sábado, 17 de janeiro de 2009

A vida é uma droga

Este é o primeiro comunicado oficial da FARPA à população geral. Eu, como representante maior da FARPA (Facção Responsável pela Restituição do Asseio), comunico que tomamos o poder do país em prol do bom comportamento moral que alicerçará a nova sociedade. Boicotamos o Exército, fizemos o Legislativo correr atrás do próprio rabo, chantageamos o Judiciário e chutamos o traseiro daquele presidente bunda-mole que não serve pra coisa nenhuma. Estamos no poder e temos uma missão urgente: acabar com os dependentes químicos.
Não. Não queremos acabar com as drogas. Não podemos condenar seres inanimados, seja pedra ou seja pó, por qualquer ação. Os motivos são óbvios. Só um imbecil acusaria algo sem vida por disseminar os males da humanidade. Vamos cortar o mal pela raiz mesmo e acabar com os dependentes químicos.
E será de forma radical. Já fuzilamos todos os maconheiros que existem. E qualquer um que escute reggae já foi junto. Só por garantia. E os usuários de cocaína, heroína e ecstasy pensaram que estavam de fora? Só por serem mais elitizados e tal... Pois eu garanto que eles já foram todos mandados para a fábrica de sabão neste momento.
Vamos matar todos.
E como nossa missão pretende esterilizar a sociedade deste comportamento de depender de alguma substância, não daremos arrego a ninguém. Se colocou algo químico no corpo, seja só pra sentir uma sensaçãozinha boba, e, por conta disso, prejudicar a saúde física e mental, não tem erro.
Vamos matar todos.
Os fumantes podem dar a sua última tragada. Não adiantou as autoridades sanitárias advertirem sobre os malefícios do cigarro. Os potrinhos do mundo de Marlboro insistem em passar adiante esta bituca de câncer pela população. Não precisamos deste mau exemplo na nova sociedade que estamos formando.
Vamos matar todos.
E os alcoólatras? Este veneno sedutor que encharca a cultura nacional está com os dias contados. E não adianta lei seca, não. Já estamos queimando todos os bares, alambiques e plantações de cana do país. Não seremos condescendentes com os bêbados.
Vamos matar todos.
E não é só a canabis e a cana que são as plantas do mal, não. Tem o café também. Sim, a cafeína vicia e já foram comprovados cientificamente os seus malefícios. Este lobo em pele de cordeiro está deixando um rastro de gastrite e taquicardia nos usuários compulsivos de café, chocolate e Coca-Cola.
Vamos matar todos.
E isto serve pra taurina também. Se Red Bull te dá asas é melhor voar, porque seremos implacáveis na perseguição.
Vamos matar todos.
E a gordura trans, então? Enforcamos todos os gerentes de McDonalds que tanto molestaram as minhocas para fazerem hambúrgueres recheados de gordura. As pessoas se viciaram em batata frita apenas para alastrar o mal do colesterol e do ataque cardíaco nesta sociedade esturricada. Glutões, gulosos e quem tem olho-grande, preparem-se:
Vamos matar todos.
Nossa cruzada não fará vista grossa para nada! Será tão refinada quanto o maldito açúcar. Sim, porque as bombas de sacarose com os quais os adictos se entopem não contribuem em nada para a saúde e ainda por cima provocam diabetes, disfunções alimentares e causam sim, dependência. Não adianta vir com a desculpa esfarrapada de que é criança. Aliás, tem bala pra todo mundo.
Vamos matar todos.
Por fim, temos ainda o oxigênio. Sim, este vil gás que as pessoas inalam constantemente, alegando não conseguir viver sem. Pois estudos confirmam que o oxigênio é responsável pala oxidação das células, do aumento de radicais livres e, por fim, é o principal responsável pelo envelhecimento do corpo humano. Respirar é condenar o corpo. Sendo assim, vamos matar todos os usuários de oxigênio. E como eu sou um homem de princípios rígidos, tanto que eu fui eleito representante maior da FARPA, não posso receber tratamento especial. Não admito concessões. Confesso que sou usuário de oxigênio e não consigo largar. Então, para servir de exemplo, pegarei esta arma e me matarei. Tudo pelo bom comportamento moral da nova sociedade.
BANG!!!!!

domingo, 4 de janeiro de 2009

Buquê de pererecas

(Postado originalmente em 01/12/2008)

