sábado, 25 de dezembro de 2010

A coisa certa

Nunca fui muito popular. A bem da verdade, nada popular. O clássico do nerd criado pela avó. No meu caso, nem mesmo vovó nutria qualquer simpatia pela minha pessoa. Carisma é um gene recessivo do meu código genético. Fui uma criança solitária e minha infância se resumia a desenhar superamigos imaginários trancado no meu quarto.
Então chegou o colegial. Eu prefiro pular este episódio da minha vida por motivos de amnésia pós-traumática induzida por mim mesmo. Não vale à pena lembrar... E assim, vivia uma certeza serena de que eu seria um repelente social pelo resto da vida. Possivelmente me acostumaria com as pessoas mudando de calçada para não cruzar comigo na rua.
Até que as coisas começaram a mudar.
Foi no primeiro semestre da faculdade. Depois de alguns meses andando pelos corredores (sozinho, é claro), algo aconteceu na aula de Antropologia da Comunicação. O professor, preguiçoso de corrigir muitos trabalhos, aplicou o golpe do “trabalho em dupla”. Minha dupla, no caso, resistiu. Tinha sobrado apenas eu. Como minha vida social sempre foi praticamente inexistente (pelo menos tinha festinha de aniversário das tias), tive bastante tempo para estudar. Logo meu coleguinha resistente se deu conta que isso poderia ser proveitoso e, como numa troca de favores, me deu uma dica preciosa que seria o começo de uma nova era em minha vida: “você está usando o tênis errado. Experimente usar o modelo certo.”
Fui para casa encafifado. Estaria a chave da minha possível popularidade repousando num devido par de tênis tido por “certo”? Ah, por favor, existem coisas mais importantes no mundo para se preocupar! Não é possível que eu pudesse deixar de ter amigos por conta disso... E a cura da AIDS? E a fome na África? E a tensão entre as Coréias? Resolvi largar de mão...
Resolvi, mas não consegui. Não dormi naquela noite. Minha cabeça queimava de questionamentos e possibilidades. E se eu tivesse o par de tênis certo? E se eu tivesse amigos? Eu poderia aproveitar mais a vida. Ter amigos, uma namorada quem sabe... Bastaria eu apenas comprar o tênis certo.
No dia seguinte, desafiei a Primeira Lei de Newton e saí da inércia. Fui até a loja de calçados e perguntei ao vendedor qual era o modelo de tênis mais descolado. Naquela mesma noite, na faculdade, coloquei em prática a segunda lei do gênio. Com meu tênis novo, tomei impulso e andei em linha reta pelos corredores com o peito estufado e cheio de confiança. Percebi que as pessoas começaram a me notar e me olhar diferente, confirmando, na prática, a terceira lei. Não consegui deixar de disfarçar um sorriso de satisfação.
Mas foi apenas uma pequena reação. Para atingir um grau satisfatório de popularidade, eu teria que trabalhar melhor as equações termodinâmicas da minha vida social. Só o tênis certo não bastava. Então eu fui atrás da camiseta certa. Em seguida do jeans certo. Não demorou muito para eu ter meus primeiros amigos. E isso era divertido.
De repente, me senti mais poderoso que qualquer super-herói que eu tenha rabiscado na minha infância. Não podia rachar montanhas com o pensamento, mas bastava seguir alguns códigos tribais para conquistar uma legião de seguidores. Além das roupas certas, fiz o corte de cabelo certo e falava as coisas certas. Coloquei o piercing certo e fiz a tatuagem certa no braço certo. Neste ponto, eu já tinha perdido a virgindade na noite certa, na festa certa, com a garota certa. Finalmente a minha vida estava indo para o caminho certo.
E o doce sabor da popularidade fascina. Uma vez que você a experimenta, não quer mais abrir mão. A ideia de que todos aqueles amigos que eu conquistei tão facilmente pudessem sumir, assim de repente, me aterrorizava. Não me permiti relaxar. Era importante ter foco. Eu precisava ler as revistas certas, os livros certos e os quadrinhos certos. Assisti aos filmes certos, às peças certas e aos shows certos. Só escutava a música certa. Televisão, só a programação certa, no canal certo. Bebia a cerveja certa. E só misturava o energético certo com o destilado certo. Drogas? Apenas as certas.
Uma vez que se mergulha no precipício da aprovação social é praticamente um caminho sem volta. Só andava com as pessoas certas. Gostava das personalidades certas e só expunha isso na hora certa, com o discurso certo. Qualquer coisa que fosse diferente, qualquer sentimento ou idéia que não fosse a certa, merecia todo o meu repúdio e sarcasmo.
Então chegou o terceiro milênio e, com ele, a internet. No começo de mansinho, quase uma alegoria no computador. Inclusive foi o assunto certo pelo tempo certo. Mas de “mero assunto” à banda larga com acesso remoto difundida pelos quatro cantos foi um pulo. As idéias se disseminaram de forma instantânea. Todas as informações se misturaram numa grande salada mista. Newton sai de cena. Entra Einstein, a relatividade e o caos. Eu não tinha mais ferramentas para reconhecer o que era certo. Não sabendo o que fazer, tentando defender o meu castelinho de cartas marcadas, só me sobrou (isso mesmo, eles...) o repúdio e o sarcasmo. Neste ponto, a equação se voltou contra mim: virei um chato. Nada servia, nada prestava. Tudo era um lixo. E toda a popularidade, que trabalhei anos para conquistar, se foi na velocidade de um download de temporada de seriado americano.
Voltei ao ponto zero: o meu quarto.
Só que desta vez pior, pois, além de estar sem amigos, eu perdi todo o resto. Estava quebrado, sem a minha imaginação, sem meus sonhos, sem meus projetos realizados. Abri mão daquilo que eu poderia ser para ser aquilo que eu poderia abrir mão.
Já me disseram que não existe fórmula do sucesso. Só a do fracasso: tentar agradar a todos. E, depois de todos estes anos perdidos perseguindo ilusões emolduradas em neon, resolvi, finalmente, fazer a coisa certa: lidar com aquele tipo estranho e constrangedor que agora aparece no reflexo do espelho. Voltar a me enxergar da forma “certa” (desta vez, tendo muito cuidado em usar esta palavra). Sai a popularidade e entra em cena a autenticidade. Unanimidades são burras. E chatas. E feitas de isopor. Certo, pessoal?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Tendências bárbaras

