terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sangue, Suor e Amores Sôfregos

No capítulo anterior, Pamela Natasha despenca do desfiladeiro com o seu carro conversível numa tentativa frustrada de impedir o encontro entre Clóvis Carlos e Melissa Helena no mirante. E agora fiquem com o último capítulo de Sangue, Suor e Amores Sôfregos. A sua novela no Saturno Negro.

- Oh, Clóvis Carlos! Agora que nos livramos da perseguição sem fim de Pamela Natasha, podemos finalmente viver o nosso amor!
- Eu não tenho tanta certeza, Melissa Helena...
- Meu amor, do que você está falando?
- Eu tenho uma revelação muito importante a fazer... E que pode mudar os rumos desta história.
- Uma revelação, meu amor? Mas o que poderá ser a essa altura do campeonato? Estamos no último capítulo! Você me beija e vivemos felizes para sempre! Pelo amor de Deus, não vai me dizer que você é tipo um irmão desaparecido...
- Hmmm, não.
- Então é uma doença terminal e você vai morrer em breve?
- Também não...
- Mas então que revelação é essa que pode acabar com a nossa felicidade? Vamos, diga de uma vez, Clóvis Carlos! Não me deixe aflita!
- Melissa Helena, eu sou gay!
- Oh!!! Não pode ser!
- Sim, sim, sim! Pode ser e é! Eu sou gay, Melissa Helena!
- Oh, não, Clóvis Carlos!
- Oh, sim, Melissa Helena! Porra, eu estou há duzentos capítulos tentando lhe dizer isso de uma forma sutil, mas você também é uma anta, né?
- Clóvis Carlos, isso não pode ser verdade... E se for, por que não disse antes?
- Como se eu pudesse dizer alguma coisa com tanto contrato de merchandising nesta novela. Os patrocinadores censuraram o assunto. Tudo o que eu podia fazer era dar sinais. Só que você é uma tapada, Melissa Helena! E agora que estamos no último capítulo, resolvi chutar o balde, gracinha.
- E-e-eu não posso acreditar nisso, meu amor!
- “Meu amor”, “meu amor”! Por favor, né, Melissa Helena... Se eu realmente estivesse a fim de você, eu já teria te catado nos primeiros capítulos da novela. Vamos acordar pra vida?
- É que eu pensei que... Mas tinha ela... A constante presença daquela megera sabotando a nossa felicidade... A culpa era toda daquela bruxa da Pamela Natasha! Foi por isso que não ficamos juntos antes.
- A Pam era a minha melhor amiga. E ela morreu tentando me ajudar a te fazer enxergar a verdade. Veio correndo aqui... E, no fim, ela pagou o preço por mostrar iniciativa...
- “Pam”?
- E tem mais. Mesmo se eu não fosse gay, eu não ficaria com você.
- Não???
- Não.
- Clóvis Carlos... Por que está me dizendo estas coisas tão horríveis? Logo agora. Você sempre foi tão gentil comigo.
- Sim, queridinha. Eu sempre fui gentil. Só que você é completamente descompensada e confundiu gentileza com outra coisa. Agora só me resta ser grosseiro mesmo. O que é horrível pra pele... Droga, Melissa Helena, olha o meu estado! É tudo culpa sua!
- A minha culpa, Clóvis Carlos, é te amar.
- Ai, que chata repetitiva! Isso não é amor, sua maluca! É TOC. Estou de saco cheio de você. Vive nesta perseguição cega. Não faz outra coisa... Vem cá, no começo da novela você não tinha dito que era professora?
- Eu sou, Clóvis Carlos.
- Engraçado que se passaram duzentos capítulos e eu não vi você chegar perto de um livro sequer. Não teve um take em portão de escola. Ao invés de passar a novela inteira me perseguindo você bem que poderia estar numa sala de aula trabalhando. Ou em passeata de greve... Pelo menos o personagem ficaria mais verossímil.
- Mas, Clóvis Carlos, não existe greve numa novela. Só existe o amor.
- Então, Melissinha Heleninha, as novelas estão redondamente enganadas. Aliás, eu nunca gostei de novela. Só estou aqui porque o cachê vai pagar minhas férias no verão de Ibiza.
- I-i-isso não está certo... Meu amor, você está confuso. Foram as artimanhas daquela vilã inescrupulosa da Pamela Natasha. Ela fez uma lavagem cerebral em você. Deixa eu te beijar que você vai se recordar do nosso lindo amor.
- Sai pra lá, sua grudenta! E não ouse falar mal da Pam, que Deus a tenha... Já não basta você ter praticamente empurrado a coitada desfiladeiro abaixo? Agora vai ficar falando mal sem que ela esteja aqui para se defender? Afinal quem é a vilã desta história?
- Pamela Natasha, ué! Ela era a vilã! Meu amor, ela tinha até um lacaio, aquele esquisitão do Fernando Orlando.
- Em primeiro lugar, me faz um favor, Melissa Helena? Pare de me chamar de “meu amor”? Obrigado. Em segundo lugar, Fernando Orlando não era lacaio de Pamela Natasha... Ele é o meu namorado.
- O quê????? Isso não é possível, Clóvis Carlos! Ele tem um caso com Pamela Natasha! Se lembra no capítulo 78, quando pegamos os dois na cama?
- Sim. Eles transaram. Porque eu e Fernando Orlando decidimos ter um filho. E a Pam resolveu nos ajudar se oferecendo de barriga de aluguel. Se fosse menino se chamaria Clóvis Orlando. Menina, seria Fernanda Carla. Mas sabe o que aconteceu, Melissa Helena?
- O que, meu am... hã... Clóvis Carlos?
- Aconteceu que o nosso filho acabou de descer o desfiladeiro à nossa frente, dentro do ventre de Pamela Natasha.
- Oh!!!!
- Sim, sua maníaca. Você é responsável pela morte não só de minha melhor amiga, como também de meu filho... Você destruiu a minha família, Melissa Helena.
- Buááá!!! Eu não estou entendendo mais nada! Este é o último capítulo da novela! Era pra você me beijar e a gente ia se casar e a ter uma casinha com cerquinha branca e um casal de filhos e...
- Tá, tá, tá. Eu já sei de tudo isso. Mas entenda uma coisa, fofucha: esta fórmula de novela está batida. Hoje em dia é cada um por si. Acabou! Não existe mais príncipe encantado. Quer fazer algo de produtivo? Já que é professora, se debruce sobre um bom plano de aula e ajude a melhorar a educação neste país. Vai ser um exemplo muito melhor do que ficar correndo atrás de marido.
- M-mas, Clóvis Carlos... Não vai dar tempo de fazer isso. É o último capítulo da novela.
- Poutz, é mesmo. Que coisa, não? Mas olha, sempre tem o desfiladeiro...
- O quê? Está insinuando que eu deva me matar? Ficou maluco?
- “Matar” é uma palavra muito forte, honey. Prefiro “eternizar o mito”.
- Mito?
- É a sua chance de virar uma diva para as gerações futuras! Pense bem: diante de um amor proibido, Melissa Helena toma coragem e se joga rumo ao desconhecido...
- É... Soa bem!
- Então, Mê... Se joga!
- É, né... Acho que, depois de tudo... É o melhor a ser feito. Clóvis Carlos, eu só queria que você soubesse que...
- Eu já sei, eu já sei! Demorô! Vai.
- Adeeeeeuuuusssss....
- Me livrei, finalmente! E ainda tenho quinze minutos antes de subir os créditos. Acho que vou convidar o Fê pra ir na Mostra de Cinema, no Festival de Teatro ou na Feira do Livro. Qualquer coisa serve, desde que não seja ficar em casa sentado na frente da TV por duzentos dias a fio. Tá louco, isso não é vida.