Ninguém me escuta! As flores devem ser censuradas imediatamente! Todos ficam inebriados pela sua aparente beleza e perfume, utilizando-as como recurso em momentos de carinho, afeto e romantismo. É tudo um grande engodo!
Vocês esqueceram para que servem as flores? Acham que é para enfeitar a casa? Presentear mãe, namorada, esposa? Céus! Quanta ingenuidade! Acordem para a realidade agora! Tentaram lhes dizer isso na sexta série, só que vocês não deram ouvidos! E agora estão todos presos numa rede de intrigas tramada pela natureza!
Pessoal, as flores são órgãos sexuais!!! São os pênis e as vaginas das plantas! Pinto e perereca, bilau e perseguida, cobra e aranha! Não tem muita diferença das nossas vergonhas, não. E tudo exposto a olho nu, na maior cara-de-pau!
As plantas precisam procriar e, como instinto de sobrevivência não é assunto de mesa redonda, a natureza cria mecanismos diabólicos de desejo, sedução e luxúria. Vocês conhecem bem esta história. Por isso, claro, que sexo é um perigo muito mais mortal para humanidade do que a violência, com o qual somos plenamente permissivos.
Gente, o que são aquelas cores? E aqueles perfumes? Cada pérfida pétala se oferecendo ao encontro carnal (quero dizer, vegetal). É pura sacanagem das angiospermas! E tudo na nossa cara! As plantas querem enfiar o seu androceu no gineceu da colega. Este troca-troca de pólen é uma orgia desvairada. E as desqualificadas ainda posam de sonsas. Alegam que é tudo ao sabor do vento, vejam só. Isso quando não tem uma abelha ou beija-flor cutucando as partes num vai-e-vem frenético. Isso só pode terminar em gametogênese mesmo. Um horror.
Vejo crianças com menos de seis anos andando com flores nas mãos! Entende a gravidade do absurdo? Onde estão as autoridades competentes para investigar estes casos de atentado violento ao puder com menores? Que pais são estes que não cuidam de seus filhos de forma adequada, dentro dos moldes da moral e da religião?
E por falar em religião, faça-me o favor, né. O que são as igrejas, capelas e sinagogas? Não são os redutos da castidade? Mas que, para celebrar casamentos, ficam recheadas de piroquinhas e bucetinhas, em arranjos coloridos que impregnam o altar de devassidão.
E as moças direitas, eu espero sinceramente que descartem o pretendente que chegar com um buquê de presente. Se alguém lhe oferecer flores, isto é IMPULSIVIDADE!
Os boêmios, que não são flores que se cheirem (aliás, nenhuma é) dizem que as rosas não falam. Ainda bem! Por que se falassem, ia ser a maior pornografia!
Portanto, aqui fica o meu recado: fiquem longe das floriculturas. Não passam de sex-shops que, de forma velada, pretendem promover o sexo entre as pessoas.
Sexo! Sexo! SEXO!!!!!!!!!
As flores são sexo! Sexo que invade nossos jardins, nossa casa. Que esfregam na nossa cara! É por isso que a humanidade não vai pra frente! Eu, sinceramente, acho que a existência das flores é coisa do capeta.
Deixo aqui meu último apelo: vão assistir ao Jornal Nacional, onde dificilmente aparecerão flores. Quando muito uma guerrinha boba do outro lado do mundo. Afinal, sangue é sangue. Nada demais. Só uma coisinha vermelha que corre nas nossas veias pra nos manter vivos. Mas flores, cuidado! Elas podem te conduzir para o inferno. Se quiserem ter contato com o mundo vegetal, só se for grama e samambaia.

Macacões me mordam

(Postado originalmente em 16/11/2008)

- Oi, em que posso ajudá-lo?
- Só estou dando uma olhada.
- Okay, fique à vontade.
- Obrigado.
- Olha, temos estas camisetas customizadas que são o último o grito.
- Desculpe, mas eu disse que estava só dando uma olhada.
- Claro, fique à vontade. Qualquer coisa é só chamar.
- Mais uma vez, obrigado.
- Não está precisando de uma underwear? Meias, carteira, bolsa, mochila... Olha esta mochila. É lindissíma! Eu acho ela maravilhosa!
- Então, enquanto você compra ela para você mesmo, eu continuo dando uma olhada.
- Eh eh eh, você é espirituoso.
- E você é um espírito... que me assombra.
- Ai, que barato! Adoro gente engraçada.
- Posso continuar dando uma olhada?
- Claro! Aqui temos umas ofertas superespeciais da liquidação da estação passada. Qual o seu número? Vou lá buscar para você experimentar.
- Co-como? Eu não escolhi nada para experimentar.
- Ai, que indecisão. Mas não se preocupe. Eu estou aqui para ajudar você. O que você prefere? Esta camiseta tabaco-hortelã ou esta regata blueberry-cítrico?
- Olha, com licença, mas eu vou embora desta loja. Não estou gostando deste assédio. Você está passando dos limites para garantir a sua comissão.
- Calma, calma. Sente-se aqui. Quer um café? Uma água, refrigerante, suco? Escolher uma roupa nova é um passo muito importante. Eu percebo o seu nervosismo.
- E-eu não estou nervoso, okay?
- Relaxa! Eu entendo o que você está passando.
- En-entende?
- Claro! Olha... Quando você entrou por aquela porta, eu li os sinais.
- Sinais?
- Sim, você tem uma vontade. Um desejo. Que está escondido lá dentro de você.
- Lá dentro?
- Sim, sim, claro. Não tenha medo. Liberte este desejo. Fale de seus anseios. Coloque pra fora!
- Na verdade, eu...
- Sim, continue. Vamos lá, você consegue.
- Eu queria....
- Só mais um pouco, vamos lá.
- Eu sempre quis ter um macacão.
- Ma-macacão???
- É... Um macacão jeans. Básico, para usar com camisetas.
- Olha, eu não vou estar tendo, viu. Mas temos estas calças skinny maravilhosas. O último grito.
- Não preciso de calça. Quero um macacão.
- Qual o seu número? 40, 42? Você vai vestir bem uma skinny! Tem um corpo legal!
- Agora chega, viu! Você me pentelhou o tempo todo que entrei na loja, testou os limites da minha paciência, tomou o meu precioso tempo, me fez confessar desejos impronunciáveis inadequados a uma loja metida à besta como esta e, por fim, resolve promover em mim uma lavagem cerebral! Eu não quero calça skinny! Não quero camiseta beterraba-com-jiló! Não quero alargadores de lóbulos de orelha! Não quero o perfume da Paris Hilton! Não quero o remix da Rihanna! Não quero o número 1 com coca e fritas média! Afinal, você tem a porra do macacão?
- Hããã... Não.
- Então passar bem. Esta loja não é o meu número.

