sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Assédio Espiritual



ASSÉDIO ESPIRITUAL: O CRIME QUE NINGUÉM OUSA CONDENAR
(ou como estou lidando com a mais absurda das propostas)
Por Eliandro Ramos

Espiritualidade é um conceito meio borrado. Geralmente é retratada como algum tipo de devoção a certas alegorias culturais. Jesus, Iemanjá, Afrodite, Crianças Índigo, Beatles, Bóson de Higgs. Você nasce e se vê obrigado a respeitar o que parece ser uma cartilha incontestável de transcendência e expiação.
Acontece que espiritualidade não se resume a isso. Inclusive, vai muito além. Graças a uma coisa chamada evolução, o ser humano não simplesmente existe. Ele sabe que existe. E, no que vai vivendo, percebe que sua existência vai acabar. Morte, a derradeira certeza. E essa noção de finitude é avassaladora.  Então vem a pergunta que não quer calar: como conviver com a ideia de que, uma hora, kaputz?
Isso é espiritualidade.
Espiritualizar-se consiste em se armar das perguntas certas para sair em busca das respostas, mesmo que, muito provavelmente, nunca vá alcançá-las. É escolher um caminho. Importante: o seu próprio caminho. Uma jornada pessoal. Aquilo que muita gente bacana fala sobre autoconhecimento e a galera fica olhando com cara de elevador sem entender absolutamente nada do que se está sendo dito.
Não é simples se espiritualizar.
“Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo.” A inscrição no Oráculo de Delfos meio que prepara para a encrenca: para se “dar conta”, para se redimensionar dentro do eterno e do infinito, o entendimento da própria insignificância pode ser uma experiência desoladora. E cada um se vira do jeito que pode para abraçar esta percepção. Passa a vida estudando todos os grandes pensadores. Passa a vida viajando pelos quatro cantos de um mundo esférico sem canto nenhum. Passa a vida curtindo adoidado. Passa a vida meditando. Passa a vida consultando previsões esotéricas. Passa a vida dedicando-se ao pudor porque existem barbudos morando em nuvens que estão vendo tudo o que se faz. Passa a vida rezando. Passa a vida observando as estrelas em noites de céu limpo. Passa a vida enlouquecendo pra encontrar sentido. Sim, porque a vida passa.
Cada um tem o seu jeito de buscar as respostas imbuscáveis. Não é o que se diz? A vida é o caminho, não a chegada. E, assim, cada um se joga na vida, construindo sua história, completando seu próprio álbum de referências e tirando suas próprias conclusões.
Parece lindo, mas não é uma tarefa fácil.
Estar à deriva e experimentar um sentimento incômodo de solidão perante a imensidão imensurável de tudo, vamos combinar, dá um friozinho não muito legal na barriga. E uma galera muito esperta, imbuída do espírito capitalista, percebeu uma oportunidade de ouro nesta história. Criaram kits personalizados de respostas para existência. Imagine você quanta gente perdida por aí que não venderia a mãe para conseguir “respostas de microondas” para seguir com sua vidinha sem precisar surtar com busca de sentido e outras bobagens. A coisa virou um sucesso de vendas!
Só que o ser humano tem esta coisa de ego que é mais ou menos como o apêndice: só serve pra incomodar. O perdido se joga na transcendência fast food e, lá no fundo, percebe que não preencheu seu estômago existencial. E o que ele faz? Reconhece que fez merda? Desiste da escolha? Não dá! Existe uma coisa chamada orgulho, efeito colateral do ego. Vai insistir que as respostas de microondas são incríveis. E não vai sossegar enquanto não convencer o maior número possível de pessoas que suas escolhas patéticas são perfeitas para todo mundo. É quando a espiritualidade vira culto. Vira religião. Vira gincana. Vira guerra. A prerrogativa é simples: quem não pensa igual a mim é meu inimigo.
E a bela história de redenção vira filme de terror B.
Elaborei toda esta introdução para chegar num conceito que estou querendo fazer vingar. O de ASSÉDIO ESPIRITUAL. Numa pesquisa preliminar, percebi que a expressão já era usada por alguns para descrever obsessões ou possessões. Mas, dentro do que eu imagino, ela cabe tão perfeitamente que não vejo mal em fazer uma apropriação. Também já se fala em “assédio religioso”, mas acho um pouco reducionista, levando o foco a um ou dois cultos hardcore que existem apenas para transformar a vida de gente livre num inferno. “Assédio espiritual” é um pouco mais amplo.
Imagine um bullying em doses homeopáticas. Uma pitada de violência misturada numa sopa de calor humano e inclusão. O aliciador é uma pessoa tão cheia de si, segura e confiante, iluminada e objetiva, que olha para você de forma carismática e acolhedora. Se aproxima com um discurso cativante e segue determinado a fazer a sua cabeça com um empuxo gravitacional inesgotável. Há uma arrogância velada no discurso do assediador espiritual. Tudo o que ele fala soa como “EU SEI O QUE É MELHOR PARA VOCÊ”. Mesmo sem saber. Porque (olha só que coincidência!!!), para esta pessoa em questão, o que é melhor para os outros é exatamente igual ao que melhor é para ela mesma.
Eu sei o que é melhor pra você.
E é por isso que estou insistindo no assédio espiritual, e não no religioso. Porque esta influência constrangedora pode tomar tantas nuances, que muitas vezes a gente não percebe o crime acontecendo. É mais fácil se ultrajar com o ato explícito de violência, de alguém que diz “você é um lixo por ser diferente”. Mas como condenar uma abordagem educada e positiva? “Você é incrível, inteligente e com um grande potencial de sucesso, maaaas.... tem umas coisinhas que podem ser melhoradas”. Afinal, a pessoa foi educada e simpática. Como pode ser perigosa? É assim que se identifica um assediador espiritual. Porque sua abordagem é positiva. Diferente do assédio moral, por exemplo,  que coloca qualquer um pra baixo.
