terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Natal passado

- Um Feliz Natal pra você!
- Oi?
- É Natal! Eu estou lhe desejando um Feliz Natal!
- Como assim “Feliz Natal”? O que é um Natal feliz?
- Ué, você sabe... É Natal. A gente se deseja “Feliz Natal”. É o que o momento pede.
- Eu gostaria de saber por quê.
- Cara, você bebeu? Porque sim!
- “Porque sim” não é resposta.
- Jura? Por que não?
- Ué, porque sim!
- Ai, olha! Essa conversa está ficando meio confusa. Desculpa aí, viu. Eu só passei pra desejar um Feliz Natal, como é de costume. Não quero atrapalhar...
- Não está atrapalhando em nada. Só tem esta pergunta que não quer calar.
- Qual delas? A do “por que não”?
- Não! Quero saber o que significa desejar um “Feliz Natal”. Até entenderia se eu fosse viajar e você me desejasse uma “feliz viagem”. Ou se eu estivesse começando um novo relacionamento e rolasse um “feliz namoro”. Eu só não consigo entender a essência do desejo de um Natal feliz.  Até porque, vamos combinar, o Natal é um pesadelo!
- Pesadelo? Em que mundo você vive???? Como você pode falar uma coisa dessas?
- É, sim, um inferno dantesco! Pare pra pensar: uma fábula religiosa messiânica aglutinada a um mascote de campanha publicitária vintage de refrigerante que mora no Polo Norte. Tudo regado a enfadonhas lições de moral. Sem falar no panetone com uva passa, amigo secreto, disco temático da cantora Simone, reuniões familiares constrangedoras e uma série de outros pequenos pesadelos ditados por este feriado das trevas!
- Como você não consegue enxergar a magia do Natal?
- Olha, meu bem, quem enxerga a magia do Natal é publicitário, fabricante de brinquedo e usuário de ácido lisérgico. A única coisa que eu vejo é meu saco prestes a estourar com toda esta conversa fiada.
- Mas... E a troca de presentes?
- Vem cá... Você presenteia alguém porque é Natal?
- Sim, ué! É o que se faz.
- Que falta de autenticidade, seu maria-vai-com-as-outras! Eu, por exemplo, presenteio alguém porque eu quero. Porque eu gosto desta pessoa. Porque sinto necessidade de agradá-la. Em qualquer dia do ano! Não preciso esperar o consentimento do Natal pra fazer isso. Esta é a merda dos feriados comerciais. Eles vulgarizam a troca de presentes.
- Então deixa o lance dos presentes de lado. Natal é mais do que isso! É só prestar atenção nas mensagens de paz, amor e ajuda ao próximo!
- O Natal faz você se sentir mais compassivo em relação ao próximo?
- Claro!
- Um dia  in-tei-ro dedicado ao próximo... Uau! Como você é incrível! Incrivelmente egoísta!
- Egoísta??? Eu???
- Amor ao próximo no dia de Natal. Que lindo! Mas tudo volta ao normal depois do dia vinte e seis até o próximo vinte a quatro de dezembro. Vai seguir trocando de calçada para não tropeçar em morador de rua. Assim é fácil, ser uma pessoa melhor um dia por ano.
- Peraí, calma! Talvez seja isso! Talvez seja uma data pra parar e refletir sobre o que precisamos melhorar.
- Jura? Você só pensa em progredir como ser humano no Natal? E o resto do ano estaciona no “é o que tem pra hoje”? Acordando todo dia de ressaca na sarjeta esperando o próximo Natal pra ver o que precisa melhorar? Me diz uma coisa... Como você faz pra andar sem tropeçar nesta indolência toda?
- Socorro! Não é possível! É Natal! Por que você não entende o que eu digo? Tem a árvore... E os pacotes... E o peru...
- Ai... Nem me fala em peru que eu gorfo! Estou pelas tampas com peito de peru. Já percebeu como ele tomou conta de tudo? Está no sanduíche, na saladinha, até na pizza. Só falta fabricarem ice tea sabor de peito de peru!
- Você... Você... Você é uma pessoa que não tem alma! É isso! Está querendo deturpar todo o sentido do Natal! Mas eu não vou entrar na sua onda! E outra: vou te dizer uma coisa!
- Diga.
- Eu sou feliz! Muito feliz mesmo, tá? E o Natal me deixa ainda mais feliz! E eu gosto dos presentes...
- Sei... Presentes... Tipo aquele pijama bordô que você ganhou da sua irmã que não te suporta e ainda comprou a numeração errada e aperta na sua cintura. Que felicidade...
- ... e eu sou feliz porque revejo a família...
- Para encontrar aquela tia que não se conforma porque você não se casou e teve filhos e passar a noite toda se justificando com sorrisinhos amarelos.
- ... e as canções natalinas...
- Ai, chega. Só falta você falar da neve de isopor que colocam na vitrine da loja. As pessoas aqui desmaiando de insolação no auge do verão e as lojas simulam neve com isopor. É isso que te deixa feliz? Bolinhas de isopor? Isso te dá barato? Você cheira isopor? Essa é a magia do Natal? Desmaiar de desidratação todo cagado de bolinha de isopor?
- Que... Horror!!!!! Nunca me senti tão ultrajado!
- Finalmente alguém percebeu o ultraje que é o Natal!
- Não mesmo! O ultraje é você! Eu nunca vou perdoá-lo por isso!
- Me perdoar???? O que você quer dizer com isso?
- Você tirou algo precioso de mim! Roubou a magia do Natal! Agora toda vez que chegar o fim de ano... Eu vou lembrar dessa conversa desagradável. E as festas perderão toda a sua graça. Nunca mais vou conseguir sorrir ao escutar Jingle Bells!
- Sorrir com Jingle Bells? Sério isso? Confessa, vai! Você foi uma daquelas crianças que escreviam cartinha pro Papai Noel dizendo que se comportou o ano inteiro (o que era mentira) pra ver se ganhava um autorama de presente. Bom comportamento mediante recompensa. E são com estes valores que pensam em melhorar o mundo. Erro no aplicativo da humanidade, galera!
- Chega! Pare de falar! Por que você não me deixou felizinho na minha ignorância? Saia já da minha frente, seu estraga-prazeres! Espero nunca mais cruzar com você na minha vida! Passar bem.
- Ai, calma! Não empurra, não! Feliz Natal pra você também! Eu, hein!