O suplício da jaca

(Postado originalmente em 03/11/2008)

Querido diário,
sábado eu enfiei o pé na jaca repetida e contundentemente que a coitada ficou irreconhecível para o exame de corpo e delito. Eu estava feliz e precisava extravasar esta emoção. Não deu outra! Caí na noite e fui dançar numa boate gls badalada, pois era o ambiente ideal para comemorar a nova fase de minha vida. Todo mundo sabe que, teoricamente, é o lugar mais divertido na noite da cidade grande. Drag queens, house music, luzes coloridas e muita alegria!
Chegando lá decidi ultrapassar todos os limites do bom senso: no total foram TRÊS LATINHAS de Smirnoff Ice. Nossa, fiquei muito louco! Dancei a noite toda! Cantava junto com as músicas. O que gerou um certo clima, pois o público habitué ficava me olhando de canto de olho como se eu fosse a coisa mais alienígena da face da Terra. A teoria de que boate gay é um ambiente libertário caiu por terra naquele momento. Puxa, quando esta gente desaprendeu a se divertir? Será que vão se entregar assim tão fácil à diretriz evolutiva de que seremos todos esguios, albinos, sem pêlos, com uma cabeçona enorme e, o pior de tudo, sem emoções? Bem, Darwin que me desculpe, mas eu estava mesmo disposto a curtir à moda antiga.
A festa rolou sem maiores surpresas... Pra mim, né, porque para o resto do povo eu fui a surpresa! Mas, como arroubo de espontaneidade não é crime, eles que fiquem no seu canto, chocados, enquanto eu me divirto.
Depois de esvaziar a terceira latinha do drink, eu precisava ir urgente no banheiro esvaziar também outra coisa. Só que foi um momento de pânico: a fila era enorme e modorrenta. E nem todo mundo foi ali para fazer número um ou dois. É o tal do número três: três pessoas entram juntas no reservado para fazer experiências lisérgicas. Olha, nada contra, viu, mas sejam mais rápidos nesta brincadeira. As bexigas alheias não são muito compreensivas e pacientes. Sinceramente, eu sou a favor da descriminalização do número três só para poder desenterditar banheiro de boate. É um horror ficar apertado esperando terminar festinha particular no reservado!
Bom, depois de resolver a questão fisiológica, resolvi circular no ambiente para ver se achava algum amigo. Não tinha. Ou, se tivesse, ele provavelmente preferiu se omitir diante do meu estado, digamos, surpreendente. De qualquer forma, acredito não ter cometido nenhuma grosseria. Sou do tipo bêbado lúcido, e não amnésico.
E nesta volta que eu dei, me deparei com algumas situações comuns de casa noturna de público alternativo. O que me provocou alguns questionamentos. Por exemplo: namorada de DJ que fica grudada na canela do cara e olhando pro povo na pista como se fosse uma praga de gafanhotos querendo abocanhar a sua espiga de milho. Ah, por favor, é até compreensível que o DJ, por ser a estrela da noite, receba cantadas. Mas se você não confia no rapaz com quem se relaciona, nem perca suas noites de sono (literalmente) fazendo cara feia para quem não quer vê-la. Vá procurar, então, um cantor de churrascaria para namorar (a não ser que velhinhas de cabelo lilás também representem um perigo em potencial). Outra coisa é a tal da dark room, a sala com zero de iluminação onde tudo pode acontecer. Mas eu me pergunto: por que os adeptos do sexo casual só conseguem praticar sua libertinagem no breu total? O que aconteceu com os idos tempos do Studio 54, onde Bianca Jagger entrava na pista nua montada num cavalo branco?
É estranho que os homossexuais, hippies e outros lunáticos tenham lutado tanto pela expressão do amor livre apenas para repetir alguns comportamentos viciosos da cultura judaico-cristã como culpa, vergonha, cinismo e soberba. O famoso carão. A obsessão com a estética apático-chic é tanta que conseguiram vingar o modismo absurdo de usar óculos de sol em plena madrugada. Como se a boate não fosse um lugar escuro o suficiente. Não sei como Herchcovitch ainda não lançou uma linha de bengalas para esta gente.
Mas enfim, deixa eles, desfilando impassíveis com a suas calças Diesel falsificadas, que a minha diversão é legítima. Voltei para casa quando já estava amanhecendo. Feliz por me permitir curtir cada momento da noite e já imaginando a ressaca de mais tarde quando acordasse. Já me prometendo não beber TANTO da próxima vez.

Taxidermia sexual

(Postado originalmente em 26/10/2008)

A mídia é mesmo uma fanfarrona. Dá um banho de intelectualidade em bobagens desmedidas e fomentam uma cultura inútil que presta um senhor desserviço à evolução da humanidade. É o caso do fenômeno da metrossexualidade.
Afinal, que raios é um metrossexual? Uma pessoa com fetiche de transar no metrô? Alguém que faz coisas impensáveis com uma trena?
Nada disso. Trocando em miúdos, o metrossexual é só um tipinho fresco que se destaca por uma série de firulas comportamentais cosmopolitas. Nenhuma delas, diga-se de passagem, relacionadas a sexo. Logo, concluo que se trata um imbecil o indivíduo que criou esta alcunha. E mais fatalmente imbecil ainda a mídia que sustenta a idéia, cristalizando, assim, uma série de valores descartáveis e inconvenientes. Se é para falar de comportamento afeminado na sociedade, então deveria se chamar metrossocial, ginomimético, sei lá, qualquer coisas que não tivesse a conotação sexual no seu conceito, pois, justo, não é o ato sexual que o classifica.
Mas a mídia está lá espreitando. Pois as práticas rotineiras do metrossexual-que-não-faz-sexo só podem estar ligadas à sua vida sexual, deduzem. Logo, a torcida quer ver ele sair do armário. E a sede de sangue cor-de-rosa da sociedade não dá trégua.
Esta perseguição homofóbica ao metrossexual-que-não-faz-sexo é apenas o reflexo de um problema cultural muito mais antigo e arraigado da civilização: a misoginia.
A homofobia, o fantasma do momento, é só uma máscara para esconder o desprezo milenar que a sociedade tem pela figura da mulher. Se não fosse isso, o metrossexual poderia viver sossegado pintando as unhas, depilando a virilha e passando protetor labial para lábios sensíveis. Não importa se ele transa mulher. Ele entrou para o achincalhado time dos gays que mimetizam as condenáveis práticas femininas e coloca em risco o seu status superior como homem.
A homofobia é só a ponta do iceberg. Quase que um mero sintoma do problema real. Do contrário, por que tantas bichas desesperadas lutam diariamente no chat para provar umas às outras que são machos além de qualquer afetação? Sim, chat gay é o maior exercicío de (auto)enganação da história da internet. Só vai ser bom se é para trepar com um legítimo exemplar de macho-alfa.
E mais: a aceitação da homossexualidade, como modelo de comportamento aceitável, só funciona se os viadinhos em questão se comportarem como bons moços com H maiúsculo. Porque os travestis, que exteriorizam o feminino, continuam, via de regra, na marginalidade se prostituindo. E drag queen não conta, porque o contexto é praticamente teatral, fugindo da cerne da questão.O problema definitivamente não é de orientação sexual. Dane-se com quem você dorme, contanto que você represente o papel certo. E isso deveria ser muito bem repensado antes de dar continuidade à discussão da tal diversidade. E vamos deixar o rapaz tirar a cutícula em paz sem carimbar um senhor rótulo idiota de metro-que-o-pariu? A tal da sociedade contemporânea agradece.

