber TANTO da próxima vez.

Taxidermia sexual

(Postado originalmente em 26/10/2008)

A mídia é mesmo uma fanfarrona. Dá um banho de intelectualidade em bobagens desmedidas e fomentam uma cultura inútil que presta um senhor desserviço à evolução da humanidade. É o caso do fenômeno da metrossexualidade.
Afinal, que raios é um metrossexual? Uma pessoa com fetiche de transar no metrô? Alguém que faz coisas impensáveis com uma trena?
Nada disso. Trocando em miúdos, o metrossexual é só um tipinho fresco que se destaca por uma série de firulas comportamentais cosmopolitas. Nenhuma delas, diga-se de passagem, relacionadas a sexo. Logo, concluo que se trata um imbecil o indivíduo que criou esta alcunha. E mais fatalmente imbecil ainda a mídia que sustenta a idéia, cristalizando, assim, uma série de valores descartáveis e inconvenientes. Se é para falar de comportamento afeminado na sociedade, então deveria se chamar metrossocial, ginomimético, sei lá, qualquer coisas que não tivesse a conotação sexual no seu conceito, pois, justo, não é o ato sexual que o classifica.
Mas a mídia está lá espreitando. Pois as práticas rotineiras do metrossexual-que-não-faz-sexo só podem estar ligadas à sua vida sexual, deduzem. Logo, a torcida quer ver ele sair do armário. E a sede de sangue cor-de-rosa da sociedade não dá trégua.
Esta perseguição homofóbica ao metrossexual-que-não-faz-sexo é apenas o reflexo de um problema cultural muito mais antigo e arraigado da civilização: a misoginia.
A homofobia, o fantasma do momento, é só uma máscara para esconder o desprezo milenar que a sociedade tem pela figura da mulher. Se não fosse isso, o metrossexual poderia viver sossegado pintando as unhas, depilando a virilha e passando protetor labial para lábios sensíveis. Não importa se ele transa mulher. Ele entrou para o achincalhado time dos gays que mimetizam as condenáveis práticas femininas e coloca em risco o seu status superior como homem.
A homofobia é só a ponta do iceberg. Quase que um mero sintoma do problema real. Do contrário, por que tantas bichas desesperadas lutam diariamente no chat para provar umas às outras que são machos além de qualquer afetação? Sim, chat gay é o maior exercicío de (auto)enganação da história da internet. Só vai ser bom se é para trepar com um legítimo exemplar de macho-alfa.
E mais: a aceitação da homossexualidade, como modelo de comportamento aceitável, só funciona se os viadinhos em questão se comportarem como bons moços com H maiúsculo. Porque os travestis, que exteriorizam o feminino, continuam, via de regra, na marginalidade se prostituindo. E drag queen não conta, porque o contexto é praticamente teatral, fugindo da cerne da questão.O problema definitivamente não é de orientação sexual. Dane-se com quem você dorme, contanto que você represente o papel certo. E isso deveria ser muito bem repensado antes de dar continuidade à discussão da tal diversidade. E vamos deixar o rapaz tirar a cutícula em paz sem carimbar um senhor rótulo idiota de metro-que-o-pariu? A tal da sociedade contemporânea agradece.

O avesso do armário

(Postado originalmente em 20/08/2008)

