- Um Feliz Natal pra você!
- Oi?
- É Natal! Eu estou lhe desejando um Feliz Natal!
- Como assim “Feliz Natal”? O que é um Natal feliz?
- Ué, você sabe... É Natal. A gente se deseja “Feliz Natal”. É o que o
momento pede.
- Eu gostaria de saber por quê.
- Cara, você bebeu? Porque sim!
- “Porque sim” não é resposta.
- Jura? Por que não?
- Ué, porque sim!
- Ai, olha! Essa conversa está ficando meio confusa. Desculpa aí, viu.
Eu só passei pra desejar um Feliz Natal, como é de costume. Não quero
atrapalhar...
- Não está atrapalhando em nada. Só tem esta pergunta que não quer
calar.
- Qual delas? A do “por que não”?
- Não! Quero saber o que significa desejar um “Feliz Natal”. Até
entenderia se eu fosse viajar e você me desejasse uma “feliz viagem”. Ou se eu
estivesse começando um novo relacionamento e rolasse um “feliz namoro”. Eu só
não consigo entender a essência do desejo de um Natal feliz. Até porque,
vamos combinar, o Natal é um pesadelo!
- Pesadelo? Em que mundo você vive???? Como você pode falar uma coisa
dessas?
- É, sim, um inferno dantesco! Pare pra pensar: uma fábula religiosa
messiânica aglutinada a um mascote de campanha publicitária vintage de refrigerante
que mora no Polo Norte. Tudo regado a enfadonhas lições de moral. Sem falar no
panetone com uva passa, amigo secreto, disco temático da cantora Simone,
reuniões familiares constrangedoras e uma série de outros pequenos pesadelos
ditados por este feriado das trevas!
- Como você não consegue enxergar a magia do Natal?
- Olha, meu bem, quem enxerga a magia do Natal é publicitário, fabricante
de brinquedo e usuário de ácido lisérgico. A única coisa que eu vejo é meu saco
prestes a estourar com toda esta conversa fiada.
- Mas... E a troca de presentes?
- Vem cá... Você presenteia alguém porque é Natal?
- Sim, ué! É o que se faz.
- Que falta de autenticidade, seu maria-vai-com-as-outras! Eu, por
exemplo, presenteio alguém porque eu quero. Porque eu gosto desta pessoa.
Porque sinto necessidade de agradá-la. Em qualquer dia do ano! Não preciso
esperar o consentimento do Natal pra fazer isso. Esta é a merda dos feriados
comerciais. Eles vulgarizam a troca de presentes.
- Então deixa o lance dos presentes de lado. Natal é mais do que isso! É
só prestar atenção nas mensagens de paz, amor e ajuda ao próximo!
- O Natal faz você se sentir mais compassivo em relação ao próximo?
- Claro!
- Um dia in-tei-ro dedicado ao
próximo... Uau! Como você é incrível! Incrivelmente egoísta!
- Egoísta??? Eu???
- Amor ao próximo no dia de Natal. Que lindo! Mas tudo volta ao normal depois
do dia vinte e seis até o próximo vinte a quatro de dezembro. Vai seguir trocando
de calçada para não tropeçar em morador de rua. Assim é fácil, ser uma pessoa
melhor um dia por ano.
- Peraí, calma! Talvez seja isso! Talvez seja uma data pra parar e
refletir sobre o que precisamos melhorar.
- Jura? Você só pensa em progredir como ser humano no Natal? E o resto
do ano estaciona no “é o que tem pra hoje”? Acordando todo dia de ressaca na
sarjeta esperando o próximo Natal pra ver o que precisa melhorar? Me diz uma
coisa... Como você faz pra andar sem tropeçar nesta indolência toda?
- Socorro! Não é possível! É Natal! Por que você não entende o que eu
digo? Tem a árvore... E os pacotes... E o peru...
- Ai... Nem me fala em peru que eu gorfo! Estou pelas tampas com peito
de peru. Já percebeu como ele tomou conta de tudo? Está no sanduíche, na saladinha,
até na pizza. Só falta fabricarem ice tea sabor de peito de peru!
- Você... Você... Você é uma pessoa que não tem alma! É isso! Está
querendo deturpar todo o sentido do Natal! Mas eu não vou entrar na sua onda! E
outra: vou te dizer uma coisa!
- Diga.
- Eu sou feliz! Muito feliz mesmo, tá? E o Natal me deixa ainda mais
feliz! E eu gosto dos presentes...
- Sei... Presentes... Tipo aquele pijama bordô que você ganhou da sua
irmã que não te suporta e ainda comprou a numeração errada e aperta na sua
cintura. Que felicidade...
- ... e eu sou feliz porque revejo a família...
- Para encontrar aquela tia que não se conforma porque você não se casou
e teve filhos e passar a noite toda se justificando com sorrisinhos amarelos.
- ... e as canções natalinas...
- Ai, chega. Só falta você falar da neve de isopor que colocam na
vitrine da loja. As pessoas aqui desmaiando de insolação no auge do verão e as
lojas simulam neve com isopor. É isso que te deixa feliz? Bolinhas de isopor?
Isso te dá barato? Você cheira isopor? Essa é a magia do Natal? Desmaiar de
desidratação todo cagado de bolinha de isopor?
- Que... Horror!!!!! Nunca me senti tão ultrajado!
- Finalmente alguém percebeu o ultraje que é o Natal!
- Não mesmo! O ultraje é você! Eu nunca vou perdoá-lo por isso!
- Me perdoar???? O que você quer dizer com isso?
- Você tirou algo precioso de mim! Roubou a magia do Natal! Agora toda
vez que chegar o fim de ano... Eu vou lembrar dessa conversa desagradável. E as
festas perderão toda a sua graça. Nunca mais vou conseguir sorrir ao escutar
Jingle Bells!
- Sorrir com Jingle Bells? Sério isso? Confessa, vai! Você foi uma
daquelas crianças que escreviam cartinha pro Papai Noel dizendo que se
comportou o ano inteiro (o que era mentira) pra ver se ganhava um autorama de
presente. Bom comportamento mediante recompensa. E são com estes valores que
pensam em melhorar o mundo. Erro no aplicativo da humanidade, galera!
- Chega! Pare de falar! Por que você não me deixou felizinho na minha
ignorância? Saia já da minha frente, seu estraga-prazeres! Espero nunca mais
cruzar com você na minha vida! Passar bem.
- Ai, calma! Não empurra, não! Feliz Natal pra você também! Eu, hein!
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