quarta-feira, 28 de julho de 2010

Eu só quero chocolate

Eu poderia dizer que começou com a Páscoa. Aquela meia tonelada de chocolate impraticável de ser consumida em tempo hábil (metade acabava no lixo). Mas, até então, era um consumo baseado puramente na experiência sensorial. Inocente até.
Até que um belo dia, esperando pelo meu sagrado episódio dos Superamigos no Xou da Xuxa, o programa exibe uma atração musical do Trem da Alegria que mudou radicalmente a minha relação com o chocolate. “Vou te mostrar que é de chocolate, de chocolate que o amor é feito, de chocolate bate o meu coração”. Entendi naquele momento que o chocolate poderia ser uma coisa mágica. Aquela tenra estrutura castanha e açucarada me levaria a um mundo de possibilidades coloridas nunca antes vividas. Além de proporcionar cáries, lógico. Foi o começo do suplício.
Quando eu era garoto, preferia Nestlé. E experimentava de tudo. Ao leite, branco, com amêndoas, castanhas, farelo de arroz, passas, avelã e mentolado. Só evitei o chocolate com pimenta porque, vocês sabem, quem tem cu tem medo.
Na medida em que fui crescendo, entrando na puberdade, os hormônios em fúria, graduações de humor, inadequação e, a grande armadilha, uma inclinação natural para a ansiedade, o consumo de chocolate se instalou na minha rotina. Eu queria realmente acreditar que era uma opção, que eu estava no controle da situação. Mas hoje percebo que eu era refém deste derivado diabólico do cacau. É impossível manter algum bom senso quando a publicidade nos bombardeia com a idéia de que chocolate e sexo são a mesma coisa. Modelos sensuais tendo orgasmos na TV toda vez que mordem um chocolate... É impossível não pensar: “eu quero fazer parte deste paraíso.” A sociedade gasta muita energia policiando drogas ilegais, deixando o caminho livre para as legalizadas. E isso não é legal.
A coisa se tornou dramática quando encontrei uma turminha que me apresentou Tim Maia (um senhor chocolatão). “Não adianta vir com guaraná pra mim, é chocolate que eu quero beber”. Fiquei em êxtase! Afinal, a minha fissura tinha o aval de gente descolada! Marisa Monte até fez uma versão (mas ela não passa de um suspiro). Estes versos me deram o impulso que faltava para pular do abismo. Cheguei num estado em que eram reduzidas as chances de resgatar a minha integridade: glamourizei o próprio vício. E isso fez com que eu me tornasse uma pessoa meio amarga.
Nesta etapa da chocolatria, me tornei capaz das atitudes mais sórdidas. Diz o ditado que é fácil roubar doce de criança. Bem, na verdade no começo não é. Na primeira vez, ainda tentei me agarrar ao que restava de meus escrúpulos. Vi o inocente infante, perdido no playground da praça, absorto saboreando seu doce chocolatinho. Ainda parei pra pensar: “onde está sua dignidade, seu canalha?". Mas, antes que eu me desse por conta, já era tarde demais. A criança foi chutada pra um canto do trepa-trepa depois que arranquei de suas mãos o que sobrava de um Kinder Ovo. Não há mais surpresas: cheguei ao fundo do poço.
Neste ponto, minha vida ficou mais incontrolável que recheio de Sensação. Além de responder processo por ter mordido a perna da Camila Pitanga (poderia jurar que ela era feita da mais pura gianduia), também converso com espíritos depois que comi uns bombons de licor que encontrei num despacho de encruzilhada. Uma dessas almas penadas se chama Silmara e vive me dizendo que, se eu der três mordidas num Chicabon, às 2h45 da manhã, cantando Marrom Bombom de trás pra frente, eu vou incorporar o espírito de Willy Wonka. Geralmente não dá certo. É provável que seja culpa do meu relógio que deve estar atrasado.
Atualmente freqüento os Chocólatras Anônimos. Vivo a conquista do dia de hoje, sem saber o que me espera o dia de amanhã. Tenho bebido muito suco de maçã. Dizem que limpa o organismo. Muitos do grupo falam de seus planos, de seus sonhos. Viajar, constituir família, reerguer sua carreira destruída pelo império do cacau. Meu sonho continua o mesmo. De valsa.

Um comentário:

  1. Eliandro:
    Parabéns, seu texto é
    irônico e de um humor muito
    especial!
    Adorei seu sonho,
    que seja de Valsa,
    de salsa
    ou de qq outro gênero.
    Sonhar é preciso, como diz o poeta!
    bjs
    Maurício
    Mellone

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