domingo, 4 de janeiro de 2009

O avesso do armário

(Postado originalmente em 20/08/2008)

- Mamãe...
- Fala, meu filhote.
- Tenho algo para lhe dizer...
- Diga, minha fofura.
- É possível que a senhora não goste.
- Nada, minha paixão. Mamãe é aberta, sem preconceitos. Desabafe comigo. O que aflige você?
- Mamãe... Acho que sou HÉTERO!
- O QUÊ???????
- Pronto: falei. Acho que é isso mesmo, mamãe.
- Eu não acredito no que estou ouvindo! Não... não pode ser.
- Eu sabia que a senhora ia se desapontar.
- Onde foi que eu errei, meu filho? Criei você sozinha, sem a vil figura masculina de seu pai. Tentei lhe dar uma boa educação. Bonequinhas articuladas, caixa de lápis de cor de 36 cores, disco dos Menudos. E do que adiantou? Olha o que você me diz!
- Mãe, eu queria ser um orgulho para você, mas...
- “MÃE”? O que aconteceu com “mamãe”? No que você está se transformando? Onde foi parar a sua sensibilidade, meu filhote?
- Eu conheci a Fabiana numa festa e...
- “Fabiana”? Por favor, me diga que é nome de guerra de alguma drag queen. E os seus amiguinhos? O que aconteceu com os seus amiguinhos?
- Os meus amigos são só os meus amigos. Não rola nada. E a Fabi não é drag. É menina mesmo.
- Chega! Não me fale mais nada. Não quero saber desta uma que está desencaminhando você. Esta marginal que quer transformar meu filhote num ridículo... MACHO-ALFA.
- Não é ridículo ser feliz!
- Meu filho, eu não estou agüentando tudo isso! Você tem noção do que está me dizendo? Nós moramos no coração alternativo da cidade de São Paulo. A duas quadras do SHOPPING FREI CANECA. Você nunca ouviu falar em inclusão social? Eu depositei todas as minhas esperanças de vanguarda em você. Para poder me sentir atuante na comunidade! E agora? O que os meus amigos vão pensar disso? O que a vizinhança vai dizer quando vir você de mãos dadas com esta umazinha?
- Mãe, se liga. “Esta umazinha” tem nome. E é Fabiana.
- Chega! Chega! Eu não quero ouvir!
- Eu estou apaixonado pela Fabiana, mãezinha!
- Eu não estou ouvindo. Eu não estou ouvindo. Eu não estou ouvindo.
- Olha só. Eu vou pegar estrada com a Fabi. Nós vamos passar o final de semana na praia.
- Praia? Com esta menina?
- Ah, agora você está ouvindo....
- Ai, meu filho... É falta de atenção, né? Diz, filhote, o que você quer? Diz que a mamãe consegue. É um jeans da Doc Dog? É uma camiseta Cavalera? É um frappuccino de chá verde da Starbucks? Agenda Hello Kitty?
- Mamãe...
- A Madonna vem ao Brasil no final do ano! Isso!!! Como não me dei conta? Vamos agora reservar o seu ingresso VIP. Você sempre gostou de Madonna.
- Eu não gosto de Madonna. Eu gosto de Raimundos.
- Meu Deus... Cada palavra é uma pontada de desgosto. Eu devo ter sido uma pessoa muito ruim pra merecer uma coisa dessas. O que vem depois? Carros? Futebol?
- Mãe, larga de mão, okay? Você está condicionada demais. Ninguém aqui do bairro vai se importar se eu for hétero. Afinal o termo vigente não é “diversidade”? Que diversidade é essa que não aceita os diversos aspectos da afetividade humana?
- Ai, filhote...
- Não chora , sua tonta. Eu só quero ser feliz. Do jeito que eu sou. O que eu faço entre quatro paredes com uma garota é problema meu e dela.
- Você já...
- Já.
- OOOHHH, meu Deus...
- E quer saber? Foi muito bom. E tem mais. Vou largar esta faculdade de moda da Santa Marcelinha e tentar o vestibular de engenharia mecânica na USP.
- Se você fizer uma coisa dessas... ESQUEÇA QUE TEM MÃE, OUVIU?
- Hmmmm, okay. Nos falamos, senhora que desconheço. Tchau!
- Meu filhote, onde você vai?
- Vou fazer uma coisa muito vergonhosa! Encher a senhora de netos. Fui!

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