Oiam! Eu sou Tommy Foo e sou um trendsetter. Para aqueles que não freqüentam o blog da Palomino, não seguem a Julia Petit no Twitter e não irritam a Fernanda Young, calma que eu vou explicar o que é ser trendsetter. Relaxem que eu vou elaborar de uma forma bem uó mesmo que é para vocês, leigos, entenderem, em toda a sua extensão, esta dinâmica de hype, de tendência, de cool. É bastante coisa, né? Não pensem que é fácil ser uma pessoa antenada. São anos de Google, meu bem!
Tudo começou há muuuuito tempo. Coisa, tipo assim, de primeira temporada mesmo, episódio piloto, sei lá... Tipo milhares de anos. Era uma macacada uó! Australopitecus pra cá, Cromagnon pra lá... O Homo erectus só cutucando o tempo todo. Aquela bicharada peluda, cheia de carrapato, fedorenta. Uó... Então Deus ficou completamente bored com tudo isso e resolveu lançar tendência. Criou Adão e Eva, a depilação corporal e a folha de parreira como a primeira coleção fashion da história. Nasceu o hype!
Mas chegou uma hora que a folha de parreira perdeu o encanto. Pra piorar, Eva comeu a maçã e ferrou com tudo, visto que anorexia já era uma imposição social desde aquela época. O lance foi esfriando até que alguém teve um insight (tipo assim, uma idéia) e lançou a pele de animal para vestir. Esta pessoinha foi lá, matou uma oncinha (tadinha), tirou a pele da gatinha e vestiu no seu corpinho. Of course, não demorou muito para que todos resolvessem copiar. Foi o primeiro trendsetter. Bem, o fato é que esse hype de estampa de bicho culminou na extinção dos tigres-de-dentes-de-sabre. Calma, gente, sei que é triste esta coisa de extinção de animais... Mas é errando que se aprende... Nãããão que a raça humana tenha aprendido alguma coisa neste sentido até agora, porque a bicharada continua sumindo da face da terra por puro capricho do bicho-homem... Maaaas, voltando ao nosso assunto... Ali nasceu conceito de tendência e a humanidade nunca mais usou a própria cabecinha para saber o que vestir. Depois disso, as pessoas sempre esperam que alguém as diga o que colocar no corpinho. Não é demais!!??
Da parreira e oncinha, a coisa foi se sofisticando, e sofisticando... Até que o lance chegou no extremo do over do luxo na corte francesa do século XVIII. Luis XV arrasou! Era muita renda, muito tafetá, muitas jóias, muito ouro, muito perucão. A montação era tanta, mas tanta, que nem a discoteca conseguiu superar o babado... Foi uma verdadeira revolução francesa! Saturou tanto que rolou um surto geral e as cabeças começaram a rolar na guilhotina! Ai, gente... Se alguém ao menos tivesse avisado à Maria Antonieta que ela iria perder a cabeça com esta mania de exagerar no pancake...
Depois desta overdose de luxo, os trendsetters resolveram pegar a contramão da fartura e do glamour. E coisa foi vindo, foi vindo... Até que chegamos nos dias de hoje. E o que está valendo é o desleixo total mesmo. Já experimentamos o hippie chic, o surf chic, e todas estas tendências que se dizem chiques remixando algum tipo de manifestação suburbana mais encardidinha.
Logo, eu, Foo Foo, na qualidade de trendsetter, não vou me furtar em apresentar aqui minhas idéias. Em vista desta tendência de dar uma tapa no look periferia, para transformá-lo em conceito de passarela, lanço aqui, para vocês, em primeira mão, o POBRE CHIC.
O pobre chic consiste em valorizar este hype, que cresce tanto no Brasil e no mundo, que é a pobreza. O povo segue se reproduzindo e a área útil para comportar este contigente continua a mesma. Sim, isso mesmo: o planeta não contem elastano... Logo os recursos vão se esgotar e teremos bilhões de miseráveis famintos pelo mundo... Famintos de informação!!!! É por isso que eu lanço esta tendência. A civilização está indo ladeira abaixo. E eu acho isso bárbaro! Uma horda de bárbaros para ser mais exato. Então eu resolvi valorizar o que o pobre tem de melhor e dar um toque de glamour nesta experiência única de ser um desprovido. É uma sobreposição na cachorra do funk. Um patchwork no homeless. Uma pitada de sálvia no xis-egg...
Estou organizando o primeiro 25 de Março Fashion Week, onde fecharemos a Ladeira Porto Geral com um desfile exclusivo de camelôs e ambulantes, com direito ao rapa e tudo! Muvuca é o must!
Quem ainda insiste nas grandes labels, este papinho de Daslu e Shopping Cidade Jardim, se liga, viu! Marinho, terracota e nude... What tha fuck!!! Vamos empobrecer, que ostentar é totalmente out.
Bem, vou ficando por aqui, porque preciso dar um inbox para meus contatos cariocas. Estamos acertando uns detalhes e, ano que vem, vamos lançar o Complexo do Alemão Prêt-à-Porter. Vamos incendiar a cidade maravilhosa! Então era isso! Kisses! Tommy.