quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Esperando anos

Eu sempre tive uma implicância com o numeral catorze. Tem gente que fala "quatorze". Na segunda série, a professora ensinou que as duas grafias eram corretas. No alto dos meus sete anos, me senti ultrajado. Se todos os números tinham uma única forma de se apresentar, quem o catorze pensava que era para ser, assim no mais, quatorze? O quatro, se desse na telha, não poderia ser chamado de "catro". Não lhe deram esse direito. Isso não estava certo! O catorze, em termos de indignação, só perdia pra letra "h", aquela que não tinha som nenhum (então, pra que existir se não serve pra nada?). Enfim, uma criança perdendo o sono com as injustiças que lhe cabiam.

Talvez seja o eco desta birra infantil que tenha melado o meu entendimento com o ano vigente. Fiquei com esta impressão, do ano que foi uma coisa, mas poderia ter sido outra. 2014 se revelou da forma como bem entendeu, imitando sua peculiar variação gráfica. Prometendo uma pá de coisas e, no lugar dos resultados, oferecendo outras novas promessas. Pra quem padece do encosto da ansiedade, foi uma verdadeira provação.

Bem, são (quase) águas passadas. Agora tem o quinze chegando aí. Pensei em idealizar um ano cheio de surpresas, realizações e outras coisas bacanas. Mas acabo de lembrar que, desde o primário, também guardo implicância com dígrafos (duas letras soando como uma? Que marmota!). Não adianta, tenho TOC. As implicâncias são vitalícias.

Mas isso não é motivo para ser derradeiro ou fatalista. O ano nem bem começou e já vou olhar atravessado? O momento pede perspectiva. Talvez seja hora de olhar os anos que passam de outra forma. E me tornar o marco zero dessa mudança que espero na vida. Deixar a ortografia de lado e apostar em unidades de medida. Quinze é um quarto de hora. Dificilmente escuto meio-dia e quarenta e cinco. Todo mundo fala quinze pra uma. E pode ser neste insight, o da antecipação do um novo momento, a contagem regressiva, de acertar os ponteiros, tocar o despertador e fazer o cuco piar que seja interessante enxergar 2015. Pode ser que eu não precise de um ano novo. Talvez sejam os anos que precisem de um novo eu.

É... Talvez seja isso.

Então, pessoas, feliz novo ano! Feliz novo eu! Feliz novo você! Temos quinze minutos para nos livrarmos de tudo que nos impede de fazer da vida aquilo que a vida deveria ser.

Sigamos!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Orange is the new black

- Boa tarde! A senhora já sabe o que vai pedir?
- Oi, eu vou querer só um suco de laranja.
- Okay! Suco de laranja saindo!
- Ah, e sem açúcar, por favor.
- Perfeito! Sem açúcar!
- E sem gelo também.
- Certo, sem gelo...
- E sem laranja.
- Sem la... Perdão... Sem “laranja”?
- Sim, sem laranja. É que laranja não me cai bem. Muita acidez, ataca meu estômago.
- Mas, senhora...
- O quê?
- Um suco de laranja “sem laranja” não é bem um suco de laranja. Tem certeza que não quer pedir outra coisa?
- Olha, meu querido... Semana passada a Giovanna Antonelli apareceu na novela tomando um suco de laranja. Desde então é só o que se pede em lanchonetes. Você não pode me dizer pra fazer vista grossa ao grande hype do momento em termos de refresco! Está querendo me chamar de cafona? De brega? É isso?
- Não, minha senhora! Longe de mim! A senhora é finíssima!
- Então me veja um suco de laranja. E sem laranja. É tão difícil assim?
- Acho que entendi. A senhora quer uma água mineral sem gás.
- Ai... Não, não, não! Gente... Que dificuldade! Não sei o que é tão complicado de entender. Sabe laranja?
- Sim, senhora, eu sei o que é uma laranja!
- Então prepare um suco com esta fruta. Mas na hora de fazer, tire a laranja! Viu como é simples?
- Senhora... Pensa comigo....
- Que rapaz insolente! Cadê o gerente deste estabelecimento? Chame ele aqui agora! Perdi a paciência!
- Opa! Não! Calma... Não precisa chamar ninguém. Está tudo sob controle. Sabe o que é... É que aqui, pra evitar umas tranqueiras tipo fungo, micose, salmonela... Não trabalhamos com laranjas naturais. Aqui é só suco em pó mesmo. Tang, Clight, Frisco... Estes pequenos laboratórios químicos que cabem num envelope.
- Jura?
- Sim, minha senhora! Não dá mais pra confiar em laranja! Fruta de clima temperado... Aquecimento global bombando, as laranjinhas chegam aqui todas vencidas. Essa onda de piriri que tá rolando é tudo culpa de suco de laranja natural.
- Estou passada!
- A senhora e todas as laranjas! Passadíssimas!
- Mas a Giovanna....
- Aquilo provavelmente é suco cenográfico. Eles jogam anilina no drinque da artista na hora de gravar.
- Entendi...
- Pra senhora ver como são as coisas.
- Mas isso não é justo! A Shir, a Rô, a Sú, a Flá, a Rê loira, a Rê morena, a Rê ruiva... Todas as minhas amigas estão tomando suco de laranja! Eu não posso ficar de fora!
- Mas... E se a senhora entender isso não como um problema.... Mas uma oportunidade!
- Uma oportunidade?
- Sim! De se firmar como uma pessoa autêntica! De opinião! Que sabe o que quer! Que não se deixa levar pela manipulação midiática! Que está além deste controle! Você não quer ser uma pessoa assim?
- Uau! Eu... eu quero sim!
- Então! Me diga qual é a fruta que a senhora mais gosta?
- Hmmmm... Gosto de framboesa.
- Então! Um suco de framboesa no capricho!
- Me parece uma excelente pedida!
- Ah, viu? Eu não te disse?
- Obrigada por me ajudar. Só quero fazer uma pergunta.
- Pois não, senhora?
- Essa framboesa de vocês... É cor de framboesa mesmo? Não tem uma variedade, tipo assim... Mais alaranjada?
- Não, senhora. Nossa framboesa tem cor de framboesa...
- Hmmm, entendi. Mas e o copo? Tem copo laranja?
- Trabalhamos com copo de vidro sem cor, senhora.
- Sem cor?
- Sem cor.
- Nem mesmo um detalhe de design... Tipo... Uma rodela de laranja enfeitando o copo?
- Infelizmente não, senhora.
- Então... Faz o seguinte. Deixa assim. Não vou querer nada.
- Ué... Desistiu do suco de framboesa?
- É... Sei lá. Perdi a vontade. Mas obrigada por tudo.
- A senhora que sabe...
- Vou indo... Ah, mais uma coisa!
- Pois não?
- Você pode embrulhar pra viagem?