domingo, 28 de julho de 2013

Fly me to the Moon

- Leo, meu amor...
- Sim, querida.
- Estive pensando e acho que está na hora de morarmos juntos.
- Você está falando sério, Diana?
- Haja visto, pelos meus cálculos, estamos namorando há três anos, acho que é um processo natural para a dinâmica de nossa relação.
- Uau... Então está realmente acontecendo...
- O que você quer dizer com “acontecendo”? Eu só fiz uma proposta com base naquilo que acredito ser interessante para nós dois. Você não concorda? Eu estou satisfeita com o rumo de nossa história, Leo. Não sei você...
- Lógico que estou curtindo ficar com você, meu amor! Não é isso. É que... Já que vamos dar este passo, acredito que não possa mais haver segredos entre a gente.
- Ué. Eu pensava que já não havia mais. Leo... Você tem algo para me dizer?
- Diana... Sim... Eu preciso falar uma coisa sobre mim que você ainda não sabe.
- Meu amor, estou surpresa!
- Por todo este tempo eu relutei em revelar esse meu lado pra você, com medo de sua rejeição. Mas não tem mais como evitar. A hora é agora.
- Socorro, Leo! Desembucha de uma vez, antes que eu tenha uma síncope!
- Diana, eu...
- Sim?
- Eu...
- Você...
- Eu sou...
- Você é...
- Diana, eu sou astrólogo.
- O QUÊ?????
- Isso mesmo! Eu sou astrólogo, faço mapa astral,  comungo com o Universo e sou sagitariano com Sol na casa doze e ascendente em Capricórnio.
- Gente, eu estou chocada! Eu não sei o que dizer.
- Sei que é complicado dizer algo agora, meu amor. Ainda mais com Júpiter retrógrado em Gêmeos.
- NÃO!!! Não, não e não! Você não vai vir com esta conversa pra cima de mim! Não agora! Droga, Leo! Estava tão perfeito até agora! Você tinha que estragar tudo com esta baboseira de astrologia! Eu pensei que você fosse bancário!
- Mas eu sou! Das dez às dezessete! Depois eu me dedico aos astros. Tenho vários interesses. É coisa de Marte na casa seis.
- Que tanta casa é essa? Vai me dizer agora que é arquiteto também?
- Calma, querida. Relaxe! Eu já tinha previsto este stress. A quadratura de Plutão-Urano no céu está de matar.
- De matar, Leo? De matar é essa sua piada de mau gosto justamente quando eu venho com um assunto sério, sobre a gente ir morar junto e construir algo bacana. Caramba! Eu sou uma cientista social! Nunca me senti tão humilhada em minha vida!
- Talvez esta humilhação seja a influência de...
- NÃO OUSE, LEONARDO!!!! Se você falar o nome de mais um planetinha que seja... Eu juro... Eu não respondo por mim!
- Okay, okay! Não falo mais no assunto! Mas, Didi, vamos combinar! Não é tão ruim assim, vai!
- “Não é tão ruim assim”? “VAI”? Vai você, Leo, à merda! Eu estava preparada para qualquer encrenca! Você ser um golpista, traficante, criminoso profissional. Até mesmo ter outra mulher em sua vida! Ou, melhor ainda, um homem! O sonho de decepção de toda graduada em Sociologia pela Federal é ser trocada por outro homem! Meu sonho é ser uma estatística! Mas horóscopo? Isso é demais pra mim, cara!
- Também, né, Diana! Com este seu ascendente em Virgem... Qualquer história será dura de engolir.
- Ascendente em... Peraí... Como você... Ah, eu não acredito! Agora eu entendi aquela vez que você perguntou a minha hora de nascimento! Você disse que queria festejar meu aniversário de forma pontual. E eu achei tão fofo, nem questionei. Como eu sou trouxa!