- Mamãe...
- Fala, meu filhote.
- Tenho algo para lhe dizer...
- Diga, minha fofura.
- É possível que a senhora não goste.
- Nada, minha paixão. Mamãe é aberta, sem preconceitos. Desabafe comigo. O que aflige você?
- Mamãe... Acho que sou HÉTERO!
- O QUÊ???????
- Pronto: falei. Acho que é isso mesmo, mamãe.
- Eu não acredito no que estou ouvindo! Não... não pode ser.
- Eu sabia que a senhora ia se desapontar.
- Onde foi que eu errei, meu filho? Criei você sozinha, sem a vil figura masculina de seu pai. Tentei lhe dar uma boa educação. Bonequinhas articuladas, caixa de lápis de cor de 36 cores, disco dos Menudos. E do que adiantou? Olha o que você me diz!
- Mãe, eu queria ser um orgulho para você, mas...
- “MÃE”? O que aconteceu com “mamãe”? No que você está se transformando? Onde foi parar a sua sensibilidade, meu filhote?
- Eu conheci a Fabiana numa festa e...
- “Fabiana”? Por favor, me diga que é nome de guerra de alguma drag queen. E os seus amiguinhos? O que aconteceu com os seus amiguinhos?
- Os meus amigos são só os meus amigos. Não rola nada. E a Fabi não é drag. É menina mesmo.
- Chega! Não me fale mais nada. Não quero saber desta uma que está desencaminhando você. Esta marginal que quer transformar meu filhote num ridículo... MACHO-ALFA.
- Não é ridículo ser feliz!
- Meu filho, eu não estou agüentando tudo isso! Você tem noção do que está me dizendo? Nós moramos no coração alternativo da cidade de São Paulo. A duas quadras do SHOPPING FREI CANECA. Você nunca ouviu falar em inclusão social? Eu depositei todas as minhas esperanças de vanguarda em você. Para poder me sentir atuante na comunidade! E agora? O que os meus amigos vão pensar disso? O que a vizinhança vai dizer quando vir você de mãos dadas com esta umazinha?
- Mãe, se liga. “Esta umazinha” tem nome. E é Fabiana.
- Chega! Chega! Eu não quero ouvir!
- Eu estou apaixonado pela Fabiana, mãezinha!
- Eu não estou ouvindo. Eu não estou ouvindo. Eu não estou ouvindo.
- Olha só. Eu vou pegar estrada com a Fabi. Nós vamos passar o final de semana na praia.
- Praia? Com esta menina?
- Ah, agora você está ouvindo....
- Ai, meu filho... É falta de atenção, né? Diz, filhote, o que você quer? Diz que a mamãe consegue. É um jeans da Doc Dog? É uma camiseta Cavalera? É um frappuccino de chá verde da Starbucks? Agenda Hello Kitty?
- Mamãe...
- A Madonna vem ao Brasil no final do ano! Isso!!! Como não me dei conta? Vamos agora reservar o seu ingresso VIP. Você sempre gostou de Madonna.
- Eu não gosto de Madonna. Eu gosto de Raimundos.
- Meu Deus... Cada palavra é uma pontada de desgosto. Eu devo ter sido uma pessoa muito ruim pra merecer uma coisa dessas. O que vem depois? Carros? Futebol?
- Mãe, larga de mão, okay? Você está condicionada demais. Ninguém aqui do bairro vai se importar se eu for hétero. Afinal o termo vigente não é “diversidade”? Que diversidade é essa que não aceita os diversos aspectos da afetividade humana?
- Ai, filhote...
- Não chora , sua tonta. Eu só quero ser feliz. Do jeito que eu sou. O que eu faço entre quatro paredes com uma garota é problema meu e dela.
- Você já...
- Já.
- OOOHHH, meu Deus...
- E quer saber? Foi muito bom. E tem mais. Vou largar esta faculdade de moda da Santa Marcelinha e tentar o vestibular de engenharia mecânica na USP.
- Se você fizer uma coisa dessas... ESQUEÇA QUE TEM MÃE, OUVIU?
- Hmmmm, okay. Nos falamos, senhora que desconheço. Tchau!
- Meu filhote, onde você vai?
- Vou fazer uma coisa muito vergonhosa! Encher a senhora de netos. Fui!

