domingo, 3 de agosto de 2014

Pensar ainda é de graça

O homem se difere dos outros animais por ser civilizado. E esta civilização, que nos salva de sermos capivaras, é um sistema de organização coletiva que tem por objetivo a arrecadação de impostos. Afinal, o que é a sociedade senão um bando de gente amontoada em centros urbanos vivendo reféns de valores morais padronizados? E, o mais importante, pagando para manter isso tudo. Sim, a civilização é hierarquizada: arrecada quem manda, manda quem pode, obedece quem precisa, paga quem obedece e os incomodados que se retirem com gás lacrimogêneo.
Imposto é uma palavra desagradável. É o particípio passado do verbo impor. E, vamos combinar, ninguém em sã consciência curte imposições. Mas elas existem. Em forma de percentuais milimetricamente fracionados. Os impostos, assim como Deus, são onipresentes e onipotentes. Pagamos imposto para comer, se vestir, transitar, morar, receber o próprio pagamento e até para aprender. Só falta pagarmos impostos para fazer sexo. Mas as autoridades liberaram a prática sexual porque entendem que, em caso de fecundação, novos pagadores de impostos surgirão (o que é interessante para a manutenção da máquina de arrecadação). É por isso que o sexo entre pessoas do mesmo gênero não é visto com bons olhos. Homofobia? Nada! Isso foi só uma desculpa para render pauta na mídia. O que o sistema não admite são duas pessoas se divertindo sem que alguém de fora possa tirar vantagem disso. Felicidade não gera cobrança de impostos. Sexo, então, só para fins de procriação (de tributos).
O homem surgiu, a política nasceu e o imposto prevaleceu. Antigamente, nas monarquias, essa cobrança tinha uma finalidade clara: enriquecer o imperador. Com o tempo, a civilização evoluiu e hoje temos a democracia, onde o papel dos impostos mudou. Atualmente se paga para garantir as condições básicas da gestão pública. E, por “gestão pública”, entende-se jatinhos particulares, latifúndios rurais e mansões suntuosas em ilhas paradisíacas. Ou seja, só o essencial.
Acontece que os impostos cobrados não são suficientes. Acaba faltando para algumas outras coisinhas surpéfluas. Tipo saúde, educação, segurança e outras chatices das quais algumas pessoas inconvenientes vivem se queixando. Que porre! Como os luxos pessoais das autoridades não podem deixar de ser prioridade, a solução é criar novos impostos para garantir estas despesas extras. E calar a boca desses reclamões! Sendo assim, no intuito de unir o útil ao agradável, aqui segue algumas sugestões de impostos que podem otimizar essa arrecadação extra necessária:
- IPEDVCDVM (Imposto sobre Produto Excedente a Dez Volumes no Caixa de Dez Volumes do Mercado) – Brasileiro só sabe contar até nove. Depois disso, qualquer número é dez. É só olhar na fila de dez volumes no caixa do mercado. Carrinhos com quinze, vinte, trinta volumes. Cobrando o imposto sobre cada produto excedente ao décimo, teremos uma forma eficiente não só de arrecadação, como também de ensinar fundamentos básicos da matemática a todos os cidadãos. Enfim, um imposto realmente direcionado à educação!
- ISRRR (Imposto sobre o Selfie de Refeição em Restaurante Refinado) – É feio exibir fartura num mundo onde tantos passam fome! Mas, com a criação deste imposto, ao menos é possível fazer isso com a consciência em dia. Compartilhe virtualmente sua gula com tranquilidade, sabendo que a cobrança da postagem vai garantir um prato de comida a alguém necessitado.
- IUALKCRS (Imposto sobre Uso Abusivo da Letra K em Comentários de Redes Sociais) - “KKKKKKK”? Jura? Vamos combinar: ninguém ri assim, de risada histérica. Num mundo violento, injusto e cruel, com tanta cobrança de impostos, só quem ri dessa forma são as pessoas podres de rica. E elas nem usam internet. Desconhecem completamente o função do K digitado em série. Preferem se divertir usando seres humanos de verdade. Já aos reles mortais, quando muito, sobra a oportunidade de um sorriso tímido, quiçá uma risadinha irônica. Então, está na hora de usar uma expressão de gracejo na internet que seja condizente com a realidade do internauta. O imposto para cada letra K digitada em série e em caps lock se tornará um rentável tributo e uma eficiente lição de adequação à realidade aos fanfarrões virtuais.
- IIICD (Imposto sobre Igrejas Inventadas que Cobram Dízimo) – E se o Templo de Salomão pagar IPTU? Talvez seja esta a criação de imposto mais urgente. Está crescendo em progressão aritmética o número de porta-vozes religiosos que enriquecem em progressão geométrica através da boa fé (e da parca renda) de uma considerável parcela da população. Uma equação que envolve carisma, fábulas bíblicas, privilégios legais e falta de instrução das massas. E o resultado é preocupante. Tudo às custas de baratas tontas sugestionáveis que nunca irão fazer o selfie de refeição em restaurante refinado, pois o dinheiro que usariam pra comprar smart phone e registrar o almoço, destinam ao dízimo. Perpetuando, assim, um ciclo de ignorância e retrocesso que sustenta a desigualdade social e emporcalha o real conceito de espiritualidade. O exercício de fé é pessoal é intransferível. Mas tem muito líder religioso por aí que aceita transferência, a bancária. Garantindo, portanto, que a humanidade siga se diferenciando dos outros animais. Até porque bicho não se aproveita dos seus semelhantes. Ou alguém já viu vaca cobrando sobre o seu leite ordenhado? E abelha, sobre o mel, alguém sabe?
Bem, esses foram só alguns apontamentos e sugestões. Que provavelmente nunca se concretizarão de fato. Por ser tratarem de uma piada. Ou de algo sério demais. Enfim... A mim, só resta seguir escrevendo lorotas e criando provocações. Antes que alguém invente o ITEOAP (Imposto sobre Textos Engraçadinhos que Oferecem Alguma Perspectiva).

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