- Uma trouxa linda! Que eu amo! E seu mapa é uma beleza! Quer ver?
- Anos e anos de estratificação social, complexos culturais, transculturação e uma porrada de revoluções...  Pra, no fim, amarrar meu burro num arremedo de Paulo Coelho!
- Não fale assim! Sou astrólogo, mas sou limpinho! E faço o maior sucesso com as minhas consultas.
- Agora eu entendi. Toda segunda, quarta e sexta, final da tarde... Você sumia. E eu achando que estava na academia.
- Academia? Três vezes por semana? Em três anos que estamos juntos? COM ESTE FÍSICO? Ah, Diana, nem você pode ser tão ingênua assim.
- Olha... Chega desta conversa, Leo. Aliás, chega de você!
- Oi?
- É, Leo... Não dá mais pra continuar assim. O que minhas amigas pós-doutorandas de Economia Pré-Revolução Industrial vão dizer quando souberem que eu me casei com um astrólogo?
- Isso não está certo!
- Viu, até você concorda!
- Não, não é isso. Não está certo! Vênus acabou de entrar na minha casa sete. Propício ao casamento! Não era para ter este desfecho. Eu não entendo!
- Pois isso só serve para mostrar que este papo de signo é puro folclore. Estou indo embora, Leo. Adeus!
- Então é assim que vai terminar? Eu estou muito decepcionado com você, Diana!
- Você? Decepcionado comigo? Ah, mas essa é muito boa! E o que isso quer dizer? Saturno na casa treze?
- Não existe casa treze! Mas você nem se importa com isso, não é? Está tão cega pela sua vaidade intelectual que não é capaz de se despojar do próprio preconceito!
- Preconceito? Eu???
- Sim, você mesma, sua inteligentinha! E se está tão segura assim de jogar o amor de sua vida fora por conta disso, então vá em frente!
- Leo, também não é assim...
- É assim, sim! A gente de repente existe. Pah! E se dá conta que teve uma infinidade de tempo antes da gente existir. Tipo, infinidade de faltar número pra contar, porque a existência é maior que todos os números que homem pode inventar. E adivinha! Vai rolar outra infinidade igual a essa depois que a gente morrer! E tem mais! Esta infinidade não é só de tempo. É espacial também! Pois nós vivemos presos aqui, neste grão de poeira perdido na Via Láctea e nunca teremos a noção da imensidão de todo o Universo. E, em vista disso, tudo o que eu busco fazer é desenhar um propósito maior pra cada infeliz deste planeta que nasceu com polegar opositor e o usa apenas para criar um perfil na rede social! E isso inclui principalmente você com suas estatísticas sociais, sua libriana fanfarrona!
- Uau, Leo...
- O que foi agora?
- Eu não conhecia este seu lado!
- Do que você está falando?
- Você sempre fez a linha bancariozinho tranquilo. Que é okay, mas...
- “Mas”?
- É que, eu nunca pensei que astrologia pudesse ser um assunto assim tão... Másculo!
- Você achou másculo?
- Sim, de uma forma surpreendente!
- Você ainda quer morar comigo?
- Bem, se as estrelas disseram que sim... Quem sou eu com todo o meu embasamento acadêmico para duvidar.
- E suas amigas pós-doutorandas?
- Ah, qualquer coisa eu digo que você trancou a faculdade de Astronomia. Elas nem vão perceber a diferença, a Sociologia não chegou à Lua.
- Então a Lua é nossa! Meu amor, nosso amor estava escrito nas estrelas!
- Tava sim!
- Estou tão feliz!
- Mas ainda tem uma condição!
- Qual?
- Me chame de libriana fanfarrona de novo!