A lei do maior esforço

(Postado originalmente em 13/08/2008)

Vou falar de um personagem muito recorrente em qualquer ambiente de trabalho. Toda equipe profissional conta com, pelo menos, um exemplar deste tipinho traiçoeiro. Isso quando não são vários. Aí, só sacrificando o prédio da empresa com uma bomba nuclear de efeito moral. Estou falando do ESFORÇADO. Quem nunca chegou para trabalhar num lugar e ouviu, naquele primeiro período de apresentações, que ”Fulano é esforçado” ou “Beltrana é esforçada”? Pois vamos acabar com esta palhaçada agora, porque aqui instituo que ESFORÇADO É APENAS UM INCOMPETENTE VAIDOSO.
Dou início então, com esta assertiva, à minha campanha vitalícia MANDE UM COITADO PRO INFERNO. Mas, por favor, se aderir à campanha, use o bom senso. Estou falando daquele tipo de coitado que na verdade não passa de um falso humilde. Do incompetente vaidoso que tem por única finalidade mostrar que é... ESFORÇADO.
A minha revolta em relação ao tipo ESFORÇADO tem a ver com a dinâmica de trabalho que ele geralmente apresenta. O incompetente vaidoso se veste da segurança moral que é ser um ESFORÇADO para atravancar a pró-atividade necessária no ambiente profissional. No fim das contas, ele mais atrapalha do que ajuda. Mas segue atuante no cargo (às vezes empata por anos) porque, afinal, coitadinho, ele é ESFORÇADO.
No quadro de funcionários, um colega é lembrado por ESFORÇADO quando não pode ser lembrado por mais nada. Por mais que sua postura pessoal apresente um pragmatismo digno de nota, a sua interferência no processo de trabalho é de zero a negativa. Seu único mérito é a política de manipulação em relacionamentos, driblando assim o foco da sua falta de eficiência. Aliás, o EFICIENTE é o inimigo natural do ESFORÇADO no ambiente de trabalho. Muitas vezes, em uma empresa tomada por uma horda de ESFORÇADOS, quando chega um novo colega EFICIENTE, já começa um motim velado para derrubá-lo do seu status de eficiência. E, levando em consideração a Lei Esforçada da Física, que diz que “todo corpo que não pode subir remete proporcionalmente a um corpo que deve descer”, é então que o ESFORÇADO mostra suas aptidões:
- Deslocamento de Tapeçaria: puxar tapete é com o ESFORÇADO mesmo. As técnicas são variadas e podem ir numa escala de sutileza (como omissão “involuntária” de dados importantes para a atuação do EFICIENTE) até às mais drásticas (como formatação “involuntária” do computador do EFICIENTE com todos os seus projetos dentro).
- Combustão de Negativos: queimar filme é tarefa fácil para um ESFORÇADO. Basta ver a questão de erros. Se o ESFORÇADO erra, o faz porque é humano e vamos mudar de assunto porque tem trabalho a ser feito. Mas se o EFICIENTE erra... Você pode ter certeza que um ESFORÇADO vai estar por perto para notificar, registrar o erro e divulgar de forma mais exagerada e distorcida possível. Tudo para que o filme do EFICIENTE seja queimado com a diretoria. Ver o circo pegar fogo é o grande objetivo do ESFORÇADO.
- Veia Teatral: o ESFORÇADO vai do riso ao choro sem a menor dificuldade. Depende quem cruza o seu caminho. Qualquer cena é possível para manter o seu status quo de incompetente vaidoso operante. Mas diante do EFICIENTE, o seu semblante é sempre o mesmo: sorriso cínico e olhar de desprezo, no seu melhor papel de amigo fleumático. Até o EFICIENTE se dar conta, pode ser tarde demais.
Diante de tanto ardil, o EFICIENTE muitas vezes se sente compelido a denunciar tamanhos excessos na diretoria. E o que parece uma manobra eficiente, muitas vezes não surte o menor efeito. Porque o ESFORÇADO não conquistou a sua posição à toa. Ele está ali porque é filho do melhor amigo do presidente da empresa. Ou tem forte apelo sexual com pessoas influentes. Ou detém informações que podem ser usadas como chantagem. Enfim... Depois de tudo, a diretoria, para colocar panos quentes, convoca uma reunião a fim de concluir que qualquer constrangimento ocorrido não passou de um grande mal-entendido. E vamos trabalhar, pois os prazos estão estourados. Para finalizar com chave de ouro, a diretoria ainda sugere uma confraternização simbólica. É o verdadeiro ritual de humilhação: os EFICIENTES precisam apertar a mão dos ESFORÇADOS, que mostram em seu semblante o doce sabor da vitória naquela batalha de influências.
Por isso, eu convoco todos os EFICIENTES a aderirem a esta campanha. MANDE UM COITADO PRO INFERNO. As pessoas até não vão entender, a curto prazo, o porquê de sua atitude tão violenta com um pobre ESFORÇADO. Mas as gerações futuras com certeza vão agradecer você por ter ajudado a construir um mundo melhor. E quem sabe até façam uma estátua em sua homenagem ou lhe confiram o nome de uma rua. Talvez até lhe comemorem um feriado. Mas isso seria injusto, pois o feriado é o DIA OFICIAL DO ESFORÇADO.

