quarta-feira, 2 de março de 2011

Homo pastelis

O Século XX ficou para trás. Na carona, a originalidade e a espontaneidade subiram no telhado. Aqui jaz a ideia. A assepsia do novo milênio não comporta nenhum conceito novo. Seja na cultura, ciência ou religião, a regra é clara: existem padrões. Assim, tal e qual uma progressão matemática, padrão leva ao exercício de estilo, que leva à rotina, que leva ao tédio.
Estamos todos entediados. A tendência da moda é flúor, mas o espírito da nova era é totalmente pastel. Ou nude, como preferem os mais entusiastas. Ah, desculpa! Entusiasmo também morreu no século passado.
E o tédio deformou a alma de toda uma nova geração. No limiar evolucionário da raça humana, o homo sapiens se despede de sua performance no planeta. “Sapiens” se tornou um termo obsoleto. Ou alguém ainda usa o cérebro? Em tempos onde todos se esgotam no retrô, no remix, na versão, no remake, no cover, no vintage e na segunda temporada, a criatividade se tornou um pecado digno de punição pela Horda de Bonecos Ultrajadinhos da Estrela.
E assim nasce o homo pastelis: tom pastel, cara de pastel e perpetuando a distimia como um modo de vida (in)sustentável.
Levando adiante a progressão matemática: tédio leva à frustração, que leva à violência. Já que é para ser pastel, vamos pensar pequeno: nas mínimas e sutis violências do dia-a-dia. A completa falta de gentileza que se tornou assustadoramente normal nas relações humanas. E a cordialidade se tornou um fóssil que nenhum museu quer expor. As maravilhas tecnológicas também tem a sua parcela de culpa. Operam verdadeiros milagres neste sentido: o ser humano não precisa mais sair de casa para romper fronteiras. Agora, para desbravar o mundo, não precisa mais pegar condução, nem pedir informação sobre onde fica aquela avenida. Tampouco agradecer pela informação. Não precisa sorrir. Nem cumprimentar, nem abraçar. Beijar, então, nem se fala... A salada mista está fora do cardápio. Graças à internet, pularam-se algumas etapas na construção de relações. Educação e respeito são duas delas. As pessoas não mais se apresentam. Elas se “adicionam”.
Assim, o universo virtual se tornou uma grande comunidade... A Comunidade dos Detratores Compulsivos: uma grande gincana de hype victims viciados em brechós que decidem qual é o elemento cool da semana, em detrimento do ridículo que se torna todo o resto do universo. Não suportam a novela das oito, mas não vão a um barzinho fazer novos amigos, porque não podem perder um capítulo sequer. Acham os participantes do Big Brother ridículos, porém não compram um livro, porque gastaram suas economias na assinatura do pay-per-view do reality show. Só o medíocre garante audiência. São conhecidos como a Geração Afff do Orkut, ou a Geração Oi? do Facebook. O modus operandi é o mesmo, onde nada se cria, tudo se copia, para, no final das contas, gerar uma avalanche de opiniões. E, olha, é muita opinião para pouca ortografia.
Os Detratores Compulsivos conseguiram criar uma nova concepção de “senso crítico”, que nada mais é do que um criativo exercício da crueldade que gera uma dinâmica constante de mal-estar. Seja pela urgência em apontar que nada novo aparece no horizonte, ou seja em tripudiar qualquer tentativa de oferecer este algo novo, o importante é falar mal.
Em que ponto, lá atrás, o ser humano se tornou um eterno adolescente mimado com fortes flutuações hormonais? Bem, isso partindo do pressuposto que algum dia ele foi um pleno adulto...
Não adianta oferecer drogas (elas os deixam ainda mais pastelis), não adianta sexo, não adianta dinheiro. O tédio reina absoluto e não há nada o que se fazer. A não ser esperar pelo colapso. Tipo assim, uma pane no sistema, um holocausto, um hecatombe, um genocídio... Em suma: uma grande merda! O ser humano é teimoso demais e não vai parar no meio do caminho só para se dar conta que está correndo em direção a um beco sem saída.
Então vamos lá, pessoal! Exercitem o carão, revirem os olhinhos blasés e soltem o seu melhor suspiro. Vamos fomentar o sarcasmo gratuito, o deboche desmedido, a falta de gentileza. Está valendo qualquer coisa que ofereça marketing pessoal através da ridicularização de terceiros. Afinal de contas, a expressão da moda não é “vergonha alheia”? Alimentemos pequenos preconceitos, que se tornarão grandes preconceitos, que, por sua vez, gerarão atos de vandalismo e violência, e, por fim, nos levarão à guerra! O futuro é um mar de rosas... De Hiroshima. Só, então, quando água de tragédia bater na bunda da civilização, pode ser que a semente da criatividade possa germinar outra vez.
Agora, se me dão licença, eu vou ali comer um pastel.

2 comentários:

  1. Eliandro:
    Sua observação, sagacidade
    e perspicácia andam afiadíssimas!
    E o humor, mesmo ferino, não te
    abandona!
    Parabéns, que bom poder contar com seus
    posts argutos e hilários.
    Qto à falta de educação e gentileza reinantes, os autores Zedu Lima e Jerson Dotti lançaram um livro bem humorado sobre o tema: "na medida certa da boa educação".
    Vale a pena!
    abr
    Maurício

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