O avesso do armário

(Postado originalmente em 20/08/2008)

- Mamãe...
- Fala, meu filhote.
- Tenho algo para lhe dizer...
- Diga, minha fofura.
- É possível que a senhora não goste.
- Nada, minha paixão. Mamãe é aberta, sem preconceitos. Desabafe comigo. O que aflige você?
- Mamãe... Acho que sou HÉTERO!
- O QUÊ???????
- Pronto: falei. Acho que é isso mesmo, mamãe.
- Eu não acredito no que estou ouvindo! Não... não pode ser.
- Eu sabia que a senhora ia se desapontar.
- Onde foi que eu errei, meu filho? Criei você sozinha, sem a vil figura masculina de seu pai. Tentei lhe dar uma boa educação. Bonequinhas articuladas, caixa de lápis de cor de 36 cores, disco dos Menudos. E do que adiantou? Olha o que você me diz!
- Mãe, eu queria ser um orgulho para você, mas...
- “MÃE”? O que aconteceu com “mamãe”? No que você está se transformando? Onde foi parar a sua sensibilidade, meu filhote?
- Eu conheci a Fabiana numa festa e...
- “Fabiana”? Por favor, me diga que é nome de guerra de alguma drag queen. E os seus amiguinhos? O que aconteceu com os seus amiguinhos?
- Os meus amigos são só os meus amigos. Não rola nada. E a Fabi não é drag. É menina mesmo.
- Chega! Não me fale mais nada. Não quero saber desta uma que está desencaminhando você. Esta marginal que quer transformar meu filhote num ridículo... MACHO-ALFA.
- Não é ridículo ser feliz!
- Meu filho, eu não estou agüentando tudo isso! Você tem noção do que está me dizendo? Nós moramos no coração alternativo da cidade de São Paulo. A duas quadras do SHOPPING FREI CANECA. Você nunca ouviu falar em inclusão social? Eu depositei todas as minhas esperanças de vanguarda em você. Para poder me sentir atuante na comunidade! E agora? O que os meus amigos vão pensar disso? O que a vizinhança vai dizer quando vir você de mãos dadas com esta umazinha?
- Mãe, se liga. “Esta umazinha” tem nome. E é Fabiana.
- Chega! Chega! Eu não quero ouvir!
- Eu estou apaixonado pela Fabiana, mãezinha!
- Eu não estou ouvindo. Eu não estou ouvindo. Eu não estou ouvindo.
- Olha só. Eu vou pegar estrada com a Fabi. Nós vamos passar o final de semana na praia.
- Praia? Com esta menina?
- Ah, agora você está ouvindo....
- Ai, meu filho... É falta de atenção, né? Diz, filhote, o que você quer? Diz que a mamãe consegue. É um jeans da Doc Dog? É uma camiseta Cavalera? É um frappuccino de chá verde da Starbucks? Agenda Hello Kitty?
- Mamãe...
- A Madonna vem ao Brasil no final do ano! Isso!!! Como não me dei conta? Vamos agora reservar o seu ingresso VIP. Você sempre gostou de Madonna.
- Eu não gosto de Madonna. Eu gosto de Raimundos.
- Meu Deus... Cada palavra é uma pontada de desgosto. Eu devo ter sido uma pessoa muito ruim pra merecer uma coisa dessas. O que vem depois? Carros? Futebol?
- Mãe, larga de mão, okay? Você está condicionada demais. Ninguém aqui do bairro vai se importar se eu for hétero. Afinal o termo vigente não é “diversidade”? Que diversidade é essa que não aceita os diversos aspectos da afetividade humana?
- Ai, filhote...
- Não chora , sua tonta. Eu só quero ser feliz. Do jeito que eu sou. O que eu faço entre quatro paredes com uma garota é problema meu e dela.
- Você já...
- Já.
- OOOHHH, meu Deus...
- E quer saber? Foi muito bom. E tem mais. Vou largar esta faculdade de moda da Santa Marcelinha e tentar o vestibular de engenharia mecânica na USP.
- Se você fizer uma coisa dessas... ESQUEÇA QUE TEM MÃE, OUVIU?
- Hmmmm, okay. Nos falamos, senhora que desconheço. Tchau!
- Meu filhote, onde você vai?
- Vou fazer uma coisa muito vergonhosa! Encher a senhora de netos. Fui!