O assediador espiritual geralmente começa seu discurso com “você só vai ser feliz se...”. Reparem nas conversas supostamente despretensiosas que existem por aí. Você só vai ser feliz se aceitar deus no seu coração. Você só vai ser feliz se perder dez quilos. Você só vai ser feliz se alisar o cabelo. Você só vai ser feliz se casar e formar uma família. Você só vai ser feliz se evitar geminianos com ascendente em escorpião. Você só vai ser feliz se for igual a mim.
Sentiu o drama?
E por que de repente esta necessidade de falar desse assunto?
Passei por uma experiência muito constrangedora e achei importante dividi-la com os amigos. Uma certa pessoa, a cerca de um ano, se aproximou de mim e resolveu agarrar amizade. Frequentávamos a mesma academia e ela me via pelos cantos, fazendo meu treino quietinho e sem muita interatividade. Eu parecia uma presa fácil. A criatura era uma pessoa articulada, carismática, divertida. Não vi nenhum mal em dar vazão a esta aproximação. Entrei no clima. Passamos a frequentar as mesmas aulas de ginástica, fui adicionando em suas redes sociais e no seu grupo de whatsapp. Ela, sempre que podia, citava um curso de aprimoramento mental baseado em preceitos científicos que fariam Niels Bohr se revirar no caixão. Tomei como uma bobagem de autoajuda. Volta e meia eu era assediado com esta ladainha e, educadamente, saía pela tangente. Mas a pessoa estava obstinada a levar o assunto adiante.
Até que, esta semana, na cabeça dela, se fez a oportunidade de me sugerir uma terapia de conversão para heterossexualidade.
A abordagem foi calculadamente elogiosa. “Nossa, Eliandro, como você é especial, inteligente.” A conversa começou a ficar estranha quando ela disse “eu quero te dizer algo, mas você precisa que me autorizar primeiro”. Muito estranho. Como vou autorizar algo que não faço a menor ideia do que seja? E, então, no melhor estilo “eu sei o que é melhor para você” seguido do “você só vai ser feliz se...”, a criatura desfilou uma série de desumanidades sobre “escolhas de vida” de homossexuais, mas que isso era muito simples de reprogramar. O primeiro impulso foi do mais puro ultraje, mas ainda segurei a onda um pouco, como se achasse o debate possível, tentando desarmar suas teorias, assim, “de boa”. Mas quanto mais eu rebatia, mais ela reafirmava sua lavagenzinha cerebral de quinta categoria.
De repente, eu fiquei com raiva. Não da pessoa. Mas de mim, que, na veemência de completar 40 anos, ainda me permito arroubos de ingenuidade. De não perceber a aproximação de equivocados. Depois veio um certo pânico. Me preparei tanto para lidar com violências explícitas, físicas e verbais, que acabei baixando a guarda para as dissimuladas. Essa criatura tem vários amigos gays, frequenta balada GLS. Ninguém poderia imaginar suas intenções, até ela se sentir confortável para expô-las.
Dei um passo atrás. E ela percebeu que deu o bote na pessoa errada. Me procurou com uma verborragia cacofônica tentando embaralhar minha percepção com justificativas aleatórias. Saí de seu grupo e ela veio perguntar o que havia acontecido (como se não soubesse). Eu disse que não conseguia compactuar com a sua filosofia de vida. Ela, no melhor estilo controle de danos, veio com tudo: “deixa eu te explicar esta raiva que você está sentindo para que você possa entender tudo”. Eu ainda me dei o trabalho de replicar: “é justamente sobre isso que estou falando, você quer explicar algo que está acontecendo dentro de mim, algo que só eu posso explicar”. Ela seguiu incansável. Jogando todas as fichas na veemência de ser desmascarada: “sobre aquele assunto, não era uma opinião minha, não era sobre você, nada contra, é só um processo terapêutico”. A essa altura já parei de responder. Em seguida, estava devidamente bloqueada.
Do meu ponto de vista pessoal, na minha jornada particular, é uma experiência muito desagradável. Porque me coloca num holofote que oferece uma exposição não muito bem-vinda. Agora vou ter que ir à academia, praticar meu treino, correndo o risco de cruzar com esta maluca. Dos possíveis constrangimentos, discussões. De explicar aos amigos em comum o que está acontecendo. Confesso que cheguei a cogitar de dar um tempo da rotina de exercícios. Mas, se eu fizesse isso, o maluco da história seria eu. Fico imaginando quantas outras pessoas ela deva estar assediando que não tem tão claro pra si um senso de autoconfiança. O que não é difícil. No impulso de ser autêntico, nos revelamos inadequados. E ser inadequado não é gostoso, apesar de ser importante para a tal jornada que falei no começo. Então vem uma raposa carismática oferecendo adequação. Presa fácil é o que não falta.
Assédio espiritual deveria ser um crime tão grave quanto o moral ou o sexual. Mas a nossa cultura nos programou para não bater de frente com qualquer coisa que venha revestida numa embalagem de bom, belo e agradável. Espero que, com este prolixo desabafo, eu tenha oferecido a alguns amigos a oportunidade de refletir sobre o tema. E de, num futuro próximo, podermos nos encontrar para debater seja sobre o que for de uma forma saudável e positiva. Onde haja oportunidades iguais para se ouvir e falar de ambas as partes. E que todos saiam disso maiores do que entraram. E não fracionados. Fragmentados. Reprogramados.
Convido a todos a pensarem sobre o seu próprio caminho. Na sua jornada. Com sua crença ou descrença. Sua religião ou ciência. Com seu elogio ou crítica. E provar para o universo que a raça humana não é um desastre completo.

