domingo, 4 de janeiro de 2009

A título de conhecimento

(Postado orinalmente em 08/04/2008)

- Uau. Eu amo transar com você. Nossa! Acho que essa foi a melhor de todas.
- Eu também adoro estar com você.
- Gosta mesmo?
- Adoro. Acho você linda, gostosa. Gosto de te dar prazer. Gosto de sua história.
- Pois é...
- Pois é o quê?
- É que... Bem, já que mencionou história... Estamos nos encontrando já há dois meses e... Tem sido tudo maravilhoso e tal.
- Então qual é o problema, meu amor?
- É, que... Sei lá, não sei nada sobre a sua vida. Estou cansada de me encontrar em motéis como se fôssemos dois clandestinos.
- Nós combinamos: nada de perguntas.
- Eu sei que combinamos. Mas é que estas incertezas me deixam louca! Eu não sei o porquê de tanto mistério. Você é casado, é isso? Se for, pode me contar. Eu vou entender.
- Não, não é nada disso. Esquece vai. Vamos nos curtir mais um pouco.
- Você é procurado? Um fugitivo? Já sei, um serial killer!
- Nossa! Que imaginação! Nada disso. Não é nada... Deixa quieto.
- Se não é nada, por que você não se abre comigo? Estamos tendo momentos tão maravilhosos. Podemos ir além.
- Mas é justamente por isso, entende? E se mostrando quem eu sou e o que faço acabe estragando com a beleza do momento?
- Meu deus, mas o que você faz que pode ser tão chocante que vá abalar esta experiência tântrica que estamos experimentando?
- Eu não sei se estou preparado para dividir isso com você.
- Vamos lá. Confie em mim. Eu prometo que nada vai abalar a nossa história.
- Você promete?
- Prometo. Diz, meu amor.
- Bem... Eu... (coragem, vamos lá)... Eu sou um criador de títulos nacionais para filmes estrangeiros.
- Criador de títulos?
- É. Sou um redator que se especializou em criar títulos de obras estrangeiras para o mercado nacional.
-Só isso?
- É... Só isso.
- Mas eu não entendo o porquê de tanto segredo. É um trabalho como outro qualquer.
- Você não sabe a polêmica que isso cria. Sou mais odiado que político corrupto!
- Mas por quê?
- Pela falta de fidelidade aos títulos originais. Os cinéfilos mais puristas reclamam demais. Rola perseguição e tudo.
- Sério? Nossa...
- Pois é....
- Tipo: As Panteras que, na verdade, se chamam Charlie's Angels? Os anjos viraram panteras quando passaram pela alfândega?
- É. Por assim dizer.
- É realmente intrigante. Por que esta distorção? Por que não uma tradução literal?
- Porque daí eu ficaria sem emprego.
- Engraçadinho...
- He, he. Na verdade tem a ver com o mercado nacional. O filme é visto como um produto que busca a maior audiência. E estas adaptações são necessárias para garantir bilheteria.
- No caso de As Panteras, o diganóstico presume que o povo brasileiro gosta mesmo é de mulheres sexualizadas e perigosas.
- É. Dá pra concluir que sim.
- Entendo.
- Mas, calma lá. Você partiu de um exemplo antigo. Não fui eu quem batizou os Anjos de Charlie de Panteras.
- Mas é isso que você faz, não.
- É, pode-se dizer que sim.
- Realmente, é irritante. Devo confessar.
- Olha o que você prometeu, meu amor...
- Ok, ok. É que você deveria admitir que muitos títulos não fazem sentido. Angel Heart virou Coração Satânico. O oposto! Assim como Memento, que aqui no Brasil virou Amnésia. Sendo que o personagem do filme diz que seu problema não é amnésia, mas outra disfunção neurológica.
- Coisas de mercado nacional, minha flor. Entenda que o povo brasileiro não sabe lidar muito bem com abstrações e metáforas. Meu trabalho, muitas vezes, é simplificar e tornar mais... Como vou dizer... Entendível a história do filme.
- Sei. Então além de sexista e chauvinista, o povo brasileiro é burro e ignorante.
- Não foi isso que eu disse!
- Mas é esse o raciocínio que justifica a sua função de retalhar a cara dos filmes para que eles se tornem mais "acessíveis" ao povo brasileiro.
- Ih, começou. Quando eu te conheci poderia jurar que você não era cinéfila. Ô sina...
- Que coisa, né... E o que dizer de Mystic River, que virou Sobre Meninos e Lobos. Você há de concordar que um título que poderia ser simples como Rio Místico acabou se tornando quase um soneto.
- É que Rio Místico... Convenhamos, né...
- O que é que tem?
- Ia reduzir público. Só gays e esotéricos (se é permitido esta redundância) iriam assistir Rio Místico.
- Aaaah, entendi. Além de machista e burro, o povo brasileiro é uma verdadeira coleção de preconceitos sem fim.
- Minha flor, quem sabe a gente volta pra nossa função. É tão mais interessante.
- Tá, tudo bem. Só me diga um título que você tenha "traduzido" ultimamente.
- Ah, deixa pra lá. Estou louco pra te encher de carinho de novo.
- Não fuja da raia, rapaz. Vamos lá, estou curiosa.
- Ai, meu pai. Ok, vou dizer. Tudo para ficar com ela.
- Pois é, se quer ficar comigo...
- "Tudo para ficar com ela" é o título do filme.
- Ah... Bom... E qual era mesmo o título original?
- Sweetest Thing.
- E por que a coisa mais doce virou tudo pra ficar com ela?
- Bem, se você quer saber mesmo, a maioria das meninas bobinhas que alugam filmes em locadoras são coitadinhas carentes que, no fundo, no fundo, não passam de umas egocêntricas idiotas experts em por homens para correr. Sendo assim, um título que coloca estas coitadas num pedestal dá mais abertura de mercado ao filme.
- Eu assisti Tudo para ficar com ela. E amei o filme, tá legal?
- Ah, sério. Mas...
- Então isso me qualifica como uma coitadinha egocêntrica que põe homens para correr.
- Não! Não! Você é diferente. Você...
- Bem, nada mais me resta senão te botar pra correr.
- O QUÊ??? Ma-ma-mas... Meu amor...
- Por que você não ficou de boca calada? Eu não precisava saber de sua vida sórdida!
- Mas foi você que insistiu!
- Ah é? E eu sou obrigada a conviver com o fato de que você vive da humilhação da sociedade brasileira?
- De que humilhação você está falando? O que você está fazendo, minha flor?
- Estou me vestindo pra ir embora. Não fico mais um minuto com você! Fique sabendo que estereotipar as pessoas é uma forma de humilhação.
- Nunca foi minha intenção. Veja bem...
- E quer saber? Eu fingi todos os orgasmos. TODOS!!! Adeus.
- Ai, meu pai. Bem que a minha mãe disse. Escolha uma profissão menos odiada, como operador de telemarketing. Mas nããããão. Eu tinha que me meter com esta gente esquizofrênica do cinema.

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