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Isso é um absurdo!

Como você reage a um absurdo?

Provavelmente você vai parar pra pensar na resposta. Até porque, primeiro, você precisa entender pra si mesmo o que considera um absurdo. E só então dar o veredito. Mas não vale a resposta ideal: “diante de um absurdo eu mostro a que vim, rodo a baiana”. Pagar de bonito na mesa do bar usando a lenda da baiana com labirintite é fácil, bebê.

Mas tranquilize-se. Não precisa dizer pra mim. Responda apenas pra si mesmo: o que você faz diante de um absurdo? Um homem vestido de mulher é um absurdo? Ou uma alpinista social dando o golpe do baú? Moradores de rua viciados em crack? A defasagem educacional brasileira? O penteado da Deborah Secco é um absurdo? Qual é o seu parâmetro?

A atendente do estabelecimento resmungou: “por causa dessa passeata fecharam o metrô. Quero ver como vou chegar em casa. Eles que badernam e sou eu que me ferro.” É interessante perceber que, mesmo sendo uma usuária confessa de transporte coletivo, ela não se sente respaldada pelos manifestantes, que protestam contra o aumento da tarifa. Absurdo, pra essa moça, não é destinar 20% do seu salário pra condução (uma projeção otimista). Absurdo é perder o capítulo da novela.

Já o parâmetro dos manifestantes é ter de pagar um absurdo pra andar de ônibus. Qualquer um com ganhos que não acompanham o ritmo da inflação concordaria. Logo, é razoável concluir que o protesto, a manifestação, a reivindicação não são absurdos. É o contra-absurdo. É uma resposta. E é inevitável, independente de sua opinião.

Abuso de poder, esse sim, é maior de todos os absurdos. Seja um pastor evangélico que dissemina o ódio em seu discurso enquanto alicia sexualmente suas fiéis. Um dirigente público que está mais preocupado com conjecturas do que resolver a vida da sociedade. Ou até mesmo um policial que desce o sarrafo num estudante, mas não rela um dedo no criminoso (porque não é bobo).

A vida, da perspectiva que eu tomei diante dela, é um absurdo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Quem ri por último


