- Sim, querida.
- Estive pensando e acho que está na hora de morarmos
juntos.
- Você está falando sério, Diana?
- Haja visto, pelos meus cálculos, estamos namorando há três
anos, acho que é um processo natural para a dinâmica de nossa relação.
- Uau... Então está realmente acontecendo...
- O que você quer dizer com “acontecendo”? Eu só fiz uma
proposta com base naquilo que acredito ser interessante para nós dois. Você não
concorda? Eu estou satisfeita com o rumo de nossa história, Leo. Não sei
você...
- Lógico que estou curtindo ficar com você, meu amor! Não é
isso. É que... Já que vamos dar este passo, acredito que não possa mais haver
segredos entre a gente.
- Ué. Eu pensava que já não havia mais. Leo... Você tem algo
para me dizer?
- Diana... Sim... Eu preciso falar uma coisa sobre mim que
você ainda não sabe.
- Meu amor, estou surpresa!
- Por todo este tempo eu relutei em revelar esse meu lado
pra você, com medo de sua rejeição. Mas não tem mais como evitar. A hora
é agora.
- Socorro, Leo! Desembucha de uma vez, antes que eu tenha uma
síncope!
- Diana, eu...
- Sim?
- Eu...
- Você...
- Eu sou...
- Você é...
- Diana, eu sou astrólogo.
- O QUÊ?????
- Isso mesmo! Eu sou astrólogo, faço mapa astral, comungo com o Universo e sou sagitariano com Sol na casa doze e ascendente em Capricórnio.
- Gente, eu estou chocada! Eu não sei o que dizer.
- Sei que é complicado dizer algo agora, meu amor. Ainda
mais com Júpiter retrógrado em Gêmeos.
- NÃO!!! Não, não e não! Você não vai vir com esta conversa
pra cima de mim! Não agora! Droga, Leo! Estava tão perfeito até agora! Você
tinha que estragar tudo com esta baboseira de astrologia! Eu pensei que você
fosse bancário!
- Mas eu sou! Das dez às dezessete! Depois eu me dedico aos
astros. Tenho vários interesses. É coisa de Marte na casa seis.
- Que tanta casa é essa? Vai me dizer agora que é arquiteto
também?
- Calma, querida. Relaxe! Eu já tinha previsto este stress.
A quadratura de Plutão-Urano no céu está de matar.
- De matar, Leo? De matar é essa sua piada de mau gosto
justamente quando eu venho com um assunto sério, sobre a gente ir morar junto e
construir algo bacana. Caramba! Eu sou uma cientista social! Nunca me senti tão
humilhada em minha vida!
- Talvez esta humilhação seja a influência de...
- NÃO OUSE, LEONARDO!!!! Se você falar o nome de mais um
planetinha que seja... Eu juro... Eu não respondo por mim!
- Okay, okay! Não falo mais no assunto! Mas, Didi, vamos
combinar! Não é tão ruim assim, vai!
- “Não é tão ruim assim”? “VAI”? Vai você, Leo, à merda! Eu
estava preparada para qualquer encrenca! Você ser um golpista, traficante,
criminoso profissional. Até mesmo ter outra mulher em sua vida! Ou, melhor ainda, um homem! O sonho de
decepção de toda graduada em Sociologia pela Federal é ser trocada por outro
homem! Meu sonho é ser uma estatística! Mas horóscopo? Isso é demais pra mim,
cara!
- Também, né, Diana! Com este seu ascendente em Virgem...
Qualquer história será dura de engolir.
- Ascendente em... Peraí... Como você... Ah, eu não acredito!
Agora eu entendi aquela vez que você perguntou a minha hora de nascimento! Você
disse que queria festejar meu aniversário de forma pontual. E eu achei tão
fofo, nem questionei. Como eu sou trouxa!
- Uma trouxa linda! Que eu amo! E seu mapa é uma beleza!
Quer ver?
- Anos e anos de estratificação social, complexos culturais,
transculturação e uma porrada de revoluções...
Pra, no fim, amarrar meu burro num arremedo de Paulo Coelho!
- Não fale assim! Sou astrólogo, mas sou limpinho! E faço o
maior sucesso com as minhas consultas.
- Agora eu entendi. Toda segunda, quarta e sexta, final da
tarde... Você sumia. E eu achando que estava na academia.
- Academia? Três vezes por semana? Em três anos que estamos
juntos? COM ESTE FÍSICO? Ah, Diana, nem você pode ser tão ingênua assim.
- Olha... Chega desta conversa, Leo. Aliás, chega de você!
- Oi?
- É, Leo... Não dá mais pra continuar assim. O que minhas
amigas pós-doutorandas de Economia Pré-Revolução Industrial vão dizer quando
souberem que eu me casei com um astrólogo?
- Isso não está certo!
- Viu, até você concorda!
- Não, não é isso. Não está certo! Vênus acabou de entrar na
minha casa sete. Propício ao casamento! Não era para ter este desfecho. Eu não
entendo!
- Pois isso só serve para mostrar que este papo de signo é puro folclore. Estou indo embora, Leo. Adeus!
- Então é assim que vai terminar? Eu estou muito
decepcionado com você, Diana!
- Você? Decepcionado comigo? Ah, mas essa é muito boa! E o que isso quer dizer? Saturno na casa treze?
- Não existe casa treze! Mas você nem se importa com isso,
não é? Está tão cega pela sua vaidade intelectual que não é capaz de se despojar
do próprio preconceito!
- Preconceito? Eu???
- Sim, você mesma, sua inteligentinha! E se está tão segura assim
de jogar o amor de sua vida fora por conta disso, então vá em frente!
- Leo, também não é assim...
- É assim, sim! A gente de repente existe. Pah! E
se dá conta que teve uma infinidade de tempo antes da gente existir. Tipo,
infinidade de faltar número pra contar, porque a existência é maior que todos
os números que homem pode inventar. E adivinha! Vai rolar outra infinidade igual
a essa depois que a gente morrer! E tem mais! Esta infinidade não é só de tempo. É espacial também! Pois nós vivemos presos aqui, neste grão de poeira
perdido na Via Láctea e nunca teremos a noção da imensidão de todo o Universo.
E, em vista disso, tudo o que eu busco fazer é desenhar um propósito maior pra
cada infeliz deste planeta que nasceu com polegar opositor e o usa apenas
para criar um perfil na rede social! E isso inclui principalmente você com suas
estatísticas sociais, sua libriana fanfarrona!
- Uau, Leo...
- O que foi agora?
- Eu não conhecia este seu lado!
- Do que você está falando?
- Você sempre fez a linha bancariozinho tranquilo. Que é
okay, mas...
- “Mas”?
- É que, eu nunca pensei que astrologia pudesse ser um
assunto assim tão... Másculo!
- Você achou másculo?
- Sim, de uma forma surpreendente!
- Você ainda quer morar comigo?
- Bem, se as estrelas disseram que sim... Quem sou eu com
todo o meu embasamento acadêmico para duvidar.
- E suas amigas pós-doutorandas?
- Ah, qualquer coisa eu digo que você trancou a faculdade de
Astronomia. Elas nem vão perceber a diferença, a Sociologia não chegou à Lua.
- Então a Lua é nossa! Meu amor, nosso amor estava escrito
nas estrelas!
- Tava sim!
- Estou tão feliz!
- Mas ainda tem uma condição!
- Qual?
- Me chame de libriana fanfarrona de novo!
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