A lei do maior esforço

(Postado originalmente em 13/08/2008)

Vou falar de um personagem muito recorrente em qualquer ambiente de trabalho. Toda equipe profissional conta com, pelo menos, um exemplar deste tipinho traiçoeiro. Isso quando não são vários. Aí, só sacrificando o prédio da empresa com uma bomba nuclear de efeito moral. Estou falando do ESFORÇADO. Quem nunca chegou para trabalhar num lugar e ouviu, naquele primeiro período de apresentações, que ”Fulano é esforçado” ou “Beltrana é esforçada”? Pois vamos acabar com esta palhaçada agora, porque aqui instituo que ESFORÇADO É APENAS UM INCOMPETENTE VAIDOSO.
Dou início então, com esta assertiva, à minha campanha vitalícia MANDE UM COITADO PRO INFERNO. Mas, por favor, se aderir à campanha, use o bom senso. Estou falando daquele tipo de coitado que na verdade não passa de um falso humilde. Do incompetente vaidoso que tem por única finalidade mostrar que é... ESFORÇADO.
A minha revolta em relação ao tipo ESFORÇADO tem a ver com a dinâmica de trabalho que ele geralmente apresenta. O incompetente vaidoso se veste da segurança moral que é ser um ESFORÇADO para atravancar a pró-atividade necessária no ambiente profissional. No fim das contas, ele mais atrapalha do que ajuda. Mas segue atuante no cargo (às vezes empata por anos) porque, afinal, coitadinho, ele é ESFORÇADO.
No quadro de funcionários, um colega é lembrado por ESFORÇADO quando não pode ser lembrado por mais nada. Por mais que sua postura pessoal apresente um pragmatismo digno de nota, a sua interferência no processo de trabalho é de zero a negativa. Seu único mérito é a política de manipulação em relacionamentos, driblando assim o foco da sua falta de eficiência. Aliás, o EFICIENTE é o inimigo natural do ESFORÇADO no ambiente de trabalho. Muitas vezes, em uma empresa tomada por uma horda de ESFORÇADOS, quando chega um novo colega EFICIENTE, já começa um motim velado para derrubá-lo do seu status de eficiência. E, levando em consideração a Lei Esforçada da Física, que diz que “todo corpo que não pode subir remete proporcionalmente a um corpo que deve descer”, é então que o ESFORÇADO mostra suas aptidões:
- Deslocamento de Tapeçaria: puxar tapete é com o ESFORÇADO mesmo. As técnicas são variadas e podem ir numa escala de sutileza (como omissão “involuntária” de dados importantes para a atuação do EFICIENTE) até às mais drásticas (como formatação “involuntária” do computador do EFICIENTE com todos os seus projetos dentro).
- Combustão de Negativos: queimar filme é tarefa fácil para um ESFORÇADO. Basta ver a questão de erros. Se o ESFORÇADO erra, o faz porque é humano e vamos mudar de assunto porque tem trabalho a ser feito. Mas se o EFICIENTE erra... Você pode ter certeza que um ESFORÇADO vai estar por perto para notificar, registrar o erro e divulgar de forma mais exagerada e distorcida possível. Tudo para que o filme do EFICIENTE seja queimado com a diretoria. Ver o circo pegar fogo é o grande objetivo do ESFORÇADO.
- Veia Teatral: o ESFORÇADO vai do riso ao choro sem a menor dificuldade. Depende quem cruza o seu caminho. Qualquer cena é possível para manter o seu status quo de incompetente vaidoso operante. Mas diante do EFICIENTE, o seu semblante é sempre o mesmo: sorriso cínico e olhar de desprezo, no seu melhor papel de amigo fleumático. Até o EFICIENTE se dar conta, pode ser tarde demais.
Diante de tanto ardil, o EFICIENTE muitas vezes se sente compelido a denunciar tamanhos excessos na diretoria. E o que parece uma manobra eficiente, muitas vezes não surte o menor efeito. Porque o ESFORÇADO não conquistou a sua posição à toa. Ele está ali porque é filho do melhor amigo do presidente da empresa. Ou tem forte apelo sexual com pessoas influentes. Ou detém informações que podem ser usadas como chantagem. Enfim... Depois de tudo, a diretoria, para colocar panos quentes, convoca uma reunião a fim de concluir que qualquer constrangimento ocorrido não passou de um grande mal-entendido. E vamos trabalhar, pois os prazos estão estourados. Para finalizar com chave de ouro, a diretoria ainda sugere uma confraternização simbólica. É o verdadeiro ritual de humilhação: os EFICIENTES precisam apertar a mão dos ESFORÇADOS, que mostram em seu semblante o doce sabor da vitória naquela batalha de influências.
Por isso, eu convoco todos os EFICIENTES a aderirem a esta campanha. MANDE UM COITADO PRO INFERNO. As pessoas até não vão entender, a curto prazo, o porquê de sua atitude tão violenta com um pobre ESFORÇADO. Mas as gerações futuras com certeza vão agradecer você por ter ajudado a construir um mundo melhor. E quem sabe até façam uma estátua em sua homenagem ou lhe confiram o nome de uma rua. Talvez até lhe comemorem um feriado. Mas isso seria injusto, pois o feriado é o DIA OFICIAL DO ESFORÇADO.

Nacos de sabedoria

(Postado originalmente em 14/07/2008)