terça-feira, 31 de março de 2015

Céus!

Carta aberta à humana residente na parte ocidental das costas da minha esposa.

Filha, não me chame mais de "Papai do Céu", que eu não lhe dei esta intimidade. Meu nome é Urano. Aliás, Senhor Urano para você. E anote aí um recado: detesto exposição.

Então, quando a coisa apertar pro seu lado e precisar de alguma resposta, pare de olhar pra cima. Não posso tomar um banho, cortar uma unha, nem tirar uma catota do nariz que tem sempre alguém espionando meus movimentos. Está achando que a abóbada celeste é site de fofoca? Menos, bem menos!

Se precisar olhar pra algum lugar, sei lá, olhe pro chão, pro espelho, pro calendário de gatinhos ao lado da geladeira, pro pôster do Amado Batista na parede do quarto... Só, por favor, não olhe em direção à linha do horizonte! Que é um ambiente bastante íntimo pra mim, onde eu e minha senhora consumamos o nosso casamento.

Sim, eu sou casado, e minha esposa Gaia não está gostando nem um pouco deste assédio todo que eu recebo de vocês. Ela é o que chamariam de "Mamãe da Terra", mas é melhor nem tentar, porque a patroa está puta com a sua turminha de ingratos. Vocês andam pelas costas dela aprontando poucas e boas! A bagunça que fazem não tem a menor explicação!

É impressionante! Demos a vocês encéfalo avantajado, nudez epidérmica e polegar opositor. E o que fizeram com isso? Usam a cabeça como cabide de chapéu e enfiam os dedões nos rabos uns dos outros sem a menor cerimônia. Desculpa, mas em mim é que não vão enfiar nada!

É tanta pressão que o nível de stress está me fazendo somatizar complicações na minha camada de ozônio. Não há tratamento dermatológico que tape tanto buraco! Não posso nem mesmo dar um alô pro Apolo sem ficar me coçando todo depois. Me deixe em paz, por favor!

Mas, menina, assim, não precisa chorar, vai! Se necessita tanto de um respaldo espiritual eu vou dar um jeito. Até pra não ser acusado depois de negligência divina. Vou aqui escrever uma carta de recomendação para que todos vocês da sua turminha de símios histriônicos possam ser atendidos pelo meu filho Hades. Ele os receberá de portões abertos! E é bom porque o menino tem uma pegada forte, dessas que ajudam a elaborar karma.

Agora dá licença que vou lá reorganizar minha coleção de constelações. Fique com os Deuses!

sábado, 10 de janeiro de 2015

TESTE: Que tipo de babaca você é?

O assunto sempre acaba quando você chega? As pessoas pensam antes de falar qualquer coisa pra você? Acumula “afes” nos seus comentários em redes sociais? Não importa a previsão do tempo, sempre há nuvens carregadas de climão por onde quer que você vá? Coleciona adjetivos contundentes como “boçal”, “inconveniente”, “imbecil” e “ignorante”? Já aprendeu todas as formas de como o recalque bate e volta nas suas conversas informais? Atenção, você pode ser um babaca. Mas como as probabilidades oferecidas são ligeiramente vagas, realizaremos aqui um teste onde você poderá não só determinar se realmente é um babaca, como também o tipo de babaquice que mais combina com a sua personalidade. Esse quiz é muito fácil! Basta escolher uma alternativa para cada questão apresentada. O resultado você confere no final.

