quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sexo, naturalmente

Oi, eu sou a Mãe Natureza. Também conhecida como “Deus” pela sociedade falocêntrica. Então... Hoje eu resolvi dar as caras por aqui, porque uma das minhas criações, que atende por “raça humana”, por um acidente evolucionário, desenvolveu raciocínio e autodiscernimento. Pois é, o macaquinho tropeçou, caiu sobre a mão e destroncou o dedão. Do polegar opositor à teoria da relatividade, aqui estamos nós, com vocês, cabeçudos, que adoram produzir abstrações em série, isso que chamam de “cultura”. E num surto descontrolado de epifanias, começaram a explicar tudo, inclusive a existência. Ai, isso dá uma preguiça...
Mas tudo bem, sabe... Deixei rolar. Fiquei curiosa pra saber onde isso ia dar. Afinal de contas, eu, a Mãe Natureza, também conhecida como “Alá” pelos inflexíveis, tenho a eternidade pela frente. E, gente... A eternidade é um tédio. Visto que decidi bancar a expectadora nesta tentativa da raça humana de conquistar o mundo. Mas a coisa chegou num ponto em que perdeu a graça e resolvi me colocar.
Bem, a bagunça começa justamente pelo sexo. Ou melhor: pela importância que dão pra ele... Era pra ser tão simples! Eu só precisava bolar um mecanismo autônomo de perpetuação da espécie. Eu não tenho a menor paciência para ficar criando novos indivíduos geração após geração. Um porre de demanda! Fui lá, criei as partes íntimas, criei o tesão (como incentivo de performance) e deixei a coisa correr por conta. Afinal de contas, a troco de quê eu vou ficar o tempo todo atualizando o casting da população se eu posso oferecer um sistema autogerenciável? Vai, procria aí... É muito mais funcional e não me dá trabalho. Olha, é uma maravilha com qualquer bicho ou planta. Vão lá , polenizam, copulam, perpetuam... Funciona que é uma beleza! Ou pelo menos funcionava... Até o homo sapiens resolver “entender” o sexo. E o pior é que não entendeu nada.
Céus, que dor de cabeça esta filosofia de boteco falando de “luxúria”, “castidade”, “puritanismo”, “malícia”... Se viram do avesso no Carnaval para, quarenta dias depois, se entregarem ao jejum em nome da pureza da alma. Paradoxo irritante! Um ciclo de excesso e abstinência cruel. Haja saúde! Não entendo porque simplesmente não dosam... Fazem sexo e pronto.
E até fazem. Bastante eu diria. Mas de uma forma tão estranha, camuflada e pervertida que isso vira um drama sem precedentes. E quanto mais “entendem” que sexo não se deve ser feito, mais fazem compulsivamente “na surdina”. E o que aconteceu? O milagre da progressão geométrica! Uma supersafra: gente demais para pouco chão e mantimentos. E a coisa toda ficou meio mal equalizada.
Lógico que eu, a Mãe Natureza, também conhecida como “Buda” pelos lânguidos, tomei algumas providências. Atualizei o sistema de perpetuação da espécie e instalei o plugin da homossexualidade. Escolhi uma parcela seleta de indivíduos e codifiquei o “tesão entre iguais” para que a procriação não aconteça. Assim, ao invés de zelar pela sua própria ninhada, estarão disponíveis para amparar os filhotes de seus próximos. O conceito gay é o mais evoluído que eu já concebi até agora: imaginem um ser que abre mão de seguir com a sua própria linhagem para somar forças à linhagem alheia. Menos filhotes com mais proteção num mundo cada vez mais inóspito. Isso é perpetuação da espécie na era da incerteza. É lógica simples! Só que não tão simples para vocês (que se denominam “racionais”). De repente, eu vejo este debate acalorado sobre o direito à adoção por parte dos gays... Caramba!!! Quem falou em direito? É um dever! Afinal, eu inventei o gay pra isso! Fiz do remanejamento de prole através da orientação sexual diversificada um modelo sustentável de otimização de recursos. Me diz agora se eu, a Mãe Natureza, também conhecida por “Tupã” pelos nativos, não sou demais! E a humanidade agradece? No mínimo, deveria...