- Que foi?
- Que foi o quê?
- Por que está com esta cara?
- Talvez porque eu tenha nascido com ela.
- Uia! Que cavalice, eu hein?
- Não enche. Se você soubesse o quanto é chato quando estamos de bode, na fossa, afogados no oceano do tédio e vem alguém chapado até os ossos de otimismo inabalável para lançar a escrota pergunta-clichê "por que está com esta cara", não teria dito.
- Não está mais aqui quem falou.
- Infelizmente está.
- Quer que eu vá embora?
- Deixa eu ver.... Hãããã... Quero.
- Mas eu não vou! Ficarei aqui para ajudá-lo.
- Eu não preciso de ajuda. Eu não pedi ajuda. Eu não quero ajuda.
- E o que você quer?
- Eu quero você... Bem longe daqui.
- Mas o que eu fiz a você para que você me deseje mal?
- Primeiro: eu não lhe desejo mal. Segundo, você não fez nada e, no que depender de mim, nem vai fazer.
- Pois eu vou fazer sim. Porque você é uma pessoa especial, um ser de luz. Você é do bem! Tem que sorrir, tem que agradecer a Deus pela vida que tem, por ter amigos, uma família, por ser uma pessoa bonita por dentro e por fora. Você tem que dizer SIM às coisas boas, ao amor, à Deus. Não pode ficar assim, triste, derrotado. Isso chama energia negativa e, desta forma, as coisas positivas não acontecem. Vamos lá: eu quero ver um sorriso nesta cara AGORA! Alegria! Coragem! Esperança! Amor! Felicidade! Luz! Paz! Harmonia!
- Cala. Esta. Maldita. BOCA!
- Ai, credo!
- Escuta aqui, criatura. E escuta bem. Eu não estou legal. Veja bem: não estou perdido, nem derrotado, sequer vencido ou acabado. Eu só não estou legal. Só isso. Talvez menos legal agora por ter que escutar a sua ladainha pasteurizada. Os motivos do meu humor dúbio são diversos e não vem ao caso. E eu não tenho a obrigação de ser uma pessoa ensolarada. Pelo menos, não sempre. Simplesmente porque eu não sou um modelo de ser humano que se vende em propaganda de margarina. Onde sentimentos positivos ficam mumificados em nosso semblante. Eu sou de verdade, com um lado iluminado e outro na sombra. Sim, eu tenho o meu lado obscuro, como qualquer outro. Inclusive você, auto-proclamado emissário dos céus, tem seu esqueleto atrás do armário. E o que faz de mim uma pessoa melhor é justamente o fato de eu ter coragem de encarar de frente meus fantasmas. De assumir sem medo o crédito pelos pesadelos que assolam minha vida. Ao invés de adotar uma postura alienante que varre todos os problemas para debaixo do tapete. Então, se para você é cômodo adotar esta postura de felicidade eterna, de que você só tem sentimentos bons e energia positiva correndo neste corpo, vá para bem longe de mim. Porque vai chegar uma hora em que você precisará projetar o seu lado sombrio, que não tem canal de expressão, em outras pessoas. Pelo menos que seja em alguém disposto a ser perseguido por você. Eu não estou disponível.
- O-o quê?
- Este é o mecanismo da hipocrisia. Reconhecer no outro aquilo que a gente nega em si mesmo. É tentador apontar o dedo. Acusar. Julgar e setenciar. Sim, o fato de eu estar amuado, pensando nos meus problemas, não quer dizer que eu esteja mal. Muito pelo contrário, estou muito bem por sinal. Mas você reconhece no meu semblante melancólico uma oportunidade de redenção do seu lado mesquinho, sufocado pelo seu arrogante preceito de que a vida tem a obrigação de ser um mar-de-rosas, um arco-íris de alegria e felicidade. Então eu repito mais uma vez: não venha exorcizar o seu lixo em mim!
- Além de azedo, você é louco. Não diz nada com nada.
- Ah, eu sou louco? Então eu vou lhe mostrar do que um louco é capaz!
- Aiiiii! Você me mordeu!
- É que acabaram os argumentos.
- Seu animal! Eu vou embora daqui agora!
- Ah finalmente entendeu. Algo tinha que funcionar.

A título de conhecimento

(Postado orinalmente em 08/04/2008)