1) Fundamentalistas religiosos assassinaram notórios cartunistas em Paris por conta de charges que abordam o islamismo de forma polêmica. Você pensa:
a) Ninguém mandou viver na vadiagem. Desenhar é coisa de criança. Se estes franceses metidos tivessem uma profissão de verdade, estariam vivos agora.
b) Que fique claro: nada contra os artistas! Eu mesmo tenho vários amigos que fazem silk de camiseta. Mas, verdade seja dita, se eles fizessem desenhos de bom gosto não teriam levado chumbo grosso.
c) Cara, onde estão os cartunistas que estavam aqui? Eles realmente sabem como sair à francesa! Morri depois dessa!
d) Com religião não se brinca! Esses depravados franceses aprenderam com quantos furos se faz um queijo roquefort.
e) Desenhar é coisa de retardado! Tem que matar tudo! 

2) A prefeitura de São Paulo vai disponibilizar uma bolsa para que travestis e transexuais possam estudar. Você pensa:
a) Isso é desperdício de recursos! Eu pago impostos! Esse prefeitinho vai gastar o meu suado dinheiro neste bando de anormais?
b) Que fique claro: nada contra os gays! Eu mesmo tenho vários amigos cabeleireiros. Mas, verdade seja dita, esses travestis vão gastar toda a grana em silicone.
c) Essa bolsa que o prefeito vai dar, as bonecas vão usar pra rodar na esquina?
d) Essa gestão é daquele partido que tem pacto com o diabo! Esta cidade está virando Sodoma e Gomorra!
e) Tem que matar tudo! Inclusive o prefeito que é outro viadão!

3) A filha de 17 anos de sua empregada foi estuprada quando voltava do cursinho à noite, enquanto esperava o ônibus para voltar pra casa. Você pensa:
a) Só falta a piriguete engravidar. Já estou vendo a minha empregada aparecendo aqui pra pedir aumento porque vai ter mais uma boca pra alimentar.
b) Que fique claro: nada contra mulher independente! Eu mesmo tenho várias amigas que são encalhadas e precisam se virar. Mas, verdade seja dita, quem sai na chuva é pra se molhar...
c) A moça tem que olhar pelo lado bom. Pelo menos é comível!
d) Aposto que estava toda oferecida em trajes sumários convidando estranhos à fornicação! Se estivesse em casa lavando uma boa louça, nada disso teria acontecido.
e) Tem que comer mesmo e depois matar tudo estas putas.

4) Você mora num bairro de classe média alta da sua cidade e descobre que se mudaram para o seu prédio um negro, um boliviano e um coreano. Você pensa:
a) Puta merda! O que falta agora? Um vizinho viado? Aí já é demais! Vou ter que falar com o síndico.
b) Que fique claro: nada contra as outras raças! Eu mesmo tenho vários amigos de cor. Mas, verdade seja dita, eles vão acabar se sentindo deslocados aqui neste ambiente.
c) Isso que é mordomia! Vivo no prédio com o maior número de porteiros por morador da região!
d) Minha morada virou uma Torre de Babel! Só falta cair um raio e destruir tudo! Misericórdia!
e) Crescem que nem capim. Tem que matar tudo.

5) Seu carro para no sinal e um ambulante se aproxima de você para vender balas. Você pensa:
a) Vou fechar o vidro rapidinho e ligar pra polícia. Esses marginais não perdem uma chance de promover um assalto.
b) Que fique claro: nada contra os ambulantes. Eu mesmo tenho vários amigos que me vendem temporadas completas de séries no camelódromo. Mas, verdade seja dita, ele só está ali vendendo bala pra não ter que ir estudar.
c) Quem mais pode dizer que pega um bronzeado maneiro enquanto trabalha?
d) Eu já faço minha parte pagando o dízimo. Esses garotos de rua só querem dinheiro para se drogar e encher a cara de pinga.
e) Se ele for um pouquinho mais pra esquerda eu consigo atropelar. Tem que matar tudo.

RESULTADO DO TESTE

Maioria das respostas alternativa A: BABACA STANDARD
Você é o babaca clássico. Que acredita estar acima do bem ou do mal por ser um pouco mais bonito, e/ou mais rico, e/ou mais branco, e/ou mais macho que o resto da humanidade. Constranger os outros é um esporte! Acumula desafetos como quem coleciona figurinhas da Copa. A sua limpeza de karma pode custar um pouco caro.


Maioria das respostas alternativa B: BABACA ENRUSTIDO
Você jura que é uma pessoa descolada e até consegue convencer os outros disso. Mas, no fundo, não passa de um careta dissimulado que só sabe minar a autoestima alheia com suas “inofensivas” colocações. É fã de Cazuza, Legião Urbana e Maria Gadu, mas ainda acha que é cedo demais para se falar em casamento igualitário. Troque seus discos da Cássia Eller pelos da Cláudia Leitte. Vai lhe cair como uma luva.

Maioria das respostas alternativa C: BABACA CARISMÁTICO
Você é tão fofo que, não importa o que diga, dá vontade de te apertar como se fosse um bichinho de estimação. É aquele babaquinha que toda mãe, avó e tia morrem de orgulho porque é lindo, inteligente e engraçado. Provavelmente já deve ter um fã-clube seguindo você em redes sociais. Aproveite para faturar, apresentações de stand up comedy ainda conseguem render uma graninha.


