quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Quem ri por último


- Você sabe o que o pires falou pra xícara?
- Oi?
- Você conhece essa?
- Conheço quem?
- Essa do pires...
- Você está falando do Pires do Financeiro? Ele está conversando com o próprio café? É isso? Interessante... Preciso vê-lo.
- Não! Não! Estou falando de um pires normal! Você não conhece essa mesmo? Do que o pires falou pra xícara?
- Ah, um pires “normal”.
- Ah, por favor, você sabe do que eu estou falando...
- Sim, sim, eu sei! Me diz uma coisa... Faz muito tempo que você escuta este pires conversando com a xícara?
- Não. Peraí... Do que você está falando?
- Calma. Não precisa se agitar. Tudo vai ficar bem. Quando você conversa com o seu amigo pires, o que ele diz a você? Coisas boas? Coisas tristes? Pede para você matar alguém?
- Matar??? Não, calma. O pires não falou comigo. É outro lance. Foi com a xícara... Mas, assim...
- O que você costuma colocar nesta xícara, além do café? Alguma substância ilegal? Ou você entra nesta conversa naturalmente?
- Ai, caramba! Você não entendeu! Eu só queria descontrair o ambiente.
- Claro... Queira, por favor, meu acompanhar! O lugar para onde você vai agora terá muita descontração.
- Ei, que é isso? Me larga! Tá me levando pra onde?
- Eu insisto que me acompanhe! Melhor que seja por bem. Do contrário, chamarei os seguranças!
- Me larga! Eu só estava contando uma piada.
- Não vejo graça nenhuma em fazer piada com a condição dos outros.
- Que condição? Do que você está falando???
- A sua condição, oras! Você acabou de confessar que alucina e conversa com objetos de cozinha. E você ainda quer que eu ria disso! Só pode ser muito doente mesmo.
- Eu não disse isso! Você entendeu tudo errado.
- Quem precisa entender tudo certo é você, caro colega. O Estado me plantou aqui nesta repartição justamente para identificar indivíduos de comportamento errático. É imperativo atuarmos na prevenção de possíveis situações que fujam do controle das autoridades vigentes.
- Como assim? Do que você está falando? Onde você está me levando? O que é tudo isso?
- Estou levando você para o Centro Disciplinar. Um lugar muito especial onde poderá rever muito dos seus coleguinhas. Se lembra da Aninha?
- A Aninha da recepção? Que pediu demissão mês passado?
- Na verdade, ela não pediu demissão. Ela foi recolhida para o Centro. Depois que apareceu com uma conversa sobre tomates que atravessavam uma rua. Desconfiamos que isso tenha sido resultado de abuso de drogas.
- Mas gente, os tomates...
- Você também viu os tomates atravessando a rua??!
- N-não!!!
- Não precisa mentir! Você já está comprometido com o Centro Disciplinar por conta da sua incrível história do pires falante. Só quero entender a dinâmica desses “tomates fujões”. Parece se tratar de um caso de alucinação coletiva ou algo do gênero.
- Olha, é tudo um terrível engano! São só charadas, figuras de linguagem. Ninguém aqui é louco!
- A-há! Então é você!
- Eu? Sou eu o quê?
- Charadas e figuras de linguagem! Artimanhas dignas de um espião! Achamos quem procurávamos afinal. Você trabalha para o inimigo!
- Meu deus! De que inimigo você está falando???
- Não fuja! Seguranças! Ajudem-me aqui com este sujeito! Já acionei o camburão e ele deve estar esperando lá fora. Eu sabia que, em algum momento, você cairia em contradição. Vamos lá, desembuche enquanto ainda consegue falar.
- Desembuchar o quê? Me solta! Eu sou inocente!
- Está pensando que eu sou trouxa? Vamos lá. Desembuche este código. Quem é esse “pires”? Quem é a “xícara”? Eles estão atuando dentro do país? Qual a mensagem que você iria passar adiante? É a senha para algum movimento tático?
- Gente, isso só pode ser um pesadelo! Fui acusado de louco e, agora, de espião! Por favor, deixe-me explicar! Você vai entender que tudo isso é um engano!
- Foi a mesma coisa que o Wagner disse.
- Vocês também pegaram o Wagner?
- Óbvio! Quando ele veio com aquela conversa de pontinho preto, pontinho branco, rosa, vermelho... Era pontinho pra todo lado! Estava na cara que era código Morse. Ele já está lá no Centro e admito que estou surpreso com a sua resistência em confessar a mensagem. Já tentamos todos os nossos métodos de persuasão.
- Não! Não! Pelo amor de deus, do Estado, de quem você quiser! Eu juro que só estava brincando! Não me leve! Eu tenho família pra sustentar! Por favor!
- Este é o problema, meu caro! Qualquer um faz o que bem entende! Mas, na hora de bancar suas próprias atitudes, todo mundo sempre  só está “brincando”. Desculpe, mas não podemos abrir exceções. Você sairá daqui direto para interrogatório no Centro Disciplinar. Au revoir!
- Não! Não! Poooor favooooor!!! Nãããoooo....
- Sempre a mesma cena! Incrível como nenhum deles dá o braço a torcer. Chega até a ser engraçado. Inclusive isso me lembra aquela do papagaio...