Nacos de sabedoria

(Postado originalmente em 14/07/2008)

- Que foi?
- Que foi o quê?
- Por que está com esta cara?
- Talvez porque eu tenha nascido com ela.
- Uia! Que cavalice, eu hein?
- Não enche. Se você soubesse o quanto é chato quando estamos de bode, na fossa, afogados no oceano do tédio e vem alguém chapado até os ossos de otimismo inabalável para lançar a escrota pergunta-clichê "por que está com esta cara", não teria dito.
- Não está mais aqui quem falou.
- Infelizmente está.
- Quer que eu vá embora?
- Deixa eu ver.... Hãããã... Quero.
- Mas eu não vou! Ficarei aqui para ajudá-lo.
- Eu não preciso de ajuda. Eu não pedi ajuda. Eu não quero ajuda.
- E o que você quer?
- Eu quero você... Bem longe daqui.
- Mas o que eu fiz a você para que você me deseje mal?
- Primeiro: eu não lhe desejo mal. Segundo, você não fez nada e, no que depender de mim, nem vai fazer.
- Pois eu vou fazer sim. Porque você é uma pessoa especial, um ser de luz. Você é do bem! Tem que sorrir, tem que agradecer a Deus pela vida que tem, por ter amigos, uma família, por ser uma pessoa bonita por dentro e por fora. Você tem que dizer SIM às coisas boas, ao amor, à Deus. Não pode ficar assim, triste, derrotado. Isso chama energia negativa e, desta forma, as coisas positivas não acontecem. Vamos lá: eu quero ver um sorriso nesta cara AGORA! Alegria! Coragem! Esperança! Amor! Felicidade! Luz! Paz! Harmonia!
- Cala. Esta. Maldita. BOCA!
- Ai, credo!
- Escuta aqui, criatura. E escuta bem. Eu não estou legal. Veja bem: não estou perdido, nem derrotado, sequer vencido ou acabado. Eu só não estou legal. Só isso. Talvez menos legal agora por ter que escutar a sua ladainha pasteurizada. Os motivos do meu humor dúbio são diversos e não vem ao caso. E eu não tenho a obrigação de ser uma pessoa ensolarada. Pelo menos, não sempre. Simplesmente porque eu não sou um modelo de ser humano que se vende em propaganda de margarina. Onde sentimentos positivos ficam mumificados em nosso semblante. Eu sou de verdade, com um lado iluminado e outro na sombra. Sim, eu tenho o meu lado obscuro, como qualquer outro. Inclusive você, auto-proclamado emissário dos céus, tem seu esqueleto atrás do armário. E o que faz de mim uma pessoa melhor é justamente o fato de eu ter coragem de encarar de frente meus fantasmas. De assumir sem medo o crédito pelos pesadelos que assolam minha vida. Ao invés de adotar uma postura alienante que varre todos os problemas para debaixo do tapete. Então, se para você é cômodo adotar esta postura de felicidade eterna, de que você só tem sentimentos bons e energia positiva correndo neste corpo, vá para bem longe de mim. Porque vai chegar uma hora em que você precisará projetar o seu lado sombrio, que não tem canal de expressão, em outras pessoas. Pelo menos que seja em alguém disposto a ser perseguido por você. Eu não estou disponível.
- O-o quê?
- Este é o mecanismo da hipocrisia. Reconhecer no outro aquilo que a gente nega em si mesmo. É tentador apontar o dedo. Acusar. Julgar e setenciar. Sim, o fato de eu estar amuado, pensando nos meus problemas, não quer dizer que eu esteja mal. Muito pelo contrário, estou muito bem por sinal. Mas você reconhece no meu semblante melancólico uma oportunidade de redenção do seu lado mesquinho, sufocado pelo seu arrogante preceito de que a vida tem a obrigação de ser um mar-de-rosas, um arco-íris de alegria e felicidade. Então eu repito mais uma vez: não venha exorcizar o seu lixo em mim!
- Além de azedo, você é louco. Não diz nada com nada.
- Ah, eu sou louco? Então eu vou lhe mostrar do que um louco é capaz!
- Aiiiii! Você me mordeu!
- É que acabaram os argumentos.
- Seu animal! Eu vou embora daqui agora!
- Ah finalmente entendeu. Algo tinha que funcionar.