Maioria das respostas alternativa D: BABACA CONSERVADOR
Você provavelmente foi aquela criança que só escutou duas coisas durante toda a infância: “não” e “deus está vendo”. Cresceu complexado, mal-resolvido e agora vive para ostentar esta cara de cú. Sempre ultrajado, garantirá que ninguém mais possa ser feliz com suas próprias liberdades pessoais. Mas essa babaquice tem cura! Dá que passa!

Maioria das respostas alternativa E: PERTURBADO MENTAL
Você não é um babaca. É um psicopata! Já deve ter incendiado um morador de rua só por diversão. E mais: como temos um sistema de valores muito babaca, seus delírios psicóticos não são vistos como algo grave. Parabéns, é um tremendo golpe de sorte viver em uma cultura onde sua doença é tratada com toda consideração e respeito. Então, já sabe, não mate tudo! Deixe o suficiente para que o país siga em frente. Vá que a nação vizinha ache o seu comportamento minimamente estranho.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Esperando anos

Eu sempre tive uma implicância com o numeral catorze. Tem gente que fala "quatorze". Na segunda série, a professora ensinou que as duas grafias eram corretas. No alto dos meus sete anos, me senti ultrajado. Se todos os números tinham uma única forma de se apresentar, quem o catorze pensava que era para ser, assim no mais, quatorze? O quatro, se desse na telha, não poderia ser chamado de "catro". Não lhe deram esse direito. Isso não estava certo! O catorze, em termos de indignação, só perdia pra letra "h", aquela que não tinha som nenhum (então, pra que existir se não serve pra nada?). Enfim, uma criança perdendo o sono com as injustiças que lhe cabiam.

Talvez seja o eco desta birra infantil que tenha melado o meu entendimento com o ano vigente. Fiquei com esta impressão, do ano que foi uma coisa, mas poderia ter sido outra. 2014 se revelou da forma como bem entendeu, imitando sua peculiar variação gráfica. Prometendo uma pá de coisas e, no lugar dos resultados, oferecendo outras novas promessas. Pra quem padece do encosto da ansiedade, foi uma verdadeira provação.

Bem, são (quase) águas passadas. Agora tem o quinze chegando aí. Pensei em idealizar um ano cheio de surpresas, realizações e outras coisas bacanas. Mas acabo de lembrar que, desde o primário, também guardo implicância com dígrafos (duas letras soando como uma? Que marmota!). Não adianta, tenho TOC. As implicâncias são vitalícias.

Mas isso não é motivo para ser derradeiro ou fatalista. O ano nem bem começou e já vou olhar atravessado? O momento pede perspectiva. Talvez seja hora de olhar os anos que passam de outra forma. E me tornar o marco zero dessa mudança que espero na vida. Deixar a ortografia de lado e apostar em unidades de medida. Quinze é um quarto de hora. Dificilmente escuto meio-dia e quarenta e cinco. Todo mundo fala quinze pra uma. E pode ser neste insight, o da antecipação do um novo momento, a contagem regressiva, de acertar os ponteiros, tocar o despertador e fazer o cuco piar que seja interessante enxergar 2015. Pode ser que eu não precise de um ano novo. Talvez sejam os anos que precisem de um novo eu.

É... Talvez seja isso.

Então, pessoas, feliz novo ano! Feliz novo eu! Feliz novo você! Temos quinze minutos para nos livrarmos de tudo que nos impede de fazer da vida aquilo que a vida deveria ser.

Sigamos!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Orange is the new black

