domingo, 4 de janeiro de 2009

A teoria na prática é a outra

(Postado originalmente em 02/04/2008)

- Então, Verusquinha, espero que nosso papo esta tarde tenha sido produtivo. Gostou do café? Estavam bons os brioches?
- Tudo perfeito, Adelaide. Melhor que isso, só mesmo suas idéias revolucionárias!
- É tão bom passar a tarde com uma grande amiga, assim de tanto tempo. Tantos anos, não é, Verusquinha? Nós terminamos a faculdade juntas... Foi testemunha de meu casamento com o Juvenal. E cá estamos nós debatendo esta tese que é tão importante para mim. Quero lançar o livro ainda este semestre e preciso de aliados nesta minha teoria sobre o relacionamento humano para me sentir segura de levar o projeto adiante.
- Pode contar comigo, Adelaide. Sempre é um prazer escutar suas idéias sobre relações afetivas, desejo e ciúme. Você tem noção de como isso vai revolucionar a sociedade? Seu ponto de vista é bastante polêmico, amiga.
- Mas eu estou bem embasada, Verusquinha. Depois que me formei, foram vinte anos de pesquisa para chegar a estas conclusões: homens e mulheres só terão uma convivência sadia se perpetuarem o amor livre: sem amarras, sem possessividade, dando o direito de ir e vir ao companheiro.
- Sempre achei a Sociologia do Sexo um assunto inebriante. E você, Adelaide, sempre demonstrou maestria ao lidar com os cânones da base comportamental do ser humano.
- Quem bom contar com o seu apoio, Verusquinha. Geralmente as mulheres, ainda mais numa idade um pouco mais avançada, têm alguma resistência ao novo, ao chamado da nova era. Os modelos tradicionais de relacionamento cairam por terra. Estamos no limiar de uma nova etapa para a sexualidade humana.
- Mas, Adelaide, você sabe que vai encontrar resistência de grupos políticos de extrema direita. Fora os puritanos religiosos que vão queimar seu livro na fogueira.
- Não adianta, Verusquinha. Se o embate for inevitável, assim o será. Eu só não posso me privar de levar o estandarte das novas idéias adiante. O sociedade merece nada menos que isso.
- Estou orgulhosa de você, Adelaide! Tão orgulhosa que... me sinto segura para confessar uma coisa!
- Diga, amiga! Sempre estarei do seu lado. Você sabe.
- Com a sua visão revolucionária a respeito de relacionamentos, me sinto à vontade para confessar que eu já transei com o Juvenal.
- O QUÊ?
- Mas eu sei que você não se importa, né? Afinal você é uma mulher à frente do seu tempo!
- MEU MARIDO? VOCÊ? OS DOIS?
- Sim, amiga. Sexo livre, ué. Como você mesmo diz.
- M-ma-mas é que... o Juvenal... E-eu e... Ele e vo-você...
- Adelaide, qual é o problema?
- VERUSQUINHA? COMO PÔDE? Quero dizer... Eu entrevistei você para o meu projeto... Várias vezes em muitos anos. Você nunca me disse nada!
- Eu menti, ué! Não sou trouxa, né? Só agora que você me convidou para expor suas conclusões do projeto é que eu vi que podia desabafar com você.
- Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo.
- Ih, relaxa, Adelaide. Vai ficar regulando mixaria agora. Como se o Juvenal fosse grande coisa. Vai surtar é? Vai colocar anos e anos de estudo no lixo, porque não consegue aceitar uma evidência prática da sua teoria.
- Verusquinha. Não. O. Juvenal.
- Agora foi...
- Você repetiu?
- Seis.
- Seis vezes????
- Nããão. Seis anos! Mas os últimos dois foram só na base da rapidinha na escada do condomínio. Imagina, Adelaide. Você palestrando sobre a diversidade afetiva pelas universidades de todo o Brasil e ainda podendo se valer de exemplo máximo do seu próprio trabalho. Pensa bem, estou coroando a sua teoria do amor livre!
- SEIS ANOS!!!!!
- Eu devia até ganhar uma porcentagem por isso.
- Sua... Sua... Sua...
- Cuidado com o que for falar, hein Adelaide! Olha a amizade! Olha o estandarte das novas idéias! Não coloque tudo a perder.
- Sua... SUA VADIA! Que tipo de palhaça você acha que eu sou pra me apresentar ao público como uma chifruda debilóide que deixa o marido nas mãos da uma amiga da onça que lambeu os beiços com o macho da outra.
- Adelaide! E a teoria?
- Como eu fui burra, meu deus! Todos estes anos e você posando de santinha do meu lado! Ordinária! Ainda me fez pagar este café caríssimo para eu ficar aqui posando de idiota pra você. Dane-se a teoria! Dane-se você, sua destruidora de lares. Bem que o Juvenal me disse que você não era boa companhia. Me envenenou com suas idéias liberais e agora estou aqui propagando esta luxúria desenfreada por sua culpa!
- O quê? Eu te envenenei? Mas a teoria é sua!
- O que é meu é o Juvenal, sua piranha. Eu vou pra casa agora cuidar do meu marido que eu ganho mais. Isso é o que dá ficar dando trela para más influências. Fico de papinho besta e me descuido na vida.
- Papinho besta? Adelaide... É o estudo de uma vida!
- Cala boca, traidora! Nunca mais fale comigo. Adeus e não me procure mais.
- Nossa... Imagina se ela fosse conservadora. Eu tava morta agora!

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