A título de conhecimento

(Postado orinalmente em 08/04/2008)

- Uau. Eu amo transar com você. Nossa! Acho que essa foi a melhor de todas.
- Eu também adoro estar com você.
- Gosta mesmo?
- Adoro. Acho você linda, gostosa. Gosto de te dar prazer. Gosto de sua história.
- Pois é...
- Pois é o quê?
- É que... Bem, já que mencionou história... Estamos nos encontrando já há dois meses e... Tem sido tudo maravilhoso e tal.
- Então qual é o problema, meu amor?
- É, que... Sei lá, não sei nada sobre a sua vida. Estou cansada de me encontrar em motéis como se fôssemos dois clandestinos.
- Nós combinamos: nada de perguntas.
- Eu sei que combinamos. Mas é que estas incertezas me deixam louca! Eu não sei o porquê de tanto mistério. Você é casado, é isso? Se for, pode me contar. Eu vou entender.
- Não, não é nada disso. Esquece vai. Vamos nos curtir mais um pouco.
- Você é procurado? Um fugitivo? Já sei, um serial killer!
- Nossa! Que imaginação! Nada disso. Não é nada... Deixa quieto.
- Se não é nada, por que você não se abre comigo? Estamos tendo momentos tão maravilhosos. Podemos ir além.
- Mas é justamente por isso, entende? E se mostrando quem eu sou e o que faço acabe estragando com a beleza do momento?
- Meu deus, mas o que você faz que pode ser tão chocante que vá abalar esta experiência tântrica que estamos experimentando?
- Eu não sei se estou preparado para dividir isso com você.
- Vamos lá. Confie em mim. Eu prometo que nada vai abalar a nossa história.
- Você promete?
- Prometo. Diz, meu amor.
- Bem... Eu... (coragem, vamos lá)... Eu sou um criador de títulos nacionais para filmes estrangeiros.
- Criador de títulos?
- É. Sou um redator que se especializou em criar títulos de obras estrangeiras para o mercado nacional.
-Só isso?
- É... Só isso.
- Mas eu não entendo o porquê de tanto segredo. É um trabalho como outro qualquer.
- Você não sabe a polêmica que isso cria. Sou mais odiado que político corrupto!
- Mas por quê?
- Pela falta de fidelidade aos títulos originais. Os cinéfilos mais puristas reclamam demais. Rola perseguição e tudo.
- Sério? Nossa...
- Pois é....
- Tipo: As Panteras que, na verdade, se chamam Charlie's Angels? Os anjos viraram panteras quando passaram pela alfândega?
- É. Por assim dizer.
- É realmente intrigante. Por que esta distorção? Por que não uma tradução literal?
- Porque daí eu ficaria sem emprego.
- Engraçadinho...
- He, he. Na verdade tem a ver com o mercado nacional. O filme é visto como um produto que busca a maior audiência. E estas adaptações são necessárias para garantir bilheteria.
- No caso de As Panteras, o diganóstico presume que o povo brasileiro gosta mesmo é de mulheres sexualizadas e perigosas.
- É. Dá pra concluir que sim.
- Entendo.
- Mas, calma lá. Você partiu de um exemplo antigo. Não fui eu quem batizou os Anjos de Charlie de Panteras.
- Mas é isso que você faz, não.
- É, pode-se dizer que sim.
- Realmente, é irritante. Devo confessar.
- Olha o que você prometeu, meu amor...