- Boa tarde! A senhora já sabe o que vai pedir?
- Oi, eu vou querer só um suco de laranja.
- Okay! Suco de laranja saindo!
- Ah, e sem açúcar, por favor.
- Perfeito! Sem açúcar!
- E sem gelo também.
- Certo, sem gelo...
- E sem laranja.
- Sem la... Perdão... Sem “laranja”?
- Sim, sem laranja. É que laranja não me cai bem. Muita acidez, ataca meu estômago.
- Mas, senhora...
- O quê?
- Um suco de laranja “sem laranja” não é bem um suco de laranja. Tem certeza que não quer pedir outra coisa?
- Olha, meu querido... Semana passada a Giovanna Antonelli apareceu na novela tomando um suco de laranja. Desde então é só o que se pede em lanchonetes. Você não pode me dizer pra fazer vista grossa ao grande hype do momento em termos de refresco! Está querendo me chamar de cafona? De brega? É isso?
- Não, minha senhora! Longe de mim! A senhora é finíssima!
- Então me veja um suco de laranja. E sem laranja. É tão difícil assim?
- Acho que entendi. A senhora quer uma água mineral sem gás.
- Ai... Não, não, não! Gente... Que dificuldade! Não sei o que é tão complicado de entender. Sabe laranja?
- Sim, senhora, eu sei o que é uma laranja!
- Então prepare um suco com esta fruta. Mas na hora de fazer, tire a laranja! Viu como é simples?
- Senhora... Pensa comigo....
- Que rapaz insolente! Cadê o gerente deste estabelecimento? Chame ele aqui agora! Perdi a paciência!
- Opa! Não! Calma... Não precisa chamar ninguém. Está tudo sob controle. Sabe o que é... É que aqui, pra evitar umas tranqueiras tipo fungo, micose, salmonela... Não trabalhamos com laranjas naturais. Aqui é só suco em pó mesmo. Tang, Clight, Frisco... Estes pequenos laboratórios químicos que cabem num envelope.
- Jura?
- Sim, minha senhora! Não dá mais pra confiar em laranja! Fruta de clima temperado... Aquecimento global bombando, as laranjinhas chegam aqui todas vencidas. Essa onda de piriri que tá rolando é tudo culpa de suco de laranja natural.
- Estou passada!
- A senhora e todas as laranjas! Passadíssimas!
- Mas a Giovanna....
- Aquilo provavelmente é suco cenográfico. Eles jogam anilina no drinque da artista na hora de gravar.
- Entendi...
- Pra senhora ver como são as coisas.
- Mas isso não é justo! A Shir, a Rô, a Sú, a Flá, a Rê loira, a Rê morena, a Rê ruiva... Todas as minhas amigas estão tomando suco de laranja! Eu não posso ficar de fora!
- Mas... E se a senhora entender isso não como um problema.... Mas uma oportunidade!
- Uma oportunidade?
- Sim! De se firmar como uma pessoa autêntica! De opinião! Que sabe o que quer! Que não se deixa levar pela manipulação midiática! Que está além deste controle! Você não quer ser uma pessoa assim?
- Uau! Eu... eu quero sim!
- Então! Me diga qual é a fruta que a senhora mais gosta?
- Hmmmm... Gosto de framboesa.
- Então! Um suco de framboesa no capricho!
- Me parece uma excelente pedida!
- Ah, viu? Eu não te disse?
- Obrigada por me ajudar. Só quero fazer uma pergunta.
- Pois não, senhora?
- Essa framboesa de vocês... É cor de framboesa mesmo? Não tem uma variedade, tipo assim... Mais alaranjada?
- Não, senhora. Nossa framboesa tem cor de framboesa...
- Hmmm, entendi. Mas e o copo? Tem copo laranja?
- Trabalhamos com copo de vidro sem cor, senhora.
- Sem cor?
- Sem cor.
- Nem mesmo um detalhe de design... Tipo... Uma rodela de laranja enfeitando o copo?
- Infelizmente não, senhora.
- Então... Faz o seguinte. Deixa assim. Não vou querer nada.
- Ué... Desistiu do suco de framboesa?
- É... Sei lá. Perdi a vontade. Mas obrigada por tudo.
- A senhora que sabe...
- Vou indo... Ah, mais uma coisa!
- Pois não?
- Você pode embrulhar pra viagem?