- Você sabe o que o pires falou pra xícara?
- Oi?
- Você conhece essa?
- Conheço quem?
- Essa do pires...
- Você está falando do Pires do Financeiro? Ele está conversando com o próprio café? É isso? Interessante... Preciso vê-lo.
- Não! Não! Estou falando de um pires normal! Você não conhece essa mesmo? Do que o pires falou pra xícara?
- Ah, um pires “normal”.
- Ah, por favor, você sabe do que eu estou falando...
- Sim, sim, eu sei! Me diz uma coisa... Faz muito tempo que você escuta este pires conversando com a xícara?
- Não. Peraí... Do que você está falando?
- Calma. Não precisa se agitar. Tudo vai ficar bem. Quando você conversa com o seu amigo pires, o que ele diz a você? Coisas boas? Coisas tristes? Pede para você matar alguém?
- Matar??? Não, calma. O pires não falou comigo. É outro lance. Foi com a xícara... Mas, assim...
- O que você costuma colocar nesta xícara, além do café? Alguma substância ilegal? Ou você entra nesta conversa naturalmente?
- Ai, caramba! Você não entendeu! Eu só queria descontrair o ambiente.
- Claro... Queira, por favor, meu acompanhar! O lugar para onde você vai agora terá muita descontração.
- Ei, que é isso? Me larga! Tá me levando pra onde?
- Eu insisto que me acompanhe! Melhor que seja por bem. Do contrário, chamarei os seguranças!
- Me larga! Eu só estava contando uma piada.
- Não vejo graça nenhuma em fazer piada com a condição dos outros.
- Que condição? Do que você está falando???
- A sua condição, oras! Você acabou de confessar que alucina e conversa com objetos de cozinha. E você ainda quer que eu ria disso! Só pode ser muito doente mesmo.
- Eu não disse isso! Você entendeu tudo errado.
- Quem precisa entender tudo certo é você, caro colega. O Estado me plantou aqui nesta repartição justamente para identificar indivíduos de comportamento errático. É imperativo atuarmos na prevenção de possíveis situações que fujam do controle das autoridades vigentes.
- Como assim? Do que você está falando? Onde você está me levando? O que é tudo isso?
- Estou levando você para o Centro Disciplinar. Um lugar muito especial onde poderá rever muito dos seus coleguinhas. Se lembra da Aninha?
- A Aninha da recepção? Que pediu demissão mês passado?
- Na verdade, ela não pediu demissão. Ela foi recolhida para o Centro. Depois que apareceu com uma conversa sobre tomates que atravessavam uma rua. Desconfiamos que isso tenha sido resultado de abuso de drogas.
- Mas gente, os tomates...
- Você também viu os tomates atravessando a rua??!
- N-não!!!
- Não precisa mentir! Você já está comprometido com o Centro Disciplinar por conta da sua incrível história do pires falante. Só quero entender a dinâmica desses “tomates fujões”. Parece se tratar de um caso de alucinação coletiva ou algo do gênero.
- Olha, é tudo um terrível engano! São só charadas, figuras de linguagem. Ninguém aqui é louco!
- A-há! Então é você!
- Eu? Sou eu o quê?
- Charadas e figuras de linguagem! Artimanhas dignas de um espião! Achamos quem procurávamos afinal. Você trabalha para o inimigo!
- Meu deus! De que inimigo você está falando???
- Não fuja! Seguranças! Ajudem-me aqui com este sujeito! Já acionei o camburão e ele deve estar esperando lá fora. Eu sabia que, em algum momento, você cairia em contradição. Vamos lá, desembuche enquanto ainda consegue falar.
- Desembuchar o quê? Me solta! Eu sou inocente!
- Está pensando que eu sou trouxa? Vamos lá. Desembuche este código. Quem é esse “pires”? Quem é a “xícara”? Eles estão atuando dentro do país? Qual a mensagem que você iria passar adiante? É a senha para algum movimento tático?
- Gente, isso só pode ser um pesadelo! Fui acusado de louco e, agora, de espião! Por favor, deixe-me explicar! Você vai entender que tudo isso é um engano!
- Foi a mesma coisa que o Wagner disse.
- Vocês também pegaram o Wagner?
- Óbvio! Quando ele veio com aquela conversa de pontinho preto, pontinho branco, rosa, vermelho... Era pontinho pra todo lado! Estava na cara que era código Morse. Ele já está lá no Centro e admito que estou surpreso com a sua resistência em confessar a mensagem. Já tentamos todos os nossos métodos de persuasão.
- Não! Não! Pelo amor de deus, do Estado, de quem você quiser! Eu juro que só estava brincando! Não me leve! Eu tenho família pra sustentar! Por favor!
- Este é o problema, meu caro! Qualquer um faz o que bem entende! Mas, na hora de bancar suas próprias atitudes, todo mundo sempre  só está “brincando”. Desculpe, mas não podemos abrir exceções. Você sairá daqui direto para interrogatório no Centro Disciplinar. Au revoir!
- Não! Não! Poooor favooooor!!! Nãããoooo....
- Sempre a mesma cena! Incrível como nenhum deles dá o braço a torcer. Chega até a ser engraçado. Inclusive isso me lembra aquela do papagaio...