- Ok, ok. É que você deveria admitir que muitos títulos não fazem sentido. Angel Heart virou Coração Satânico. O oposto! Assim como Memento, que aqui no Brasil virou Amnésia. Sendo que o personagem do filme diz que seu problema não é amnésia, mas outra disfunção neurológica.
- Coisas de mercado nacional, minha flor. Entenda que o povo brasileiro não sabe lidar muito bem com abstrações e metáforas. Meu trabalho, muitas vezes, é simplificar e tornar mais... Como vou dizer... Entendível a história do filme.
- Sei. Então além de sexista e chauvinista, o povo brasileiro é burro e ignorante.
- Não foi isso que eu disse!
- Mas é esse o raciocínio que justifica a sua função de retalhar a cara dos filmes para que eles se tornem mais "acessíveis" ao povo brasileiro.
- Ih, começou. Quando eu te conheci poderia jurar que você não era cinéfila. Ô sina...
- Que coisa, né... E o que dizer de Mystic River, que virou Sobre Meninos e Lobos. Você há de concordar que um título que poderia ser simples como Rio Místico acabou se tornando quase um soneto.
- É que Rio Místico... Convenhamos, né...
- O que é que tem?
- Ia reduzir público. Só gays e esotéricos (se é permitido esta redundância) iriam assistir Rio Místico.
- Aaaah, entendi. Além de machista e burro, o povo brasileiro é uma verdadeira coleção de preconceitos sem fim.
- Minha flor, quem sabe a gente volta pra nossa função. É tão mais interessante.
- Tá, tudo bem. Só me diga um título que você tenha "traduzido" ultimamente.
- Ah, deixa pra lá. Estou louco pra te encher de carinho de novo.
- Não fuja da raia, rapaz. Vamos lá, estou curiosa.
- Ai, meu pai. Ok, vou dizer. Tudo para ficar com ela.
- Pois é, se quer ficar comigo...
- "Tudo para ficar com ela" é o título do filme.
- Ah... Bom... E qual era mesmo o título original?
- Sweetest Thing.
- E por que a coisa mais doce virou tudo pra ficar com ela?
- Bem, se você quer saber mesmo, a maioria das meninas bobinhas que alugam filmes em locadoras são coitadinhas carentes que, no fundo, no fundo, não passam de umas egocêntricas idiotas experts em por homens para correr. Sendo assim, um título que coloca estas coitadas num pedestal dá mais abertura de mercado ao filme.
- Eu assisti Tudo para ficar com ela. E amei o filme, tá legal?
- Ah, sério. Mas...
- Então isso me qualifica como uma coitadinha egocêntrica que põe homens para correr.
- Não! Não! Você é diferente. Você...
- Bem, nada mais me resta senão te botar pra correr.
- O QUÊ??? Ma-ma-mas... Meu amor...
- Por que você não ficou de boca calada? Eu não precisava saber de sua vida sórdida!
- Mas foi você que insistiu!
- Ah é? E eu sou obrigada a conviver com o fato de que você vive da humilhação da sociedade brasileira?
- De que humilhação você está falando? O que você está fazendo, minha flor?
- Estou me vestindo pra ir embora. Não fico mais um minuto com você! Fique sabendo que estereotipar as pessoas é uma forma de humilhação.
- Nunca foi minha intenção. Veja bem...
- E quer saber? Eu fingi todos os orgasmos. TODOS!!! Adeus.
- Ai, meu pai. Bem que a minha mãe disse. Escolha uma profissão menos odiada, como operador de telemarketing. Mas nããããão. Eu tinha que me meter com esta gente esquizofrênica do cinema.