- Uau. Eu amo transar com você. Nossa! Acho que essa foi a melhor de todas.
- Eu também adoro estar com você.
- Gosta mesmo?
- Adoro. Acho você linda, gostosa. Gosto de te dar prazer. Gosto de sua história.
- Pois é...
- Pois é o quê?
- É que... Bem, já que mencionou história... Estamos nos encontrando já há dois meses e... Tem sido tudo maravilhoso e tal.
- Então qual é o problema, meu amor?
- É, que... Sei lá, não sei nada sobre a sua vida. Estou cansada de me encontrar em motéis como se fôssemos dois clandestinos.
- Nós combinamos: nada de perguntas.
- Eu sei que combinamos. Mas é que estas incertezas me deixam louca! Eu não sei o porquê de tanto mistério. Você é casado, é isso? Se for, pode me contar. Eu vou entender.
- Não, não é nada disso. Esquece vai. Vamos nos curtir mais um pouco.
- Você é procurado? Um fugitivo? Já sei, um serial killer!
- Nossa! Que imaginação! Nada disso. Não é nada... Deixa quieto.
- Se não é nada, por que você não se abre comigo? Estamos tendo momentos tão maravilhosos. Podemos ir além.
- Mas é justamente por isso, entende? E se mostrando quem eu sou e o que faço acabe estragando com a beleza do momento?
- Meu deus, mas o que você faz que pode ser tão chocante que vá abalar esta experiência tântrica que estamos experimentando?
- Eu não sei se estou preparado para dividir isso com você.
- Vamos lá. Confie em mim. Eu prometo que nada vai abalar a nossa história.
- Você promete?
- Prometo. Diz, meu amor.
- Bem... Eu... (coragem, vamos lá)... Eu sou um criador de títulos nacionais para filmes estrangeiros.
- Criador de títulos?
- É. Sou um redator que se especializou em criar títulos de obras estrangeiras para o mercado nacional.
-Só isso?
- É... Só isso.
- Mas eu não entendo o porquê de tanto segredo. É um trabalho como outro qualquer.
- Você não sabe a polêmica que isso cria. Sou mais odiado que político corrupto!
- Mas por quê?
- Pela falta de fidelidade aos títulos originais. Os cinéfilos mais puristas reclamam demais. Rola perseguição e tudo.
- Sério? Nossa...
- Pois é....
- Tipo: As Panteras que, na verdade, se chamam Charlie's Angels? Os anjos viraram panteras quando passaram pela alfândega?
- É. Por assim dizer.
- É realmente intrigante. Por que esta distorção? Por que não uma tradução literal?
- Porque daí eu ficaria sem emprego.
- Engraçadinho...
- He, he. Na verdade tem a ver com o mercado nacional. O filme é visto como um produto que busca a maior audiência. E estas adaptações são necessárias para garantir bilheteria.
- No caso de As Panteras, o diganóstico presume que o povo brasileiro gosta mesmo é de mulheres sexualizadas e perigosas.
- É. Dá pra concluir que sim.
- Entendo.
- Mas, calma lá. Você partiu de um exemplo antigo. Não fui eu quem batizou os Anjos de Charlie de Panteras.
- Mas é isso que você faz, não.
- É, pode-se dizer que sim.
- Realmente, é irritante. Devo confessar.
- Olha o que você prometeu, meu amor...
- Ok, ok. É que você deveria admitir que muitos títulos não fazem sentido. Angel Heart virou Coração Satânico. O oposto! Assim como Memento, que aqui no Brasil virou Amnésia. Sendo que o personagem do filme diz que seu problema não é amnésia, mas outra disfunção neurológica.
- Coisas de mercado nacional, minha flor. Entenda que o povo brasileiro não sabe lidar muito bem com abstrações e metáforas. Meu trabalho, muitas vezes, é simplificar e tornar mais... Como vou dizer... Entendível a história do filme.
- Sei. Então além de sexista e chauvinista, o povo brasileiro é burro e ignorante.
- Não foi isso que eu disse!
- Mas é esse o raciocínio que justifica a sua função de retalhar a cara dos filmes para que eles se tornem mais "acessíveis" ao povo brasileiro.
- Ih, começou. Quando eu te conheci poderia jurar que você não era cinéfila. Ô sina...
- Que coisa, né... E o que dizer de Mystic River, que virou Sobre Meninos e Lobos. Você há de concordar que um título que poderia ser simples como Rio Místico acabou se tornando quase um soneto.
- É que Rio Místico... Convenhamos, né...
- O que é que tem?
- Ia reduzir público. Só gays e esotéricos (se é permitido esta redundância) iriam assistir Rio Místico.
- Aaaah, entendi. Além de machista e burro, o povo brasileiro é uma verdadeira coleção de preconceitos sem fim.
- Minha flor, quem sabe a gente volta pra nossa função. É tão mais interessante.
- Tá, tudo bem. Só me diga um título que você tenha "traduzido" ultimamente.
- Ah, deixa pra lá. Estou louco pra te encher de carinho de novo.
- Não fuja da raia, rapaz. Vamos lá, estou curiosa.
- Ai, meu pai. Ok, vou dizer. Tudo para ficar com ela.
- Pois é, se quer ficar comigo...
- "Tudo para ficar com ela" é o título do filme.
- Ah... Bom... E qual era mesmo o título original?
- Sweetest Thing.
- E por que a coisa mais doce virou tudo pra ficar com ela?
- Bem, se você quer saber mesmo, a maioria das meninas bobinhas que alugam filmes em locadoras são coitadinhas carentes que, no fundo, no fundo, não passam de umas egocêntricas idiotas experts em por homens para correr. Sendo assim, um título que coloca estas coitadas num pedestal dá mais abertura de mercado ao filme.
- Eu assisti Tudo para ficar com ela. E amei o filme, tá legal?
- Ah, sério. Mas...
- Então isso me qualifica como uma coitadinha egocêntrica que põe homens para correr.
- Não! Não! Você é diferente. Você...
- Bem, nada mais me resta senão te botar pra correr.
- O QUÊ??? Ma-ma-mas... Meu amor...
- Por que você não ficou de boca calada? Eu não precisava saber de sua vida sórdida!
- Mas foi você que insistiu!
- Ah é? E eu sou obrigada a conviver com o fato de que você vive da humilhação da sociedade brasileira?
- De que humilhação você está falando? O que você está fazendo, minha flor?
- Estou me vestindo pra ir embora. Não fico mais um minuto com você! Fique sabendo que estereotipar as pessoas é uma forma de humilhação.
- Nunca foi minha intenção. Veja bem...
- E quer saber? Eu fingi todos os orgasmos. TODOS!!! Adeus.
- Ai, meu pai. Bem que a minha mãe disse. Escolha uma profissão menos odiada, como operador de telemarketing. Mas nããããão. Eu tinha que me meter com esta gente esquizofrênica do cinema.

A teoria na prática é a outra

(Postado originalmente em 02/04/2008)