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Gay for dummies

- Olá, eu sou Dona Coisinha e estamos começando mais um Coisa com Coisa, o talk show feito para você que, assim como eu, é uma pessoa normal! No programa de hoje temos uma entrevista pra lá de polêmica! Nossa produção saiu às ruas, nesse mundo afora, uma terra sem lei, e conseguiu capturar... Hã, quero dizer, “convidar para ser entrevistado” um autêntico exemplar de homossexual. Estamos aqui hoje com esta... "pessoa" que vamos chamar pelo nome fictício "Pedro" a fim de preservar a sua verdadeira identidade e evitar a indevida exposição. Oi, "Pedro"! Tudo bem?
- Oi, Dona Coisinha! Na verdade, eu me chamo Pedro mesmo.
- Okay, se prefere assim, vamos começar, "Pedro Mesmo"!
- Hã, na verdade é só Pedro.
- Gente, eu posso com isso? É melhor você se decidir logo. Esta mudança brusca de opinião é uma dessas coisas gays?
- Como assim, "coisas gays"?
- Então "Só Pedro"...
- Pedro.
- Então, "Pedro"... É justamente pra isso que você veio aqui hoje. Porque nós, pessoas normais, estamos precisando de um tutorial gay, entende? 
- Tutorial gay?
- Sim! Veja bem: Deus criou as mulheres solteiras e homossexuais para serem perseguidos e apedrejados. Só que com as eleições brasileiras de 2014, tudo ficou meio estranho, sabe? Não sei que macumba aquela distinta senhora avulsa e seu peculiar amigo invertido que já foi estrela de reality show fizeram para conquistar posições tão respeitosas no cenário político nacional... Mas, conquistaram, né? E agora, ao invés de apedrejar, temos que, vejam só, “di-a-lo-gar”.
- Ah, claro! Diálogo sempre funciona.
- Funciona, sim. Num bom roteiro de novela... E por falar em novela, chegamos ao primeiro assunto do programa: beijo gay. Autor de novela agora virou terrorista, porque vive ameaçando a sociedade com um beijo gay em horário nobre. O beijo gay é uma coisa hedionda! Mas, a gente que é normal, não sabe como ele é, porque, quando vai acontecer, a gente vira pra não olhar. Quer dizer, sabemos que é horrível, mas não sabemos como ele funciona. "Pedro", você poderia então, nos descrever a dinâmica de um beijo gay?
- Essa é fácil!
- Ui! Vocês aí de casa, se preparem! O programa de hoje promete! Nosso convidado, que resolvemos chamar de "Pedro”...
- Esse é meu nome.
- ... Vai nos contar os detalhes sórdidos de um beijo gay! Tirem as crianças da sala!
- Então... Vamos supor que eu estou andando por aí e, de repente, cruzo com um rapaz interessante e rola um clima...
- Esse “rapaz interessante” seria o Laerte?
- Hmmmm... Não necessariamente.
- Esse “rapaz interessante” votou na Dilma?
- Não sei, a gente se cruzou de repente. E como rolou um clima, eu estou mais preocupado em beijá-lo do que saber as suas opiniões políticas. Estamos falando de beijo, certo?
- Eu acho que ele votou na Dilma.
- Bom, que seja! Posso continuar a história?
- Sim, claro.
- Então. Rola este clima, a gente vai se aproximando. Nossos lábios se encontram, nossas bocas se encaixam e, por fim nossas línguas se entrelaçam.
- E depois?
- Depois o quê?
- O que acontece depois disso?
- Nada. O beijo acaba.
- Não, você entendeu errado, "Pedro". Eu não pedi a descrição de um beijo normal. Eu e meus telespectadores queremos saber como funciona um beijo gay. O que ocorre durante tudo isso o que você disse? Enquanto vocês tocam seus lábios vocês cometem algum infanticídio em nome de Fidel Castro?
- Hmmmm, não.... Ninguém morre.
- Jura? E não fazem alguma oração a um anjo caído ou divindade de culto politeísta antes de trocar saliva?
- Não.
- Nem depois?
- Nem depois.
- Esse beijo não acontece diante de uma urna eletrônica enquanto ambos votam na Dilma?
- Não acho seja possível beijar alguém durante uma votação como esta.
- A Dilma não traz um grupo de médicos cubanos para fazer um strip-tease enquanto vocês se beijam?
- Hã... Não imagino coadjuvantes em coreografias excêntricas. Acho que o beijo gay é bem simples. Boca com boca e pronto.
- Muito estranho. O beijo que você descreveu me parece bastante normal.
- Talvez seja.
- Ou... Talvez você não seja gay. Você me parece normal demais para ser um gay.
- Talvez gays sejam normais.
- Ah ah ah! Que timing pra humor! Isso é uma daquelas coisas gays? Fazer rir? Bem, de qualquer forma, não podemos atrasar com a pauta do programa. Próximo assunto: casamento gay. Você se imagina casando, "Pedro"?
- Quem sabe... Se eu encontrar a pessoa certa...
- Não se iluda, criaturinha! Não existem pessoas certas nesse seu estilo de vida. Só as pessoas normais estão certas! Mas me conte. Como seria este casamento gay? Estamos todos curiosíssimos para saber.
- Bem, tendo eu certeza que gostaria de passar o resto de minha vida ao lado de um interesse romântico...
- Ah ah ah!
- O que foi, Dona Coisinha?
- Engraçado você! "Interesse romântico"... Todo mundo sabe que romance é uma coisa normal. O que você e seus amiguinhos fazem é outra história.
- Então... Tendo eu certeza que gostaria de passar o resto da minha vida ao lado de alguém que estivesse disposto a fazer "outra história" comigo... Nós conversaríamos sobre isso, marcaríamos a data, convidaríamos nossas famílias...
- Mas suas famílias brigaram com você!
- Hmmmm, não... Tenho uma boa relação com a minha família, pra falar a verdade.
- Ah, entendi. Você está “no armário”! Todos pensam que você é normal!
- Não, Dona Coisinha. Só estou descrevendo como seria um casamento gay.
- Claro, desculpe, pode continuar.
- Convidaríamos nossas famílias, amigos, daríamos uma festa. Chamaríamos um juiz de paz, selaríamos a união e brindaríamos com uma bela festa.
- E depois?
- Depois o quê?
- Eu preciso saber o que configura este casamento como “gay”. Você só me descreveu um casamento normal. Vocês promovem uma passeata de mendigos para invadir propriedades de pessoas normais enquanto se casam?
- Acho que não. Essa revolução toda não iria combinar com o tule dos bem-casados.
- Vocês votam na Dilma durante a cerimônia?
- Acho que nem é viável, Dona Coisinha.
- E nada de vaginoplastia coletiva em poodles para transformá-los em pets travestis e usar seus testículos como aperitivo da recepção?
- Acho que preferiria algo mais clássico. Pensei em bolo com espumante.
- Já sei! O Jean Wyllys é sua madrinha!
- Não!
- Dama de honra?
- Não!
- Aia?
- Não...
- Jean Wyllys e Dilma sequestram todas as criancinhas durante o casamento e mandam pra Cuba trabalhar como escravas nas plantações de maconha para fins medicinais!
- Dona Coisinha, sua imaginação é um caso à parte! Mas eu realmente penso numa cerimônia simples. Talvez soltar pombas brancas no final.
- "Pedro", você não está me ajudando! Eu não pedi pra você me descrever um casamento normal!
- Ai, Dona Coisinha! Me desculpa! Mas é assim que eu imagino casar!
- Produção? Cadê produção? Eu pedi um daqueles homossexuais aqui. Esse cara nem sabe quem é direito. Só fala coisas normais. Se fosse realmente gay não pararia um minuto de falar em sexo anal! Fale sobre sexo anal, “Pedro”! Prove que você é gay!
- Interessante você tocar neste ponto...
- Jura?
- Dona Coisinha... Você gosta de dar o cú?
- Menino!!!! Mas o que é isso? Estou chocada com a sua pergunta. Quem você pensa que eu sou para falar de uma coisa tão... tão... Íntima assim em plena rede nacional?
- Que bom que você pensa como eu, Dona Coisinha! Então concordamos que cada um deve cuidar do seu próprio rabo, não é mesmo? Próximo assunto!
- E depois dizem que homossexuais são delicadinhos. Quanta grossura! Até parece homem. Se não fossem suas predileções grotescas, poderia muito bem passar por uma pessoa normal.
- Então, Dona Coisinha. Você bate nesta tecla do “grotesco” e “hediondo”. Mas gostaria que você me acompanhasse num raciocínio lúdico.
- “Raciocínio lúdico”? É uma dessas coisas gays?
- Não. É só uma figura de linguagem. Vamos supor que o considerado relacionamento normal seja um pote de sorvete com uma bola de chocolate e outra de morango. Mas, de repente, alguém prefere fazer diferente e resolve pedir duas bolas de chocolate. Ou duas de morango. Como esse novo arranjo de sabores pode ser tão grotesco se eles já faziam parte da receita original? Só saiu um sabor e repetiu outro. Não há nenhuma mudança tão drástica no cardápio que justifique uma repugnância tão contundente.
- Ah, agora entendi!
- Entendeu, Dona Coisinha?
- Claro! Dilma e Jean Wyllys fabricam sorvete de chocolate envenenado e repassam para homossexuais, que usam o doce drogado para seduzir crianças no portão de escolas. É tudo um grande esquema de tráfico de órgãos e prostituição infantil com conexões em Cuba e na Venezuela!
- Dona Coisinha, essa sua obsessão por violência infantil, paranoia política e perversão não é uma coisa muito normal.
- O quê???? Você está querendo dizer que sou uma anormal? Mas não sou gay! Eu sou uma mulher que conhece muito bem o seu devido lugar. Inclusive preciso terminar este programa logo! Tenho que ir pra casa correndo receber um corretivo do meu marido por atrasar o jantar. Pois resolvi estar aqui “di-a-lo-gan-do” com você, ao invés de cuidar do lar.
- Gente, eu desisto. Posso ir embora?
- Pode, “Pedro”!
- Adeus, Dona Coisinha!
- Tchau! Vai com Deus! Ah, desculpa! Me esqueci que, com você, Ele não vai. Então se vira aí, vai pela sombra, sei lá... O Coisa com Coisa de hoje chegou ao fim! Graças a Deus! Como é bom ser normal, não é, gente? Na semana que vem, o tema do programa será: Ebola – cada continente com seus problemas. Até lá. Beijo, tchau!