A teoria na prática é a outra

(Postado originalmente em 02/04/2008)

- Então, Verusquinha, espero que nosso papo esta tarde tenha sido produtivo. Gostou do café? Estavam bons os brioches?
- Tudo perfeito, Adelaide. Melhor que isso, só mesmo suas idéias revolucionárias!
- É tão bom passar a tarde com uma grande amiga, assim de tanto tempo. Tantos anos, não é, Verusquinha? Nós terminamos a faculdade juntas... Foi testemunha de meu casamento com o Juvenal. E cá estamos nós debatendo esta tese que é tão importante para mim. Quero lançar o livro ainda este semestre e preciso de aliados nesta minha teoria sobre o relacionamento humano para me sentir segura de levar o projeto adiante.
- Pode contar comigo, Adelaide. Sempre é um prazer escutar suas idéias sobre relações afetivas, desejo e ciúme. Você tem noção de como isso vai revolucionar a sociedade? Seu ponto de vista é bastante polêmico, amiga.
- Mas eu estou bem embasada, Verusquinha. Depois que me formei, foram vinte anos de pesquisa para chegar a estas conclusões: homens e mulheres só terão uma convivência sadia se perpetuarem o amor livre: sem amarras, sem possessividade, dando o direito de ir e vir ao companheiro.
- Sempre achei a Sociologia do Sexo um assunto inebriante. E você, Adelaide, sempre demonstrou maestria ao lidar com os cânones da base comportamental do ser humano.
- Quem bom contar com o seu apoio, Verusquinha. Geralmente as mulheres, ainda mais numa idade um pouco mais avançada, têm alguma resistência ao novo, ao chamado da nova era. Os modelos tradicionais de relacionamento cairam por terra. Estamos no limiar de uma nova etapa para a sexualidade humana.
- Mas, Adelaide, você sabe que vai encontrar resistência de grupos políticos de extrema direita. Fora os puritanos religiosos que vão queimar seu livro na fogueira.
- Não adianta, Verusquinha. Se o embate for inevitável, assim o será. Eu só não posso me privar de levar o estandarte das novas idéias adiante. O sociedade merece nada menos que isso.
- Estou orgulhosa de você, Adelaide! Tão orgulhosa que... me sinto segura para confessar uma coisa!
- Diga, amiga! Sempre estarei do seu lado. Você sabe.
- Com a sua visão revolucionária a respeito de relacionamentos, me sinto à vontade para confessar que eu já transei com o Juvenal.
- O QUÊ?
- Mas eu sei que você não se importa, né? Afinal você é uma mulher à frente do seu tempo!
- MEU MARIDO? VOCÊ? OS DOIS?
- Sim, amiga. Sexo livre, ué. Como você mesmo diz.
- M-ma-mas é que... o Juvenal... E-eu e... Ele e vo-você...
- Adelaide, qual é o problema?
- VERUSQUINHA? COMO PÔDE? Quero dizer... Eu entrevistei você para o meu projeto... Várias vezes em muitos anos. Você nunca me disse nada!
- Eu menti, ué! Não sou trouxa, né? Só agora que você me convidou para expor suas conclusões do projeto é que eu vi que podia desabafar com você.
- Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo.
- Ih, relaxa, Adelaide. Vai ficar regulando mixaria agora. Como se o Juvenal fosse grande coisa. Vai surtar é? Vai colocar anos e anos de estudo no lixo, porque não consegue aceitar uma evidência prática da sua teoria.
- Verusquinha. Não. O. Juvenal.
- Agora foi...
- Você repetiu?
- Seis.
- Seis vezes????
- Nããão. Seis anos! Mas os últimos dois foram só na base da rapidinha na escada do condomínio. Imagina, Adelaide. Você palestrando sobre a diversidade afetiva pelas universidades de todo o Brasil e ainda podendo se valer de exemplo máximo do seu próprio trabalho. Pensa bem, estou coroando a sua teoria do amor livre!
- SEIS ANOS!!!!!
- Eu devia até ganhar uma porcentagem por isso.
- Sua... Sua... Sua...
- Cuidado com o que for falar, hein Adelaide! Olha a amizade! Olha o estandarte das novas idéias! Não coloque tudo a perder.
- Sua... SUA VADIA! Que tipo de palhaça você acha que eu sou pra me apresentar ao público como uma chifruda debilóide que deixa o marido nas mãos da uma amiga da onça que lambeu os beiços com o macho da outra.
- Adelaide! E a teoria?
- Como eu fui burra, meu deus! Todos estes anos e você posando de santinha do meu lado! Ordinária! Ainda me fez pagar este café caríssimo para eu ficar aqui posando de idiota pra você. Dane-se a teoria! Dane-se você, sua destruidora de lares. Bem que o Juvenal me disse que você não era boa companhia. Me envenenou com suas idéias liberais e agora estou aqui propagando esta luxúria desenfreada por sua culpa!
- O quê? Eu te envenenei? Mas a teoria é sua!
- O que é meu é o Juvenal, sua piranha. Eu vou pra casa agora cuidar do meu marido que eu ganho mais. Isso é o que dá ficar dando trela para más influências. Fico de papinho besta e me descuido na vida.
- Papinho besta? Adelaide... É o estudo de uma vida!
- Cala boca, traidora! Nunca mais fale comigo. Adeus e não me procure mais.
- Nossa... Imagina se ela fosse conservadora. Eu tava morta agora!