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Supervocê

Boa Noite. É com imenso prazer que recebo vocês aqui nesta palestra tão especial. E, quando eu digo especial, me refiro à presença de vocês, visionários, que perceberam o grande potencial do tema que aqui será debatido. Para os que ainda não tem intimidade com a minha pessoa e não leram meus vinte e cinco best-sellers, nove dos quais estão entre os dez mais vendidos no ranking nacional, cabe o momento de eu me apresentar.
Meu nome completo é Elysium Palm-Sunday Andrews, mas, como muitos já perceberam, eu assino minhas obras pela alcunha de Ely Andrews. Além de escritor de sucesso, sou especialista em medicina ayurvédica avançada, catedrático em oceanografia paleolítica, mestre em ciências arcanas sustentáveis e exímio datilógrafo.
Voltando ao motivo do nosso encontro, como se sabe, o ramo editorial da autoajuda é um mercado em franca decadência. Não está fácil pra ninguém! Muitos autores consagrados já estão se virando como podem. Lair Ribeiro abriu algumas franquias da Starbucks em Macapá, enquanto Deepak Chopra voltou à Nova Déli e inaugurou uma rede de churrascarias.
A queda das vendas no gênero de autoajuda não é por acaso. Os tempos são outros, a sociedade já entendeu que é responsável pela sua própria felicidade, todo mundo leu o Segredo, acreditou no poder da autossugestão e deixou de lado o Almeida Prado 46. Mas chega uma hora que se precisa de mais! Num mundo onde todo mundo caminha para frente, criou-se a necessidade de correr para se diferenciar. Claro que eu, na condição de futurólogo autodidata, já havia percebido isso há muito tempo. Por isso, fiz minha corrida e criei um novo patamar para a autoajuda. E hoje estamos aqui para falar das maravilhas da Autoajuda Super. Pois não basta acreditar que se pode ser feliz. É preciso sambar na cara de quem não dava um pingo de crédito para isso.
Alguns de vocês devem estar se perguntando: “Mas afinal, por que super? Qual a diferença dessa para a autoajuda clássica?”. A resposta é simples. A felicidade é como sistema operacional de computador. Outrora já foi simples, mas, hoje em dia, se você não se atualizar de uma semana para outra, pode dar adeus à vida. Você não pode ser só você, ou mais você. Tem que ser um supervocê! E é nesse ponto que entram as minhas aclamadas obras.
Por exemplo, essa edição aqui, é o meu xodó, e está no topo das listas, “Como fazer um bilhão de euros em duas semanas com apenas um atilho e dois clipes”. Para vocês terem uma noção, um garçom de bar de origem franco-brasileira chamado Eike seguiu à risca todos os passos desta publicação e vejam vocês onde ele está agora. Quer dizer, “vejam vocês”, neste caso, é uma força de expressão, porque ele efetivamente ficou fora do alcance da visão da maioria de todos nós. O livro aponta a tendência de ninguém mais querer perder tempo prosperando nos negócios, ter um bom planejamento de vida e construir bases para um futuro promissor. Nossa, que preguiça! Para que passar tanto trabalho se existe um atalho para o topo?
Por falar em topo, eu tenho aqui outro dos meus grandes sucessos de venda que contempla o público feminino: “TPM – Tomada de Poder pelas Mulheres”. Neste livro eu mostro como um ciclo hormonal com toda a sorte de variações de humor pode oferecer uma vantagem competitiva ao sexo feminino. Uma faxineira búlgara que atende por Dilma, depois de ler uma edição de TPM, alcançou a presidência da república de um país sul-americano em dez dias. Percebam vocês que, pela autoajuda clássica, haveria todo um incentivo para se estudar ciências políticas, participar de causas engajadas, ajudar a construir a história de uma nação... E cortar os pulsos, né? Me digam para que perder tanto tempo com isso? Mulheres, se vocês acreditam no poder do real feminismo, daquele que urge todo santo mês, comprem o meu livro e logo terão seu próprio estado soberano para discutir a relação!
E antes que alguém levante a lebre de que o foco da minha literatura incentiva o individualismo, me antecipo trazendo aqui meu recém-lançado volume, mas que já está esgotado em todas as livrarias, com um tema que engloba toda a família: “Bipolaridade consciente em prol de uma linhagem de campeões”. Para você que defende o casamento igualitário, descriminalização das drogas, legalização do aborto e outras causas modernas visando ficar bem na foto em redes sociais, mas só vai destrancar a sua filha do quarto aos 21 anos, direto para a igreja casar. Use a bipolaridade como meio de vida, a fim de explicar todas as suas contradições, e abra todas as portas que você sempre precisou! Aceitar o outro como ele é, sendo este outro, claro, alguém fora da sua família, de outra cidade, país ou planeta, lhe dará uma vantagem competitiva sem precedentes. Afinal, enquanto um estranho segue à deriva correndo atrás do seu próprio rabo em exaustivos exercícios de autoconhecimento, você estará fazendo de sua família um case de sucesso, transformando-a num time de campeões focados em conquistar qualquer coisa que estiver pela frente. E vai aprender que diversidade é um lindo post de Facebook esperando para ser curtindo por você. Mas, na vida de verdade, entenderá que a união é que faz a força. E essa força é você!
Bem, o nosso papo está muito gostoso, mas é chegada a hora de finalizar o nosso encontro. Estou atrasadíssimo para uma reunião em Cuba, onde estou coletando material para o meu novo projeto “Como levantar o dedo médio para uma superpotência mundial e ganhar uma ilha paradisíaca de presente”. Quaisquer dúvidas mandem uma mensagem para o e-mail que consta no press kit. Obrigado pela presença de supervocês nesta palestra! Boa noite!