domingo, 19 de outubro de 2014

Carta aberta aos corações fechados

Guarde estas palavras para quando todas as outras abandonarem você. Será no momento em que você se encontrará só.

A bem da verdade, só, você sempre esteve. E sempre estará. Mas foi programado para ser carregado no colo das ilusões cruéis do pertencimento e da inclusão. A ponto das pernas da sua autoestima atrofiarem. Impedindo, assim, qualquer intenção de seguir em frente por conta própria.

Você costuma me olhar dos pés à cabeça, verticalizando estes valores questionáveis inseminados no seu coração fechado. Sendo que tudo acontece em outro plano: é no horizonte que residem todos os haveres que valem a pena.

Um coração fechado não sangra, mas também não pulsa. Se resume a meio quilo de pedra parcamente ovalada pesando em seu tronco e na sua capacidade de oferecer movimentos interessantes que germinam o dia de amanhã.

Você estará só. Agarrado ao sentimento de segurança que herdou lá na sua gestação. Um porto seguro composto de níquel, fibra ótica e frustração.

Você quer viver. Mesmo que não admita este desejo. Pois não costuma dar o braço a torcer ao que realmente importa. Afinal, você é humano. Tem o direito de errar e o dever de me culpar pelos seus erros.

Defenderá a própria miséria, pois não quer sangrar antes de pulsar. Nem chorar antes de sorrir. Tampouco queimar antes de se refrescar. Visto que a dor vem alardear a vida a plenos pulmões. E você exigirá silêncio na sua biblioteca particular de paranoias.

Guarde estas palavras para quando você estiver só. E, enquanto repassá-las no seu desalento, aproveite para vislumbrar a cacofonia de trocas universais orquestrada pelas pessoas que pulsam.

Tum-tum.