- Então, Verusquinha, espero que nosso papo esta tarde tenha sido produtivo. Gostou do café? Estavam bons os brioches?
- Tudo perfeito, Adelaide. Melhor que isso, só mesmo suas idéias revolucionárias!
- É tão bom passar a tarde com uma grande amiga, assim de tanto tempo. Tantos anos, não é, Verusquinha? Nós terminamos a faculdade juntas... Foi testemunha de meu casamento com o Juvenal. E cá estamos nós debatendo esta tese que é tão importante para mim. Quero lançar o livro ainda este semestre e preciso de aliados nesta minha teoria sobre o relacionamento humano para me sentir segura de levar o projeto adiante.
- Pode contar comigo, Adelaide. Sempre é um prazer escutar suas idéias sobre relações afetivas, desejo e ciúme. Você tem noção de como isso vai revolucionar a sociedade? Seu ponto de vista é bastante polêmico, amiga.
- Mas eu estou bem embasada, Verusquinha. Depois que me formei, foram vinte anos de pesquisa para chegar a estas conclusões: homens e mulheres só terão uma convivência sadia se perpetuarem o amor livre: sem amarras, sem possessividade, dando o direito de ir e vir ao companheiro.
- Sempre achei a Sociologia do Sexo um assunto inebriante. E você, Adelaide, sempre demonstrou maestria ao lidar com os cânones da base comportamental do ser humano.
- Quem bom contar com o seu apoio, Verusquinha. Geralmente as mulheres, ainda mais numa idade um pouco mais avançada, têm alguma resistência ao novo, ao chamado da nova era. Os modelos tradicionais de relacionamento cairam por terra. Estamos no limiar de uma nova etapa para a sexualidade humana.
- Mas, Adelaide, você sabe que vai encontrar resistência de grupos políticos de extrema direita. Fora os puritanos religiosos que vão queimar seu livro na fogueira.
- Não adianta, Verusquinha. Se o embate for inevitável, assim o será. Eu só não posso me privar de levar o estandarte das novas idéias adiante. O sociedade merece nada menos que isso.
- Estou orgulhosa de você, Adelaide! Tão orgulhosa que... me sinto segura para confessar uma coisa!
- Diga, amiga! Sempre estarei do seu lado. Você sabe.
- Com a sua visão revolucionária a respeito de relacionamentos, me sinto à vontade para confessar que eu já transei com o Juvenal.
- O QUÊ?
- Mas eu sei que você não se importa, né? Afinal você é uma mulher à frente do seu tempo!
- MEU MARIDO? VOCÊ? OS DOIS?
- Sim, amiga. Sexo livre, ué. Como você mesmo diz.
- M-ma-mas é que... o Juvenal... E-eu e... Ele e vo-você...
- Adelaide, qual é o problema?
- VERUSQUINHA? COMO PÔDE? Quero dizer... Eu entrevistei você para o meu projeto... Várias vezes em muitos anos. Você nunca me disse nada!
- Eu menti, ué! Não sou trouxa, né? Só agora que você me convidou para expor suas conclusões do projeto é que eu vi que podia desabafar com você.
- Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo.
- Ih, relaxa, Adelaide. Vai ficar regulando mixaria agora. Como se o Juvenal fosse grande coisa. Vai surtar é? Vai colocar anos e anos de estudo no lixo, porque não consegue aceitar uma evidência prática da sua teoria.
- Verusquinha. Não. O. Juvenal.
- Agora foi...
- Você repetiu?
- Seis.
- Seis vezes????
- Nããão. Seis anos! Mas os últimos dois foram só na base da rapidinha na escada do condomínio. Imagina, Adelaide. Você palestrando sobre a diversidade afetiva pelas universidades de todo o Brasil e ainda podendo se valer de exemplo máximo do seu próprio trabalho. Pensa bem, estou coroando a sua teoria do amor livre!
- SEIS ANOS!!!!!
- Eu devia até ganhar uma porcentagem por isso.
- Sua... Sua... Sua...
- Cuidado com o que for falar, hein Adelaide! Olha a amizade! Olha o estandarte das novas idéias! Não coloque tudo a perder.
- Sua... SUA VADIA! Que tipo de palhaça você acha que eu sou pra me apresentar ao público como uma chifruda debilóide que deixa o marido nas mãos da uma amiga da onça que lambeu os beiços com o macho da outra.
- Adelaide! E a teoria?
- Como eu fui burra, meu deus! Todos estes anos e você posando de santinha do meu lado! Ordinária! Ainda me fez pagar este café caríssimo para eu ficar aqui posando de idiota pra você. Dane-se a teoria! Dane-se você, sua destruidora de lares. Bem que o Juvenal me disse que você não era boa companhia. Me envenenou com suas idéias liberais e agora estou aqui propagando esta luxúria desenfreada por sua culpa!
- O quê? Eu te envenenei? Mas a teoria é sua!
- O que é meu é o Juvenal, sua piranha. Eu vou pra casa agora cuidar do meu marido que eu ganho mais. Isso é o que dá ficar dando trela para más influências. Fico de papinho besta e me descuido na vida.
- Papinho besta? Adelaide... É o estudo de uma vida!
- Cala boca, traidora! Nunca mais fale comigo. Adeus e não me procure mais.
- Nossa... Imagina se ela fosse conservadora. Eu tava morta agora!

Grosseirão é a senhora sua vó!

(Postado originalmente em 01/03/2008)

- Consegui colocar no ar o site que contém meu portfólio. Agora ficou mais fácil vender meu trabalho.
- Ai, que chiiiiique!!
- "Ai, que chique"?
- É... Eu achei superchique você ter um site. Arrasou!
- Como assim?- Como como assim?
- Por que "chique"?
- U-ué... e não é?
- Por acaso você me viu passeando na Oscar Freire fechando o estoque de todas as lojas de grife estupidamente caras e saindo para comer uma tonelada de sorvete de cheesecake de morango na sorveteria da Haagen-Dazs?
- N-n-não....
- Por acaso eu mostrei a você o meu suposto piercing genital cravejado de diamantes africanos extraídos das minas pelas mãos nuas de crianças etíopes subnutridas?
- Não...
- Por acaso você me viu no porto despachando um container recheado de Ferraris para a minha coleção particular de automóveis?
- Não.
- Então me explique o que há de chique em colocar um site na internet cujo conteúdo é apenas uma apresentação do meu portfólio. Foram anos de luta e de trabalho duro para conseguir desenvolver um acervo destes. Não existe glamour nisso. Apenas sangue, suor e noites em claro.
- Eu só quis dizer...
- Você poderia ter dito "ai, que vitória" ou "ai, que conquista", mas nããããão. Teve que apelar para o maldito condicionamento cultural imposto pela televisão.
-Mas eu só quis dizer...
- Você só quis dizer que tem todo o vocabulário que uma novela das oito permite ter, pois seu cérebro virou um saco de gelatina de validade vencida de tanto se bitolar com produtos de emburrecimento social. Parabéns por ser apenas mais uma pessoa.
- Seu... Seu... Seu grosseirão!