Mas o bicho-homem é muito burro mesmo... Não entendeu nada! Começaram a perseguir os gays de forma humilhante e violenta. Alegando ser uma prática “antinatural”. Assisti, chocada, a um festival de atrocidades em nome de um entendimento de mim que eu nunca ofereci a ninguém. Olha, vou te contar... Que raça que não lida bem com novidades, essa, a de vocês, hein? Até uma centopéia evolui mais rápido que um ser humano. O pior é que os próprios homossexuais não se entendem muito bem. “Poutz, sou gay... E agora?” Depois de tanta perseguição e lampadada na cachola, acabou dando um curto-circuito nas suas cabecinhas bem penteadas. Ao invés de cumprirem o seu papel na divina providência e provar o seu valor para o mundo, saem correndo para a primeira boate tentar bater o recorde de conquistas sexuais, que chamam carinhosamente de “pegação”. Gente colorida, prestem atenção: fornicação desmedida pode até funcionar muito bem na juventude. Mas, com o passar dos anos, o hormônio dá uma trégua no ritmo de corpinho e o que acaba restando é apenas um senhor vazio na alma. Transar freneticamente e dublar a Britney Spears não qualifica o tão alardeado “orgulho gay”. Não foi pra isso que eu criei vocês.
Logo, diante de toda esta suruba histérica, numa medida cautelar, eu, a Mãe Natureza, também conhecida como “Odin” pelos pálidos, criei o HIV. Que é pra dar uma cutucada nos assanhados (de todas as orientações, diga-se de passagem), como um lembrete de que o exercício abusivo da promiscuidade não ajuda a humanidade a sair deste beco sem saída evolutivo que resolveu entrar. Sei que parece uma atitude meio drástica, mas vocês se negam a dar ouvidos a sutilezas. Então eu já enloqueço e mando vírus, tsunami, terremoto... Que é pra dar uma situada.
Bem, só que com este movimento, mais uma vez, eu dei um tiro no pé. É impressionante como vocês são imprevisíveis. O fato é que, com a iminência de uma contaminação, a humanidade realmente começou a fazer menos sexo. Só que rolou uma tremenda culpa como efeito colateral... Culminou numa anacrônica caça às bruxas e voltou o velho entendimento sobre sexo (que ninguém merece). Ao invés de redirecionar a energia do tesão para algo produtivo, começaram a promover guerras e conflitos. E eu que pensei que testosterona era uma boa idéia...
Então, assim, pessoas, prestem bem atenção. Não tenho paciência para ficar aparecendo o tempo todo. Anotem o que eu vou dizer: eu, a Mãe Natureza, também conhecida como “Zeus” pelos saudosistas, estou dando meu último aviso. E olha, no lugar de vocês, eu não faria pouco caso disso. Os últimos que deram os ombros pra um aviso meu foram os dinossauros, que reinaram impunemente por bem mais tempo que vocês, e, por conta do desaforo deles, chutei o balde e promovi a extinção da crocodilada. Joguei um meteoro, baguncei o ecossistema, alguns mais espertinhos evoluíram pra galinhas. Mas a maioria se ferrou bonito na minha mão. Apertei o botão foda-se mesmo. Então, que fique claro: parem de teorizar tanto o sexo nas suas vidas. Apenas o pratiquem. Naturalmente, seja com que for. Disseminem afeto e, assim, garantam um amanhã possível pra famigerada raça humana. Porque eu, sinceramente, cansei da brincadeira. Está na hora de fazer acontecer. Do contrário, eu criarei um novo vírus que atacará apenas os preconceituosos (ou seja, todos vocês). E, no final das contas, vou acabar passando a vez para as baratas, minhocas, samambaias, sei lá... Qualquer coisa que se reproduza com um pouco mais de bom senso. Vocês tem o prazo de um ano para acertar a mão. Em 2012, a gente conversa novamente. Até lá.

2 comentários:

  1. Eliandro:
    Brilhante,
    "disseminar afeto"
    para garantir o futuro da
    humanidade!
    Parabéns!
    bjs
    Maurício

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  2. Oi adorei o seu texto sincero, visite o meu blog de textos acidos, obrigado.

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