Grosseirão é a senhora sua vó!

(Postado originalmente em 01/03/2008)

- Consegui colocar no ar o site que contém meu portfólio. Agora ficou mais fácil vender meu trabalho.
- Ai, que chiiiiique!!
- "Ai, que chique"?
- É... Eu achei superchique você ter um site. Arrasou!
- Como assim?- Como como assim?
- Por que "chique"?
- U-ué... e não é?
- Por acaso você me viu passeando na Oscar Freire fechando o estoque de todas as lojas de grife estupidamente caras e saindo para comer uma tonelada de sorvete de cheesecake de morango na sorveteria da Haagen-Dazs?
- N-n-não....
- Por acaso eu mostrei a você o meu suposto piercing genital cravejado de diamantes africanos extraídos das minas pelas mãos nuas de crianças etíopes subnutridas?
- Não...
- Por acaso você me viu no porto despachando um container recheado de Ferraris para a minha coleção particular de automóveis?
- Não.
- Então me explique o que há de chique em colocar um site na internet cujo conteúdo é apenas uma apresentação do meu portfólio. Foram anos de luta e de trabalho duro para conseguir desenvolver um acervo destes. Não existe glamour nisso. Apenas sangue, suor e noites em claro.
- Eu só quis dizer...
- Você poderia ter dito "ai, que vitória" ou "ai, que conquista", mas nããããão. Teve que apelar para o maldito condicionamento cultural imposto pela televisão.
-Mas eu só quis dizer...
- Você só quis dizer que tem todo o vocabulário que uma novela das oito permite ter, pois seu cérebro virou um saco de gelatina de validade vencida de tanto se bitolar com produtos de emburrecimento social. Parabéns por ser apenas mais uma pessoa.
- Seu... Seu... Seu grosseirão!