The End.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Meia palavra basta

- Olha só quem eu encontro aqui!
- Nossa, que surpresa! Quanto tempo, hein?
- Desde a faculdade...
- Que bom esbarrar em você. Só que estou atrasado para um compromisso. Podemos nos falar outra hora? Você tem Facebook?
- Não tenho, não. Eu não confio muito nestas redes sociais...
- Entendi.
- O quê?
- “O que” o quê?
- O que você entendeu?
- Hmmm, nada não.
- Não foi o que você disse. Tenho certeza de ter escutado com todas as letras: “entendi”.
- Sim, eu disse isso... Mas...
- Nada de “mas”... Desembucha: o que tem pra ser entendido?
- Nada ué.
- Não desconversa! Eu quero saber o que você pescou do que eu falei. Quem mandou você aqui?
- Ninguém me mandou aqui! Eu só estava passando e...
- Você está me seguindo desde a faculdade?
- Não seja louco!
- Louco eu estou pra saber o que você entendeu do que eu falei a respeito de redes sociais. O Zuckerberg te mandou aqui?
- Zucker quem? Olha, eu não estou gostando do rumo desta conversa. Você está equivocado nas suas suposições.
- Então qual é o problema? Esse “entendi”, por acaso, é algum julgamento por eu não ter um perfil no Facebook?
- Não! Nada disso... Eu só... Olha, eu estou mesmo atrasado. A gente se fala.
- Querendo fugir, hein, espertinho? Não sem antes você me dizer o que você entendeu.
- Olha. Fica tranqüilo... É só uma maneira de falar. As pessoas dizem “entendi” o tempo todo.
- Mesmo quando elas não entendem nada?
- É. Acho que sim.
- Hmmm. Entendi.
- Ufa, ainda bem que entendeu.
- Não, na verdade não entendi nada. Mas como você diz que as pessoas falam isso mesmo quando não entendem, resolvi dizer. Entendeu?
- Olha, eu já não estou entendendo mais nada. Posso ir embora?
- Ah, já sei. Você, através desta resposta misteriosa, “entendi”, você introduziu, de forma subliminar, um julgamento preconceituoso. Tipo: “é um daqueles atrasados que não tem rede social”. A ponto de me constranger e me fazer criar um perfil no Facebook. E só assim, ter ferramentas para bisbilhotar a minha vida.
- Hã?
- Vamos! Desembucha! O que você quer saber da minha vida? PERGUNTA NA MINHA CARA!
- Olha, amigo, você está realmente me assustando. Eu não quero saber nada! Eu não quero entender nada! Por favor, SÓ ME DEIXA EM PAZ!!! Eu tenho um compromisso e não posso ficar aqui sustentando esta discussão maluca!
- Ai, desculpa. Desculpa. Tudo bem... Eu me descontrolei. Eu sou meio assim às vezes. Um pouco desconfiado.
- Credo... Você me parecia mais sossegado na faculdade...
- Bem, a vida não tem sido fácil, então a gente acaba desenvolvendo algumas defesas ao longo do tempo. Enfim...
- Sei...
- O quê?
- “O que” o quê?
- O que você sabe?