Você provavelmente ainda terá os mesmos problemas. Quebrará
a cabeça para saber como vai pagar as contas no começo do próximo mês. Ainda se
sentirá sozinho, pois não consegue encontrar um interesse romântico que supra
suas expectativas. Ficará um dia mais velho a cada dia que passa. Mas, como se
trata de um exemplo de ética e cidadania, lá vem mais um elogio para a sua
coleção de méritos em vida. Já conseguiu entrar para o livro dos recordes?
Ainda não? Então siga se comportando. Para quê solução dos problemas quando se
pode arrecadar uma infinidade de elogios, não é mesmo?
O elogio é uma das atitudes mais superestimadas do mundo. É
uma forma socialmente aceita de deixar você à deriva. Um paliativo, uma fuga,
um prêmio de consolação. Uma arapuca. Igualzinho ao açúcar, caso caiba aqui uma
analogia gastronômica. O açúcar dá um colorido no humor, um alívio na
ansiedade, uma ilusão de saciedade. Ma não passa de um veneno para o corpo:
incentiva distúrbios alimentares, obesidade, cárie, diabetes, colesterol,
insônia e outras tranqueiras que um nutricionista ficaria plenamente satisfeito
em enumerar. Logo, seja o açúcar ou o elogio, é possível afirmar que uma vida
mais doce não significa, necessariamente, uma vida melhor.
Claro que ninguém vai deixar de comer chocolate. Tampouco faltar
com a gentileza. Mas não deixa de ser interessante perceber algumas intenções
que se escondem por trás de um inocente elogio. Basta olhar com olhos de ver. Os
casos aqui citados usarão o adjetivo “incrível” como elogio-base de nossas
especulações, a fim de ilustrar o raciocínio proposto. Se você se sentir mais
confortável, poderá trocar “incrível” por “foda” ou “ducaralho” para o melhor
entendimento dos descolados de plantão. Ou “mara” para os representantes da
diversidade. Sabe como é, o sistema de cotas está com tudo.
O elogio, muitas vezes, é moeda. Diga-se de passagem, uma
moeda de cinco centavos. Quando você faz
uma proeza incrível, dessas coisas incríveis que se espera algo em troca, como um
ato de gratidão, uma promoção, um pagamento, um favor ou outra coisa tão
incrível quanto a sua proeza, o que vem lá? Um elogio! “Você é incrível”. E um
tapinha nas costas como bônus.
Isso quando o elogio não passa de um exercício de pura
vaidade pessoal. E vem com um autoelogio embutido. Quando alguém faz questão de
elogiar e, na verdade, só está afirmando que a sua opinião é relevante, seu
louvor é digno de ser expressado e a vida do elogiado se tornará melhor depois
do elogio estabelecido. “Preste atenção no que eu estou lhe dizendo: você é
incrível.”
Também tem o elogio sequestro-relâmpago. Quando alguém chega
disparando elogios de forma brusca. Mas jamais aleatória: certamente vai mirar num
desavisado com problemas de autoconfiança. A ideia é mantê-lo como refém em
cativeiro e, assim, dispor de toda sorte de favores que precisar. “Você é
incrível! A pessoa certa para me ajudar aqui nesta situação.”
O elogio ainda funciona como uma saída estratégica. Quando você
chega, alquebrado de alguma porrada da vida, precisando de um apoio, alento,
colo, ombro, aluguel de orelha ou qualquer forma de cumplicidade emocional,
espiritual e/ou material, eis que entra o elogio em cena: “deixa disso, você é
incrível, tenho certeza que vai sair desta”. É uma maneira gentil de deixar
claro que você, além de ferrado, está por conta. Se vira, meu bem! Tá ruim pra você? Tá ruim pra
todo mundo!
Claro que o elogio tem, sim, sua importância. Tornar a vida possível
num mundo cruel através de pequenas gentilezas. Mas e quando todos ficam só
nas pequenas gentilezas? Não estaríamos deixando o mundo mais cruel ainda desse
jeito? A bolota de barro não precisa de elogios para girar. Precisa de
oportunidades. E estamos tão ocupados em atualizar nossos perfis em redes
sociais que não temos mais tempo para oferecer um gesto sequer. Seja um beijo, um
abraço, uma carona, um prato de comida ou um cobertor a mais se esfriar à noite.
Até mesmo uma perspectiva. Nada disso. Um elogio está de bom tamanho.
Talvez todo este raciocínio esteja equivocado. Posso estar
sendo injusto com o elogio. Ou não. Vá saber... Se você chegou até aqui e
quiser tecer uma crítica, fique à vontade. Mas, se gostou, não precisa elogiar.
Basta refletir sobre o assunto. Parece pouco, mas é um passo além do elogio. E,
dessa forma, ficarei verdadeiramente grato.
Cara, sou apaixonado nos seus textos e não tenho medo de assumir. rsrsrsr
ResponderExcluirAbraço!
Excelente...
ResponderExcluirGostei muito. Nunca havia pensado sob essa perspectiva. Muito bom seu texto. Ah esqueci que não era para elogiar, rs.
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