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Supervocê

Boa Noite. É com imenso prazer que recebo vocês aqui nesta palestra tão especial. E, quando eu digo especial, me refiro à presença de vocês, visionários, que perceberam o grande potencial do tema que aqui será debatido. Para os que ainda não tem intimidade com a minha pessoa e não leram meus vinte e cinco best-sellers, nove dos quais estão entre os dez mais vendidos no ranking nacional, cabe o momento de eu me apresentar.
Meu nome completo é Elysium Palm-Sunday Andrews, mas, como muitos já perceberam, eu assino minhas obras pela alcunha de Ely Andrews. Além de escritor de sucesso, sou especialista em medicina ayurvédica avançada, catedrático em oceanografia paleolítica, mestre em ciências arcanas sustentáveis e exímio datilógrafo.
Voltando ao motivo do nosso encontro, como se sabe, o ramo editorial da autoajuda é um mercado em franca decadência. Não está fácil pra ninguém! Muitos autores consagrados já estão se virando como podem. Lair Ribeiro abriu algumas franquias da Starbucks em Macapá, enquanto Deepak Chopra voltou à Nova Déli e inaugurou uma rede de churrascarias.
A queda das vendas no gênero de autoajuda não é por acaso. Os tempos são outros, a sociedade já entendeu que é responsável pela sua própria felicidade, todo mundo leu o Segredo, acreditou no poder da autossugestão e deixou de lado o Almeida Prado 46. Mas chega uma hora que se precisa de mais! Num mundo onde todo mundo caminha para frente, criou-se a necessidade de correr para se diferenciar. Claro que eu, na condição de futurólogo autodidata, já havia percebido isso há muito tempo. Por isso, fiz minha corrida e criei um novo patamar para a autoajuda. E hoje estamos aqui para falar das maravilhas da Autoajuda Super. Pois não basta acreditar que se pode ser feliz. É preciso sambar na cara de quem não dava um pingo de crédito para isso.
Alguns de vocês devem estar se perguntando: “Mas afinal, por que super? Qual a diferença dessa para a autoajuda clássica?”. A resposta é simples. A felicidade é como sistema operacional de computador. Outrora já foi simples, mas, hoje em dia, se você não se atualizar de uma semana para outra, pode dar adeus à vida. Você não pode ser só você, ou mais você. Tem que ser um supervocê! E é nesse ponto que entram as minhas aclamadas obras.
Por exemplo, essa edição aqui, é o meu xodó, e está no topo das listas, “Como fazer um bilhão de euros em duas semanas com apenas um atilho e dois clipes”. Para vocês terem uma noção, um garçom de bar de origem franco-brasileira chamado Eike seguiu à risca todos os passos desta publicação e vejam vocês onde ele está agora. Quer dizer, “vejam vocês”, neste caso, é uma força de expressão, porque ele efetivamente ficou fora do alcance da visão da maioria de todos nós. O livro aponta a tendência de ninguém mais querer perder tempo prosperando nos negócios, ter um bom planejamento de vida e construir bases para um futuro promissor. Nossa, que preguiça! Para que passar tanto trabalho se existe um atalho para o topo?
Por falar em topo, eu tenho aqui outro dos meus grandes sucessos de venda que contempla o público feminino: “TPM – Tomada de Poder pelas Mulheres”. Neste livro eu mostro como um ciclo hormonal com toda a sorte de variações de humor pode oferecer uma vantagem competitiva ao sexo feminino. Uma faxineira búlgara que atende por Dilma, depois de ler uma edição de TPM, alcançou a presidência da república de um país sul-americano em dez dias. Percebam vocês que, pela autoajuda clássica, haveria todo um incentivo para se estudar ciências políticas, participar de causas engajadas, ajudar a construir a história de uma nação... E cortar os pulsos, né? Me digam para que perder tanto tempo com isso? Mulheres, se vocês acreditam no poder do real feminismo, daquele que urge todo santo mês, comprem o meu livro e logo terão seu próprio estado soberano para discutir a relação!
E antes que alguém levante a lebre de que o foco da minha literatura incentiva o individualismo, me antecipo trazendo aqui meu recém-lançado volume, mas que já está esgotado em todas as livrarias, com um tema que engloba toda a família: “Bipolaridade consciente em prol de uma linhagem de campeões”. Para você que defende o casamento igualitário, descriminalização das drogas, legalização do aborto e outras causas modernas visando ficar bem na foto em redes sociais, mas só vai destrancar a sua filha do quarto aos 21 anos, direto para a igreja casar. Use a bipolaridade como meio de vida, a fim de explicar todas as suas contradições, e abra todas as portas que você sempre precisou! Aceitar o outro como ele é, sendo este outro, claro, alguém fora da sua família, de outra cidade, país ou planeta, lhe dará uma vantagem competitiva sem precedentes. Afinal, enquanto um estranho segue à deriva correndo atrás do seu próprio rabo em exaustivos exercícios de autoconhecimento, você estará fazendo de sua família um case de sucesso, transformando-a num time de campeões focados em conquistar qualquer coisa que estiver pela frente. E vai aprender que diversidade é um lindo post de Facebook esperando para ser curtindo por você. Mas, na vida de verdade, entenderá que a união é que faz a força. E essa força é você!
Bem, o nosso papo está muito gostoso, mas é chegada a hora de finalizar o nosso encontro. Estou atrasadíssimo para uma reunião em Cuba, onde estou coletando material para o meu novo projeto “Como levantar o dedo médio para uma superpotência mundial e ganhar uma ilha paradisíaca de presente”. Quaisquer dúvidas mandem uma mensagem para o e-mail que consta no press kit. Obrigado pela presença de supervocês nesta palestra! Boa noite!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Atendendo a pedidos

- Oi, eu quero um milk shake médio de napolitano.
- Milk shake somente no caixa ao lado, senhor.
- Qual a diferença? Por que não posso comprar um milk shake aqui?
- Milk shake somente no caixa ao lado, senhor.
- Mas eu acabei de vir do caixa ao lado, porque disseram que ali não passa cartão.
- Infelizmente, senhor, são normas da casa.
- Ah, então se eu quiser tomar um milk shake médio de napolitano e não tiver dinheiro vivo, eu faço o quê?
- O senhor gostaria de estar experimentando algum lanche da promoção?
- Não.
- Nosso Big Hambúrguer com Fritas?
- Não.
- Nossa Big Fritas com Queijo?
- Não.
- Nosso...
- Não! Não! NÃO!!! Eu quero um milk shake médio de napolitano.
- Milk shake somente no caixa ao lado, senhor.
-Eu escutei da primeira vez que você falou.
- Entendi, senhor.
- Ah, entendeu? Entendeu, é? Então agora chega! Porque eu não vou ficar aqui aturando as suas ironias. Eu vou embora agora!
- Infelizmente não será possível, senhor. A sua partida do estabelecimento só poderá ser efetivada mediante consumo de nossos produtos.
- Como assim????
- São normas da casa, senhor.  Para sair tem que apresentar o cupom fiscal na porta. O senhor gostaria de estar experimentando algum lanche da promoção? Nosso Big Hambúrguer com Fritas?
- Eu não acredito! Isso só pode ser pegadinha! Chame o gerente. AGORA!
- Infelizmente não será possível, senhor.  Esta é uma unidade de atendimento com gerenciamento remoto. Para comentários, críticas e sugestões, você pode estar mandando mensagem de texto para asterisco 6969. O senhor está pronto para o seu pedido?
- Olha aqui, engraçadinho. Eu tenho um cartão de crédito e quero tomar um milk shake médio de napolitano...
- Milk shake somente no caixa ao lado, senhor.
- No caixa ao lado, coisinha... Seu colega. Do caixa. Ao lado. Não. Aceita. Cartão. Entendeu?
- Entendi, senhor. O senhor gostaria de fazer o seu pedido agora?
- Não acredito! Isso é um absurdo! Eu vou chamar a polícia.
- Infelizmente não será possível, senhor. São normas da casa. Só é possível validar o ticket do estacionamento e chamar a polícia nas compras acima de R$ 45,00. O senhor gostaria de estar experimentando algum lanche da promoção?
- Eu não aguento mais! EU NÃO AGUENTO MAIS! O que eu preciso fazer para me livrar de vocês? Comprar um lanche? Então me vê a porcaria de um lanche! Maldita hora que eu resolvi tomar um maldito sorvete e entrei neste maldito estabelecimento. Me vê aí uma dessas promoções.
- O senhor prefere nosso Big Hambúrguer com Fritas ou nossa Big Fritas com Queijo?
- AS DUAS!
- Entendi, senhor. Olha, é seu dia de sorte, senhor!
- Jura que é meu dia de sorte?
- Sim! É a Big Quinta Especial! Na compra de duas promoções, você ganha de cortesia um milk shake médio de napolitano!
- Aaah.... Jura?
- Sim, senhor!
- Sabe o que você faz com este milk shake?
- O quê, senhor?
- ENFIA!
- Entendi, senhor. O senhor deseja calda extra de chocolate?